Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Tenho sérias dúvidas quanto à virgulação. Ficaria, pois, muito grato se me indicassem algumas obras que versem esse assunto.

Por outro lado, agradecia imenso que me esclarecessem sobre qual é a disciplina que se encarrega desta área e, mais ainda, que me indicassem em que faculdade (em que cadeira), em Lisboa, poderei assistir a aulas.

Para terminar, uma questão – sempre pensei que se usava vírgula quando se omitia o verbo; porém, li recentemente algures que tal só se faz quando as orações estão separadas por ponto e vírgula e não por vírgula, como o exemplo que se segue (ou que segue?):

A escada estava suja, a rua um paraíso de limpeza.

Resposta:

As suas dúvidas dizem respeito a seis assuntos. Um por um:

1 – Para estudar a formar de utilizar a vírgula, poderá começar por consultar as gramáticas, no capítulo respeitante à pontuação, e continuar com a obra de Rodrigo de Sá Nogueira, Guia Alfabética de Pontuação, da Clássica Editora.

2 – A pontuação é um assunto restrito, que poderá ser tratado em qualquer cadeira de Língua Portuguesa ou Estudos Linguísticos.

3 – Para assistir a aulas nas faculdades das universidades de Lisboa, deverá consultar a instituição que pretende e ver as condições de ingresso ou cursos que ministra.

4 – Quanto à utilização da vírgula quando se omite o verbo, a regra é a seguinte: «Emprega-se a vírgula no interior da oração para indicar a supressão de uma palavra (geralmente o verbo) ou de um conjunto de palavras.» (Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra).

5 – O exemplo que apresentou está correcto.

6 – O verbo seguir no sentido de «achar-se posto ou situado em continuação, a seguir», como a situação em causa, conjuga-se pronominalmente: seguir-se.

Pergunta:

Habitualmente uso o termo «intitular» para referir o título de um documento ou de uma obra. Recentemente disseram-me que essa forma era incorrecta e que deveria substituí-la por «titular». Ou seja, em vez de dizer : "Consultei uma obra intitulada tal e tal...", deveria dizer: “Consultei uma obra titulada tal e tal...".

Como me parece algo estranho, gostaria de saber qual é a forma correcta e se há alguma diferença fundamental entre uma e outra forma.

Muito obrigada.

Resposta:

É tão correcta uma forma como a outra, provêm ambas do latim (intitulare e titulare) e são sinónimas.

Na acepção que apresenta, tanto pode empregar intitulada como titulada, embora seja mais usual o primeiro termo.

Na utilização destas palavras, observa-se o seguinte:

a) na acepção de dar título a uma obra, qualquer que ela seja, poderá usar um termo ou o outro;
b) na acepção de denominar, nomear, chamar, também se utilizam os dois termos, sendo actualmente mais frequente o primeiro;
c) na acepção de registar, dar título jurídico, emprega-se titular.

Pergunta:

Oi, tudo bem? Gostaria de saber qual o emprego correto do verbo namorar.

Quer namorar comigo? / Quer me namorar? / Quer namorar eu? / Quer namorar-me?

Que eu lembre ... quem namora, namora com alguém ou algo... correto?

Resposta:

O verbo namorar tanto pode ser utilizado com regência da preposição com como sem ela.

Nas frases que utiliza, é legítima a construção do seu primeiro exemplo – “Quer namorar comigo?” – moldada em “noivar com” e “casar com”.

No entanto, este verbo poderá construir-se apenas com o complemento directo, sem qualquer preposição, como aparece nos autores clássicos e em exemplos actuais deste género: “Ele namorou-a longamente com o olhar.”; “Ando a namorar um anel que me encantou. Quando receber, vou comprá-lo.” Nestes exemplos, a acção de namorar é unilateral, com uma construção não preposicionada.

Pergunta:

Ao visitar uma página argentina li que a "Sociedad Argentina de Cirurgía Bucal" se chama assim desde que, depois de uma consulta à Academia de Letras (Argentina, suponho), soube que era um erro dizer "oral" referindo-se à boca.

Sou médico dentista e gostava que me apontassem a luz para a região oral? Bucal?

Muito obrigado.

Resposta:

A palavra bucal provém do latim buccale- (relativo a boca) e a palavra oral, do francês oral, este derivado culto do latim os, oris, que significa “boca”.

Em português, as palavras bucal e oral significam ambas “relativo ou pertencente à boca”. Portanto, não é erro dizer oral referindo-se a algo relativo à boca.

No entanto, estas duas palavras têm empregos próprios.

O termo bucal é utilizado na designação dos aspectos físicos relativos à boca e sua anatomia, como se verifica, por exemplo, nos seguintes termos de anatomia e de zoologia: artéria bucal, glândulas bucais, mucosa bucal, nervo bucal, apêndice bucal, armadura bucal, disco bucal, fenda bucal, sifão bucal, ventosa bucal.

O adjectivo oral diz respeito à função que a boca desempenha, aos aspectos mais genéricos, abstractos e abrangentes, e não à sua anatomia. Na área da saúde, são utilizados, por exemplo, os termos cavidade oral e higiene oral.

Quanto à região, creio que tanto pode ser oral como bucal, dependendo do que pretende designar.

Pergunta:

O plural da palavra ano-calendário é anos-calendários?

Se for, qual a regra utilizada?

Resposta:

Não tenho conhecimento de que essa palavra esteja dicionarizada.

Quanto ao plural, a regra geral é a do plural de ambos os elementos de um substantivo composto, se ambos são substantivos. Ano e calendário são substantivos.

Exceptua-se, no entanto, a situação em que o segundo desses substantivos funciona como determinante específico do primeiro, significando “que é do tipo de”, “que exerce a função de”, “que diz respeito a”, ou seja, um substantivo que, de certo modo, está a caracterizar esse primeiro substantivo. Neste caso, então, só vai para o plural o primeiro elemento, permanecendo o segundo no singular. É o que acontece, por exemplo, com os substantivos navio-escola (plural: navios-escola) e salário-família (plural: salários-família).

Estas são as normas gramaticais. Contudo, tem-se verificado que, por vezes, na utilização da palavra, a noção dessa função determinante desaparece e ambos os substantivos componentes do novo termo são considerados igualmente como essência do novo substantivo, assistindo-se, então, ao emprego do plural de ambos os elementos, estando já dicionarizados os dois plurais: navios-escola e navios-escolas, personagens- tipo e personagens-tipos, etc.

Hoje em dia, assiste-se à vulgarização (a meu ver, incorrecta) do plural de ambos os elementos, mesmo quando o segundo substantivo é um determinante específico, talvez pela dificuldade de natureza semântica aí presente.