Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na passagem «Como um friso – de pessoas, lugares e acontecimentos, quantas vezes maiores que a própria vida –, que poderia muito bem ser cinema se, por acaso um dia, a ele fosse adaptado», agradecia que me precisassem, no caso de ter de transcrever, o antecedente do pronome relativo que presente em «que poderia muito bem ser cinema»: «um friso» ou «friso»?

Antecipadamente grata!

Resposta:

A frase apresentada pela consulente é do artigo de Maria João Pinto, no Diário de Notícias, intitulado «Fernão Lopes, cronista para todos os tempos». Na oração «que poderia muito bem ser cinema» o antecedente do pronome relativo que é o sintagma nominal «um friso».

Na oração mencionada o pronome relativo que desempenha a função sintática de sujeito. Para além de assegurar formalmente a relação de subordinação, o pronome relativo que também retoma dentro da oração o grupo nominal modificado, que, neste caso, corresponde a «um friso».

A oração «que poderia muito bem ser cinema» é uma relativa de nome apositiva e, como tal, segundo Rita Veloso, na Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian)1, o antecedente das orações relativas apositivas é um sintagma nominal completo (neste caso, «um friso»). Este tipo de orações funciona semanticamente como um caraterizador de todo o sintagma nominal precedente, veiculando informação nova sobre ele, mas não contribuindo para o seu valor referencial.

 

1. Veloso, R. (2013), Subordinação relativa. In Raposo et al. (2013). Gramática do Português. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 20610-2136.

Pergunta:

É possível desenvolver um algoritmo – sequência de instruções – que tendo como input um texto em português consiga, como output, indicar se esse texto é em português do Brasil ou de Portugal?

Obrigado

Resposta:

Existem diferenças assinaláveis entre o português europeu (PE) e o português do Brasil (PB) que podem ser facilmente identificáveis por um algoritmo. Todavia, até à data, desconhece-se a existência de um programa específico capaz de fazê-lo.

Os dados de ambas as variedades evidenciam que existem diferenças ao nível da sintaxe, da morfologia, da fonética e fonologia, da semântica e do léxico, que aplicadas a um conjunto de operações e sequências informáticas, poderão permitir desenvolver um algoritmo capaz de distinguir ambas as variedades pelo menos nos seus traços mais gerais e mais marcados. 

Tomando como referência os programas informáticos usados na tradução e disponíveis na internet, por exemplo Google Tradutor, Deepl Translate e o tradutor do Cambridge Dicionary, observa-se que ainda não existe uma distinção marcada entre o PE e o PB. Contudo, no caso de inglês, alguns destes programas já fazem a distinção entre o inglês americano e o inglês britânico, o que indica que já existem algoritmos capazes de distinguir diferentes variedades de uma língua, mas que ainda não foram aplicados ao português.

A classe de palavras de <i>dele</i>
Uma forma com valor possessivo

Apontamento da consultora Inês Gama sobre a classe de palavras do vocábulo dele, divulgado no programa Páginas de Português, da Antena 2.

Pergunta:

Do ponto de vista linguístico, como explicam que uma criança faça o erro seguinte: «Ela me chateou-me!», «Ele me disse-me», «A Ana me bateu-me!»?

Obrigada.

Resposta:

As produções de crianças apresentadas pela consulente são desvios que na literatura especializada são designados por duplicação do clítico (próclise e ênclise em simultâneo).

Nos estudos realizados no âmbito da aquisição de pronomes clíticos em Português Europeu como Língua Materna, registam-se sobretudo problemas relacionados com a próclise (colocação do clítico antes do verbo) em idades precoces. Todavia, se consideramos dados de produção espontânea em idade pré-escolar, como por exemplo os recolhidos em Duarte et al. (1995)1, verifica-se que, na aquisição do português europeu, se podem encontrar diferentes tipos de produções desviantes: i) ênclise (colocação do clítico depois do verbo) em contexto de próclise; ii) próclise em contexto de ênclise; iii) mesóclise (colocação do clítico no interior do verbo) na ausência de futuro e de condicional; iv) duplicação do clítico, caso apresentado pela consulente.

Num estudo de João Costa e Maria Lobo2 sobre aquisição da posição dos clíticos em português europeu, os autores identificaram desvios de duplicação do clítico. Todavia, os contextos em que estes ocorreram são um pouco diferentes daqueles apresentados pela consulente. Nesta investigação foram identificados casos de duplicação do clítico em contextos de próclise (situações de negação e com o advérbio), como por exemplo, «não se escondeu-se» ou «já se levantou-se».

Nas situações apresentadas pela consulente, a duplicação do clítico acontece em contextos de ênclise, o que pode indiciar que a criança não adquiriu ainda as regras de colocação do clítico em português europeu e, por essa razão, sobregeneraliza as regras de uti...

O ensino das preposições em Português como Língua Estrangeira
Porque é o seu ensino é desafiante?

«Muitas vezes, no decurso das aulas, perguntam-me porque é correto dizer «chegar a casa» e não «chegar para casa»? A este propósito, a experiência indica-me que muitos dos problemas relacionados com o uso das preposições em PLE dizem respeito a casos especiais da sua aplicação».

Artigo da professora Inês Gama sobre o ensino das preposições em Português como Língua Estrangeira (PLE).