Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Porque é que em relação a alguns animais não se marca o género?

Resposta:

Na generalidade dos substantivos que designam um ser animado (pessoa ou animal), o género gramatical (masculino ou feminino) corresponde a uma distinção de sexo (exemplos: «o menino», «a menina»; «o gato», «a gata»). O género gramatical (o estabelecido pelos morfemas da palavra) corresponde normalmente ao género natural (o que se fundamenta no sexo dos seres).

No entanto, muitos dos substantivos que designam animais (a maior parte) têm apenas uma forma (masculina ou feminina) para os dois sexos. São os substantivos epicenos, de que são exemplo a serpente, o sapo, a sardinha, o carapau, o abutre, a borboleta, o mosquito...

Tal acontece porque a informação sobre o sexo do animal perde importância aos olhos do homem (que é quem lhe atribui o nome) essencialmente por três motivos: menor semelhança com o homem; menor contacto com o homem (no caso da língua portuguesa, os portugueses); órgãos sexuais internos ou pouco visíveis.

Assim, sendo o homem um mamífero, podemos observar que, em português, muitos dos nomes dos mamíferos têm masculino e feminino, nomeadamente os daqueles que mais de perto privam com o homem: o cão, a cadela; o coelho, a coelha; o cavalo, a égua; o boi, a vaca. Os nomes de mamíferos que não têm marca de género designam no...

Pergunta:

Pode dizer-se, em português, que «uma coisa é ligeiramente diferente», que é «muito diferente» ou «um pouco diferente», mas está correcto dizer-se que «uma coisa é mais ou menos diferente do que outra»? E porquê? A mim não soa bem dizer «mais diferente», mas quando recorro à gramática para tentar perceber porquê, não encontro explicação.

Obrigada.

Resposta:

Os adjectivos podem ser modificados por advérbios, mas a ligação de um determinado advérbio a um adjectivo tem que ver com o valor semântico deste. Assim, há adjectivos que permitem a variação em grau, nomeadamente no grau comparativo, em que se utilizam os advérbios mais e menos («mais bonito do que»; «menos paciente do que»), mas outros há que não permitem tal variação.

O adjectivo diferente pode sofrer modificação por um advérbio de quantidade e grau, como, por exemplo, muito, pouco, bastante, bem, ou por um advérbio de modo, também ele com valor de intensidade, como, por exemplo, ligeiramente, demasiadamente.

Exemplos:

1. «Esta casa é bastante diferente da nossa.»

2. «Esta receita é ligeiramente diferente da da minha mãe.»

No entanto, o adjectivo diferente não permite a comparação por meio das partículas «mais... do que», «menos... do que», pois este adjectivo não caracteriza um atributo comparável.

Por exemplo, o adjectivo simpático permite uma comparação, pois uma pessoa pode ser portadora de simpatia em maior ou menor grau do que outra: na frase «A Rita é ainda mais simpática do que a irmã», a simpatia é comum às duas pessoas referidas, mas uma possui-a em maior grau do que a outra.

Ora, quanto ao adjectivo di...

Pergunta:

Gostaria de saber por curiosidade qual a origem da expressão tropa-fandanga.

Obrigada.

Resposta:

O termo tropa-fandanga é formado de duas palavras: o substantivo tropa e o adjectivo fandanga.

Tropa é um termo oriundo do francês troupe, redução de troupeau, «rebanho» (final do séc. XII), provavelmente do latim turba, «multidão em desordem ou movimento». Começou por designar um bando de animais e uma grande quantidade de pessoas juntas, uma multidão. No século XV, já a palavra era utilizada como designação de conjunto de homens de armas: este significado permanece, coexistindo, ao longo dos séculos, com o de grande quantidade de pessoas. No plural (as tropas), o termo passa a designar essencialmente os corpos militares que compõem o exército, o próprio exército, enquanto no singular tem várias acepções, da qual importa aqui a de «bando, multidão». Por curiosidade, refira-se que esta palavra é da família de trupe (tem a mesma etimologia), que significa conjunto de artistas, de comediantes, de pessoas que actuam em conjunto e, ainda, na gíria coimbrã, um grupo de estudantes trajados dispostos a exercer a praxe.

