Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Tendo em conta as frases abaixo indicadas, perguntava-vos que diferenças semânticas são transmitidas com o uso do pretérito perfeito do indicativo e do pretérito mais-que-perfeito do indicativo.

a. O pintor pintara um belo quadro.

b. O pintor pintou um belo quadro.

Obrigado.

Resposta:

pretérito perfeito do indicativo é usado para localizar temporalmente uma situação anterior ao momento da enunciação, ao passo que o pretérito mais-que-perfeito simples do indicativo localiza uma situação no passado relativamente a outra situação também passada1.

Na frase «O pintor pintou um belo quadro», a situação descrita já aconteceu e encontra-se concluída no momento presente. Já o pretérito mais-que-perfeito simples é pouco comum na língua falada, surgindo mais na linguagem escrita, e usa-se para descrever situações que ocorrem antes de outras já passadas ou para descrever situações vagamente situadas no passado. Assim, na frase «O pintor pintara um belo quadro» pressupõe-se que a situação descrita foi concluída antes de uma outra (que não é referida na frase, mas pode ocorrer noutras frases do mesmo contexto).

Usualmente, o pretérito mais-que-perfeito simples ocorre em frases em que a situação precedida pela descrita pelo verbo neste tempo é tomada como tempo de referência, podendo ser dada de forma explícita, como acontece em (1), ou implícita, como se verifica em (2).

(1) O João afirmou que a Maria cantara muito bem.

(2) Dias antes, a Rita pedira desculpas.

Em (1) o ato de cantar precede temporalmente a afirmação do João, e em (2) o adjunto temporal «dias antes» aponta para um complemento implícito que alude ao tempo de referência.

Resta ainda assinalar que o pretérito mais-que-perfeito simples é equivalente ao pretérito mais-que-perfeito composto (usado com mais frequência e na linguagem corrente), por isso, em vez de «O pintor pintara um belo quadro» é possível «O pintor tinha pintado um belo quadro», visto que os dois tempos concorrem com o mesmo valor temporal.

 

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Pergunta:

Nos versos d'Os Lusíadas

«Quem valerosas obras exercita
Louvor alheio muito o esperta e incita...»

qual a função sintática da oração substantiva relativa?

Resposta:

Na frase «Quem valerosas obras exercita / Louvor alheio muito o esperta e incita» que, pertence aos versos finais da estância 92 do Canto V da obra Os Lusíadas de Luís Vaz de Camões, a oração relativa «Quem valerosas obras exercita» desempenha a função sintática de complemento direto.

Na frase em análise, os verbos da oração principal são espertar («esperta») e incitar («incita») e têm como sujeito o sintagma nominal «louvor alheio» e complemento direto o pronome clítico acusativo «o». Contudo, o pronome «o» é o referente da oração relativa que, nesta situação específica, assume a posição de tópico marcado da frase, ou seja, é o primeiro elemento da frase. Ora, segundo Inês Duarte na Gramática do Português1, «quando o tópico marcado é retomado por um pronome, encontram-se frases alternativas em que esse tópico ocorre internamente ao comentário com a mesma função sintática desempenhada pelo pronome» (pág. 411). Isto significa, portanto, que a oração relativa «Quem valerosas obras exercita» desempenha a mesma função sintática do seu referente na oração principal, o pronome o. Além disso, é típico nas línguas românicas, como o português, a retoma do tópico marcado envolver um pronome clítico acusativo.  

No fundo, o que o autor pretende dizer nestes dois versos é que o louvor/elogio estimula aqueles que realizam feitos extraordinários.

 

1.Duarte, Inês (2013), Construções de Topicalização. In Raposo et al. (2013).

Pergunta:

A maionese pode deslassar ou deslaçar, ou ambas? Fica frouxa, logo deslassa, ou perde a consistência que já tinha e, portanto, deslaça?

Obrigada. Obrigada também pelo vosso excelente trabalho.

Resposta:

Em primeiro lugar, agradecemos as palavras simpáticas que nos endereçou.

A maionese pode deslassar ou deslaçar, depende do que se pretende expressar.

Tal como o leite, a maionese pode formar grumos e, portanto, deslassa, como é possível verificar no dicionário em linha Infopédia.

Quando se pretende dizer que a maionese se decompôs ou perdeu a sua consistência, pode-se afirmar que a maionese se deslaçou. Segundo o Dicionário Houaiss, deslaçar é sinónimo de desandar e utiliza-se em situações relacionadas com bolos e maionese quando não se obtém «a consistência desejada». Contudo, na linguagem corrente, um verbo usual na descrição deste tipo de situações é talhar.

Ainda segundo o Dicionário Houaiss deslaçar e deslassar estabelecem entre si uma relação de homofonia, isto é, são palavras que se pronunciam da mesma maneira, mas têm significados diferentes. 

Pergunta:

Saudações a todos aqueles que fazem parte desta maravilhosa equipa!

Gostava de saber se há alguma diferença entre variação, variedade e variante. Se sim, qual?

Desde já agradeço!

Resposta:

Desde já, agradecemos as palavras de apreço.

Do ponto de vista da terminologia linguística, os termos variação, variedade e variante estão interligados e descrevem situações relacionadas com a diversidade e mudança da língua.

Segundo o Dicionário Terminológico (DT), variação consiste na «propriedade que as línguas têm de se diferenciarem em função da geografia, da sociedade e do tempo, dando origem a variantes e a variedades linguísticas», ou seja, tal como Helena Mira MateusEsperança Cardeira esclarecem em Norma e Variação1, a variação é um fenómeno presente em todas as línguas e que se traduz pela diversidade do seu uso pelos falantes. Pode manifestar-se como variação diacrónica (no tempo), variação diatópica (geográfica), variação diastrática (na sociedade) e variação diafásica (modalidades de expressão).

No que concerne ao termo variedade, de acordo com o DT, este diz respeito às «diferentes formas que a mesma língua assume ao longo da sua extensão territorial. A estas variedades chama-se também "dialetos regionais" ou, simplesmente, “dialetos”»; isto significa, que variedade se traduz na divisão que se pode aplicar a uma determinada língua e que é definida por um conjunto de marcas linguísticas próprias de uma comunidade restrita.

variante define-se como uma «unidade linguística que constitui alternativa de outra» (Cf. Infopédia

A concordância em Português como Língua Estrangeira
Reflexão sobre a aquisição/aprendizagem das suas regras

«Na minha curta experiência de docente de PLE, tenho encontrado inúmeros problemas relacionados tanto com a concordância nominal como com a concordância verbal. Muitos dos alunos dos níveis iniciais, independentemente da sua língua materna, revelam pouca consciência da concordância...» – reflete Inês Gama, neste apontamento sobre o ensino da concordância em Português como Língua Estrangeira.