Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Tenho ouvido e lido «a envolvência da população...» (em determinado evento, celebração, acontecimento).

Deve dizer-se assim ou será mais correto «o envolvimento da população em»?

Agradeço a disponibilidade.

Resposta:

De facto, no sentido de «participação ativa em determinado projeto» (como dá conta a edição em linha do Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa), o mais correto é o uso do nome masculino envolvimento. Por exemplo, a frase «Foi notório o envolvimento da população no ato eleitoral» pode ser entendida como ter sido evidente a participação da população nas eleições.

As palavras envolvência e envolvimento têm ambas origem no verbo envolver, que significa, de acordo com o dicionário Priberam, «incluir, meter, comprometer, implicar, rodear». De acordo com este dicionário e com o dicionário Houaiss, envolvência é uma palavra com um significado relacionado com «aquilo que envolve ou está em volta», tendo como sinónimo o adjetivo envolvente. Já o nome envolvimento significa, segundo estes dois dicionários, «ato ou efeito de envolver». Portanto, de acordo com estas duas obras, estas palavras partilham origem no mesmo verbo, mas não podem ser utilizadas com o mesmo sentido.

No entanto, o dicionário em linha Infopédia dá conta que tanto envolvência como envolvimento podem ser u...

Semântica: uma estrela invulgar no espaço político
A relevância do significado numa comunicação eficaz

«Preocupar-se com o uso acertado das palavras é também ter cuidado com o sentido que veiculam, uma vez que este constitui uma parte importante de qualquer ato comunicativo. (...) Em circunstâncias relativas às relações de diferentes estados que muitas vezes estão em conflito, defende-se um cuidado nas palavras usadas, uma vez que a interpretação errada de um termo é o suficiente para agravar a situação.» 

Texto da consultora do Ciberdúvidas Inês Gama a propósito das declarações do secretário-geral das Nações UnidasAntónio Guterres, no passado dia 24 de outubro.

Pergunta:

Qual a forma correta?

«Ele subiu dois lanços de escadas.»

ou

«Ele subiu dois lanços de escada.»

ou

«Ele subiu dois lanços das escadas.»

Resposta:

As três frases apresentadas pela consulente estão corretas e são aceites em português.

Entre as frases «Ele subiu dois lanços de escadas» e «Ele subiu dois lanços de escada» a diferença prende-se com o uso da palavra escada: na primeira frase esta surge no singular e na segunda no plural. A utilização do termo escada com a aceção «conjunto de degraus» é muitas vezes feita de modo indistinto no singular e plural, sendo que a sua ocorrência no singular e no plural nem sempre é previsível.

A maioria dos dicionários de língua portuguesa não reconhece este uso indistinto, preferindo a utilização da palavra singular em situações em que se refere apenas a um único grupo de degraus, sendo a palavra plural relegada para os contextos em que se refere a vários grupos. Contudo, o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa inclui, na sua versão em linha, a expressão «lanço de escadas», dando, portanto, conta da utilização desta palavra no plural como referência a um único conjunto de degraus. Já o dicionário Infopédia apenas aceita expressões como «lanço de escada», apresentado como exemplo a frase: «Subiu a correr os sete lanços de escada». Isto indica que, se, por um lado, se pretende referir que os lanços pertencem a uma única escada, então, dever-se-á usar «dois lanços de escada»; se, por outro lado, se quer mencionar dois lanços que pertencem a mais do que uma escada, então, poder-se-á usar «dois lanços de escadas».

Todavia, uma pesquisa no corpus do Português de Mark Davies, na secção da atualidade, indica que se verifica uma tendência nos usos para a utilização da expre...

«Aquele livro, o António qué-lo» ou «Aquele livro, o António quere-o»?
As formas dos pronomes clíticos com o verbo querer

Apontamento da consultora Inês Gama sobre as formas dos pronomes clíticos acusativos com o verbo querer, incluído no programa Páginas de Português, na Antena 2, no dia 29 de outubro de 2023.

Pergunta:

Qual é a diferença da estrutura de superfície e estrutura profunda nas orações adjetivas? Podem dar exemplos?

Obrigado

Resposta:

Segundo o modelo generativista, todas as frases possuem, no mínimo, duas estruturas: a estrutura profunda e a estrutura superficial. A estrutura profunda das frases corresponde à componente semântica, isto é, a toda a informação relativa ao significado. Já a estrutura superficial consiste nas componentes fonológicas e sintáticas.

No caso das orações subordinadas adjetivas, poder-se-á considerar que a sua estrutura profunda está relacionada com a informação veiculada por estas e que tem a função de identificar a parte ou a entidade precisa denotada pelo antecedente, isto é, atribuir-lhe um valor semântico de especificidade1.

Já a estrutura superficial destas construções relaciona-se com a função sintática desempenhada. Por exemplo, na frase (1), a estrutura profunda da oração subordinada adjetiva (segmento sublinhado) define as propriedades que permitem identificar o subconjunto a que o antecedente pertence, ou seja, de todas as crianças do mundo a frase refere-se apenas àquelas que brincam, ao passo que a estrutura superficial consiste na função sintática de modificador restritivo do nome que é desempenhada pela oração.

(1)    As crianças que brincam são mais felizes.

Veja-se ainda o exemplo da frase (2). Nesta frase, a estrutura profunda da oração adjetiva (segmento entre vírgulas) contribui com informação adicional sobre o antecedente, ou seja, completa a frase com informação sobre o lugar de onde vem o aluno, já a estrutura superficial traduz-se na função sintática de modificador apositivo do nome e que é desempenhada pela oração subordinada adjetiva da frase.

(2)    O aluno, que veio de Coimbra, teve a melhor nota da escola.

 

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