A palavra fandanga é a forma feminina do adjectivo fandango, formado do substantivo que designa a conhecida dança popular sapateada, termo este que entra em Portugal, vindo de Espanha, apenas no século XVIII. Pela conjugação da vivacidade da música, do ritmo, do barulho provocado pela dança e dos que nela participavam, o substantivo fandango passa a ser usado, em sentido figurado, na acepção de «balbúrdia». Surge, então, o adjectivo

Pergunta:

Li um artigo no Diário de Notícias [em linha], datado de 23 de Março e intitulado «Estudantes chineses estão a aumentar», no qual me deparo com a seguinte frase: «A Escola Básica do 1.º Ciclo n.º 26 não fecha aos sábados, como a maioria das outras. Enche-se de meninos que vêm aprender mandarim, porque é ali que funciona a Escola Chinesa de Lisboa.»

Causa-me uma certa "impressão" a conjunção como na frase. Embora perceba que a escola em questão não fecha aos sábados contrariamente às outras, ao tentar analisar a frase surgiu-me uma dúvida.

1) «A Escola Básica do 1.º Ciclo n.º 26 não fecha aos sábados, como [o faz] a maioria das outras»?

Ou

2) «A Escola Básica do 1.º Ciclo n.º 26 não fecha aos sábados, [tal] como a maioria das outras»?

Ou seja, a escola em questão está aberta ao sábado, contrariamente às outras (frase 1), ou a escola em questão está aberta ao sábado do mesmo modo que as outras (frase 2)?

Muito obrigado.

Resposta:

Esta é uma pergunta muito interessante, reveladora do espírito de observação de quem a formula.

Em rigor, o que se diz na frase é que a Escola Básica do 1.º Ciclo n.º 26 não fecha aos sábados e que a maioria das outras também não fecha nesse dia da semana. Efe{#c|}tivamente, a conjunção como é usada para estabelecer uma comparação, uma analogia, no sentido de «tal como», «da mesma maneira que», «do mesmo modo que», «à semelhança de», «tal como acontece com», indicando, pois, que o segundo elemento que vai surgir, por ela introduzido, é equivalente, análogo, semelhante ao primeiro.

Ora, do que se conhece da organização escolar no século XXI em grande parte das regiões do mundo (creio que também em Macau), a maioria das escolas fecha ao sábado. Assim, talvez o emissor dessa frase tenha querido dizer que a escola referida não fecha aos sábados, ao contrário das outras, que, na sua maioria, fecham nesse dia da semana. Se a situação foi essa, então, não deveria ter sido usada a conjunção como.

Quanto às duas frases apresentadas («A Escola Básica do 1.º Ciclo n.º 26 não fecha aos sábados, como o faz a maioria das outras» e «A Escola Básica do 1.º Ciclo n.º 26 não fecha aos sábados, tal como a maioria das outras»), elas significam o mesmo: a escola indicada está aberta aos sábados; as outras, também. Efe{#c|}tivamente, a situação referida e retomada é «não fecha», e não apenas «fecha», pois o advérbio de negação faz parte integrante do predicado.

Para expressar a ideia de contraste entre o que se passa naquela escola e o que se passa nas outras, poderiam ser usados outros elementos de ligação, tais como ao contrário de, contrariamente a, diferentemente de.

O termo ensino possui a raiz latina sign-, presente nas palavras signo, significar, significado; mas também em sinal, assinalar, assinar, sina, sino e sinete. Aquele que ensina, verdadeiramente, deixa uma marca, um sinal, em quem aprende, marca-lhe, algum modo, a sina.

E quem aprende adquire o conhecimento. Aprender é um verbo formado de apreender (do mesmo étimo latino apprehendere), com o significado de «abarcar com o espírito», «abranger com o entendimento».