Maria Regina Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
 
Textos publicados pela autora
Palavras que identificam os seus naturais

«Na palavra Portugal, a vogal o pronuncia-se u, mas na palavra Porto, na sílaba inicial, pronuncia-se ô.  (...) Ou ó  nas palavras porta e roda, por exemplo. Porquê?» Artigo de Maria Regina Rocha, no Diário do Alentejo de 10 de Julho de 2009.

A palavra dita, falada, pronunciada, é poderosa.

Artigo de Maria Regina Rocha, no Diário do Alentejo de 19 de Junho de 2009, esclarecendo uma recorrente hesitação (e erro sistemático)  no emprego do singular ou do plural. Ou seja, quando se trata do verbo viver ou da interjeição de saudação «Viva!». Uma situação  similar à do emprego da conjunção  disjuntiva seja.

Pergunta:

Perante um texto literário em inglês americano em que o narrador autodiegético caminhava na Georgia Avenue, eu teria a tendência para traduzir para português como «Avenida "da" Geórgia», mas alguém alvitrou «Avenida Geórgia». Qual destas formas seria uma melhor tradução, se é que assim se pode dizer?

Muito obrigado pelo aconselhamento.

Resposta:

Em Portugal, a tradução recomendada é Avenida da Geórgia,1 como Avenida da Índia ou Avenida do Brasil. Na designação de avenidas, de ruas ou de praças, observam-se as situações que se referem de seguida.

1. Em geral, utiliza-se a preposição de a ligar a palavra rua, avenida, praça, etc. à designação da mesma. É a forma tradicional de construir estas denominações. Tal acontece, nomeadamente, nas designações que incluem:

a)    Topónimos (nomes de locais, de cidades ou de países). Ex.: Rua de Aveiro, Rua de Macau, Praça de Espanha;
b)    Substantivos que designam conceitos, sentimentos, cargos, situações, características. Ex.: Avenida da Liberdade, Rua da Alegria, Avenida da Boavista;
c)    Substantivos comuns. Ex.:...

Pergunta:

Já aqui vi algumas questões como aquela que irei expor, mas a resposta não me parece clara. Desejo ser elucidado de forma conclusiva. Usando a seguinte frase (isolada, sem qualquer contexto) como exemplo, «De forma alguma é azul», estou a negar que é azul, ou estou a dizer que de alguma forma é azul? Se estou correcto (e como vem descrito numa das respostas às questões anteriormente colocadas), só posso usar a expressão «de forma alguma» com sentido de negação quando na mesma sentença ela é acompanhada de uma negação. Ou seja, só poderei negar (utilizando a expressão «de forma alguma») que é azul da seguinte forma: «Não é azul de forma alguma.» De outra maneira, não é possível numa frase isolada fazer uma negação, utilizando apenas a expressão «de forma alguma» (sem outra forma de negação). Inequivocamente pode-se utilizar: «De forma nenhuma é azul.» Que é justamente o contrário de «De forma alguma é azul.»

Numa das questões colocadas: «[Pergunta] Quando nos queremos referir a algo com que, por exemplo, não estamos de acordo, como nos devemos exprimir? "De forma alguma" ou "De forma nenhuma"?

[Resposta] É correcto algum com sentido negativo (= nenhum), quando vem depois de um substantivo. Até o nosso grande Camões o empregou n´Os Lusíadas, I, 71: "Os segredos daquela Eternidade A quem juízo algum não alcançou!"»

Ao contrário do que foi explicado, nenhum não tem qualquer sentido de negação mas, sim, a palavra não, pois, se colocarmos a mesma frase sem o não, ficando «Os segredos daquela Eternidade A quem juízo algum alcançou!», perde-se o sentido de negação, permanecendo a palavra algum e retirando o não. Portanto, algum não influencia ...

