Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Mais uma vez, gostaria de contar com vossos valiosos préstimos para elucidar uma questão.
O professor Domingos Paschoal Cegalla, em seu Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa, no verbete modismo, enumera algumas expressões, que, justamente por serem modismos de linguagem, deveriam ser evitadas.
Não consegui entender, no entanto, o que haveria de errado nestas expressões por ele citadas: «descartar uma hipótese», «filme ou espetáculo imperdível» e «para delírio da torcida».

Agradecendo desde já a atenção dispensada, cordialmente, despeço-me.

Resposta:

Modismos são modos de falar admitidospelo uso, mas que são ou parecem contrários às regras gramaticais da língua respectiva. Também assim se denominam os idiotismos, ou seja, construções próprias de determinadas línguas e que não se podem traduzir literalmente nas outras.

A respeito dos exemplos apresentasos na pergunta, poderemos dizer o seguinte:

1 – Descartar é um termo antigo na língua portuguesa que significa «rejeitar uma carta de um baralho (por não convir ao jogo)», «livrar ou aliviar alguém de alguma pessoa ou coisa inoportuna» e «tirar, privar, despojar de». Na expressão que apresenta, o significado de descartar é «rejeitar», como se a hipótese fosse uma carta de um baralho, constituindo o seu emprego uma generalização desse sentido restrito.

2 -– Imperdível é adjectivo antigo, registado, por exemplo, na 10.ª edição (1949-1958) do Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de António de Morais Silva, com os significados de «que se não pode perder», «em que não pode haver prejuízo», «cujo ganho se tem por certo», tendo a palavra perder o significado de «sofrer uma derrota» (imperdível = não passível de sofrer uma derrota). Na expressão apresentada, o significado de imperdível não é este. A palavra ganhou um novo significado por analogia com o outro significado de perder: «ficar sem alguma coisa, deixar de ter, desperdiçar, desaproveitar». Trata-se de um desvio do sentido.

3 – Torcida é vocábulo registado no Vocabulá...

Pergunta:

Quando iniciamos os verbos com a partícula "re", estamos representando uma ação repetida. Por exemplo: refazer, recontar, reagrupar, recobrir et cetera.
   Para estes verbos, e outros, também usamos a partícula "des" para indicar o contrário do que eles se propõem. Por exemplo: em fazer, temos desfazer; em contar temos descontar; em agrupar temos desagrupar; em cobrir temos descobrir.
   Mas observem o problema com o verbo velar e as partículas "res" e "des":
   – Quem "vela" algo, encobre, oculta e intercepta.
   – Quem "revela" algo, descobre, divulga, mostra, denuncia, declara ou tira o véu. (e porque não encobrindo novamente?)
   – E quem "desvela"? Não estaria este também descobrindo, divulgando, mostrando, denunciando, declarando ou mesmo tirando o véu?
   Senhores, não acham que há alguma coisa de errado com o uso do verbo "re+velar"?
   Até mesmo no Latim essa história é confusa!
   Podem me esclarecer?

Resposta:

Esclareço com todo o prazer. Para tal, vou focar os valores do prefixo des-, os do prefixo re- e os verbos velar, desvelar e revelar.

   1. O prefixo des- tem, efectivamente, o valor de operação inversa, negação, cessação de um acto, separação, como os exemplos que apresenta, mas também pode significar intensidade, reforço, realce, como nos seguintes exemplos: desinfeliz (forma popular, com o significado de muito infeliz), desinquieto (muito inquieto), desfear (tornar ainda mais feio), desvairar ou desvariar, desgastar, desmazelado, desnudez, despavorido, dessecar.

   2. O prefixo re- significa repetição (reedição, reeleito, reunião), intensidade (refrescar, refulgir, rejubilar, remanso, renome), mas também movimento para trás, operação inversa (refluir, refluxo, regressar, remigrar, reportar, reprovar).

   3. Velar é uma forma portuguesa convergente de dois verbos latinos diferentes, vigilare e velare (verbo da mesma família do substantivo velum, que significa véu), apresentando, pois, dois grandes grupos de significados:

   a) de vigilare - estar de vigia, de sentinela, vigiar; passar a noite acordado; passar a noite junto da cama de um doente para o tratar e cuidar; passar a noite junto de um morto; proteger, patrocinar; zelar, cuidar, olhar por; interessar-se por alguém;

   b) de velare - cobrir com um véu, velar; envolver, encobrir, tapando; tornar sombrio, tornar secreto, ocultar; esconder, dissimular; impressionar demasiadamente ou inoportunamente as chapas fotográficas (significado do séc. XX).

   4. A forma desvelar pode, então, significar:

Pergunta:

Gostaria de saber qual é o correto escrever: " procedo à presente averbação", ou simplesmente "procedo a presente averbação".

Resposta:

Na expressão que apresenta, o verbo proceder é regido pela preposição "a" (proceder a), pois tem o significado de fazer, praticar, realizar.

Assim, deverá escrever "procedo à presente averbação", sendo "à" a contracção da preposição "a" com o artigo definido singular "a".

O verbo proceder não é regido de preposição quando é intransitivo.

Pergunta:

Nas escolas e colégios, é feita avaliação ou verificação?

Como é feita a avaliação na língua portuguesa?

Resposta:

Nas escolas e colégios tanto é feita a avaliação como a verificação. A avaliação consiste numa análise e apreciação, com atribuição de um valor. A verificação (averiguação, comprovação, medição, exame) é um procedimento integrado na avaliação.

A avaliação em língua portuguesa decorre dos objectivos programáticos da disciplina de um determinado ano, nível ou curso. Normalmente incide nos domínios da comunicação oral, da leitura, da escrita e do funcionamento da língua.

Pergunta:

A Língua é um sistema flexível?

Resposta:

A língua é um sistema de comunicação verbal, é um sistema de signos partilhado por uma comunidade de falantes. Segundo Saussure, a língua é um sistema léxico-lógico e gramatical que existe potencialmente na consciência das pessoas que falam o mesmo idioma.

Não sei o que pretende referir quando emprega a palavra "língua" (a língua em geral?, um idioma em particular, o português, por exemplo?) e a expressão "sistema flexível", pelo que não sei se a minha resposta vai ao encontro do que pretende.

Neste contexto, a palavra que me ocorre mais próxima de "flexível" é "aberto". Se quiser utilizar o termo aberto associado a sistema, não no sentido de estar excluído da lógica, mas apenas no de permitir a influência de factores externos, então poderá dizer que a língua é um sistema aberto.