Apontamento da consultora Inês Gama sobre a classe de palavras do vocábulo dele, divulgado no programa Páginas de Português, da Antena 2.
Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.
Apontamento da consultora Inês Gama sobre a classe de palavras do vocábulo dele, divulgado no programa Páginas de Português, da Antena 2.
Do ponto de vista linguístico, como explicam que uma criança faça o erro seguinte: «Ela me chateou-me!», «Ele me disse-me», «A Ana me bateu-me!»?
Obrigada.
As produções de crianças apresentadas pela consulente são desvios que na literatura especializada são designados por duplicação do clítico (próclise e ênclise em simultâneo).
Nos estudos realizados no âmbito da aquisição de pronomes clíticos em Português Europeu como Língua Materna, registam-se sobretudo problemas relacionados com a próclise (colocação do clítico antes do verbo) em idades precoces. Todavia, se consideramos dados de produção espontânea em idade pré-escolar, como por exemplo os recolhidos em Duarte et al. (1995)1, verifica-se que, na aquisição do português europeu, se podem encontrar diferentes tipos de produções desviantes: i) ênclise (colocação do clítico depois do verbo) em contexto de próclise; ii) próclise em contexto de ênclise; iii) mesóclise (colocação do clítico no interior do verbo) na ausência de futuro e de condicional; iv) duplicação do clítico, caso apresentado pela consulente.
Num estudo de João Costa e Maria Lobo2 sobre aquisição da posição dos clíticos em português europeu, os autores identificaram desvios de duplicação do clítico. Todavia, os contextos em que estes ocorreram são um pouco diferentes daqueles apresentados pela consulente. Nesta investigação foram identificados casos de duplicação do clítico em contextos de próclise (situações de negação e com o advérbio já), como por exemplo, «não se escondeu-se» ou «já se levantou-se».
Nas situações apresentadas pela consulente, a duplicação do clítico acontece em contextos de ênclise, o que pode indiciar que a criança não adquiriu ainda as regras de colocação do clítico em português europeu e, por essa razão, sobregeneraliza as regras de uti...
«Muitas vezes, no decurso das aulas, perguntam-me porque é correto dizer «chegar a casa» e não «chegar para casa»? A este propósito, a experiência indica-me que muitos dos problemas relacionados com o uso das preposições em PLE dizem respeito a casos especiais da sua aplicação».
Artigo da professora Inês Gama sobre o ensino das preposições em Português como Língua Estrangeira (PLE).
Atualmente, venho verificando que, possivelmente pela influência do inglês, se usa muito a 2.ª pessoa do singular em situações em que se devia usar a 1.ª pessoa do plural, por exemplo:
«Ao longo da vida, és muito condicionado pela tua família...», em vez de «Ao longo da vida, somos muito condicionados pela nossa família...»
Será correta esta utilização da 2.ª pessoa?
Obrigada.
Sim, na situação indicada pela consulente é correta a utilização da 2.ª pessoa do singular.
De acordo com Eduardo Paiva Raposo na Gramática do Português (página 908), os pronomes pessoais de segunda pessoa do singular, como é o caso de tu (incluindo a versão nula), «podem receber uma leitura semelhante a uma interpretação genérica, na qual o ouvinte da frase é implicitamente incluído num grupo que representa as pessoas em geral». Por seu lado, o pronome da 1ª pessoa do plural, nós, não refere uma pluralidade de falantes, mas sim um grupo que inclui o falante e outras pessoas; ou seja, nós corresponde ou a ‘eu + tu/você(s)’ ou a ‘eu + ele(s)’.
Deste modo, analisando as situações exemplificadas pela consulente, conclui-se que ambas as frases estão corretas, mas transmitem informações diferentes. Enquanto em «Ao longo da vida, és muito condicionado pela tua família…» pode-se inferir uma interpretação genérica ou que se dirige a apenas um interlocutor (mesmo que simulado), em «Ao longo da vida, somos muito condicionados pela nossa família…», o uso da 1.ª pessoa do plural interpreta-se como referência a um grupo específico, mas que pode ser alargado (por exemplo: nós, os portugueses).
«Há uns tempos, deparei-me com a expressão «você chove», que me levou a refletir sobre a forma como os verbos impessoais são abordados nas aulas de PLE. Afinal, tinha um aluno na sala que assumia o pronome você como sendo expletivo e que verbos impessoais (como chover) têm sujeito gramatical.»
Artigo da professora portuguesa Inês Gama sobre o ensino de pronomes pessoais e dos verbos impessoais em português como língua estrangeira (PLE).
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