Resposta:

É muito interessante a pergunta que o consulente faz. Respondo já, e depois vou tentar elucidá-lo: com a expressão «de forma alguma é azul», pretende-se dizer que algo não é azul, que não há dúvida de que não é azul, ou seja, pretende-se negar a qualidade azul atribuída seja ao que for.

Para o elucidar, vou focar três assuntos: a questão da contextualização das expressões e das frases, o significado da expressão «de forma nenhuma» e o significado de «de forma alguma».

Primeiro que tudo, é preciso dizer que as frases descontextualizadas não podem ser bem interpretadas. A pragmática ensina-nos que o contexto é determinante. Uma frase (por exemplo: «Vens lindo, meu querido!») pode, num determinado contexto, querer dizer o que os seus termos literalmente significam ou, noutro contexto, pode querer dizer precisamente o contrário. Assim, apresentar a frase «De forma alguma é azul» descontextualizada (de situação ou de texto) significa retirar-lhe elementos essenciais para a sua total compreensão. Por outro lado, esta parece-me uma frase artificial, de realização improvável. Mais natural seria um diálogo como o seguinte:

— Isso é azul?

— Não! De forma alguma!

Passando agora às expressões em causa, não parece haver dúvidas de que a frase «de forma nenhuma é azul» significa que algo não é azul. Mas também esta me parece uma frase artificial. Mais natural seria o diálogo seguinte:

— Isso é azul?

— Não! De forma nenhuma!

Concluindo este segundo assunto, não se questiona que o indefinido nenhum (do latim nec unum = nem um) tenha um valor negativo.

Pergunta:

E desta forma termina o tópico denominado "Chamar com Regência":

(...) «Assim, embora se defenda como preferível a forma "ele chamou-lhe intelectual", não poderá dizer-se que é um erro a construção "chamar de" no sentido de "chamar nomes a alguém", presente na frase "ele foi chamado de intelectual"».

Mas como pode tal?...

Se aceitarmos a construção «ele foi chamado de intelectual», teremos de aceitar também «chamaram-no de intelectual». Se aceitarmos «chamei-o de mentiroso», teremos de aceitar, por exemplo, «chamaste-o», ao invés de «chamaste-lhe»; «chamámo-lo», ao invés de «chamaste-lhe», etc. E, como bem refere M.R.M.R.: «seria, sim, incorrecto dizer “o chamam” ou “chamam-no”. A forma correcta é "lhe chamam"». «Ela chamou sábio ao professor» = «Ela chamou-lhe sábio» Em Portugal, é esta a construção correcta.

Se alguém «o chamou», foi, possivelmente, para obter a sua atenção. Se alguém lhe chamou, foi, provavelmente, um nome qualquer. E são, decididamente, coisas diferentes. O que será que me escapa?

Obrigada.

Resposta:

Não lhe escapa nada, cara consulente. Analisou muito bem a regência do verbo chamar. Acontece que fui eu quem deu as duas respostas, aquela da qual a consulente discorda e a que cita como correcta, pelo que vou tentar, então, esclarecer o meu ponto de vista.

A construção portuguesa correcta é «ele chamou-lhe intelectual, sábio ou mesmo mentiroso». Nesta frase, o verbo chamar pede um complemente directo (intelectual, sábio, mentiroso) e um indirecto (lhe). É esta a construção portuguesa correcta.

No entanto, eu não posso dizer que está errada uma construção que é usada correntemente no Brasil, que é aceite por grandes gramáticos brasileiros e que aparece em textos medievais, como explico na resposta que contesta. Apercebemo-nos de que, no Brasil, ao usar-se o verbo chamar no sentido de «acusar», se adoptou, simultaneamente, a regência deste verbo («acusar alguém de algo»). E, realmente, os exemplos normalmente utilizados contêm essa ideia de acusação, pois os epítetos ou têm carga negativa («chamaram-no de mentiroso») ou são utilizados em sentido negativo («chamaram-no de intelectual»).

Assim, apenas posso dizer que a construção portuguesa correcta é «chamaram-lhe intelectual».