Inês Gama - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Inês Gama
Inês Gama
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Licenciada em Português com Menor em Línguas Modernas – Inglês pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e mestre em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda (PLELS) pela mesma instituição. Fez um estágio em ensino de português como língua estrangeira na Universidade Jaguelónica em Cracóvia (Polónia). Exerce funções de apoio à edição/revisão do Ciberdúvidas e à reorganização do seu acervo.

 
Textos publicados pela autora
Os alunos estrangeiros nas escolas portuguesas
O impacto da língua materna na aprendizagem do português

«Para que um professor de PLNM consiga assegurar um ensino de qualidade e no qual proporcione um acompanhamento que permita esclarecer muitas das dúvidas dos seus alunos é necessário que, para além da atenção prestada aos modelos e materiais didáticas, se procure também conhecer um pouco o grupo de estudantes, nomeadamente, as suas culturas e línguas» – afirma a consultora Inês Gama que, no seguimento do tema do ensino do português como língua não materna, reflete neste apontamento sobre o impacto da língua materna dos alunos na aprendizagem do português, dando como exemplo o nepali.

Pergunta:

Percebi que a tal da linguagem neutra está pegando de vez no Brasil, na Argentina e no Chile... mas quem inventou de colocar a linguagem inclusiva em português e em espanhol?

A linguagem em questão não é acessível a cegos, surdos, mudos, analfabetos e autistas, fora que será preciso que todas as enciclopédias, dicionários e gramáticas se reescrevam se for para se levar a sério realmente essa nova linguagem!

Pois muito bem, qual a opinião de vocês desse assunto todo aí de verdade?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

Alguns investigadores, como a socióloga Mara Pieri, defendem que desde o século XIX a complexa relação entre sociedade e a linguagem tem sido foco de discussão e reflexão. Entendendo-se a língua como um sistema criado por pessoas e que reflete o modo como estas se organizam, a reivindicação pela utilização de uma linguagem que pretenda incluir minorias e grupos marginalizados é, no fundo, um reflexo do modo como as sociedades pensam e se organizam. Nos dias de hoje, a defesa do uso de linguagem inclusiva está, sobretudo, alinhada com as teorias que refletem sobre o papel sexual e de género.

Relativamente às questões de género e linguagem, estas começaram a ganhar mais amplitude na década de sessenta do século XX com a segunda vaga do feminismo nos Estados Unidos da América, sendo que este tema rapidamente começou a ser discutido em alguns dos círculos mais proeminentes da linguística. Exemplo disto é a publicação da obra Language and Woman’s Place de Robin Lakoff, aluna do reputado linguista Noam Chomsky. Neste texto, a autora denuncia conotações, expressões e construções linguísticas que dão conta da natureza sexista das sociedades. Neste sentido, na dissertação de mestrado «Poderá uma Língua Natural ser Sexista?» (2020), o investigador João de Matos (Universidade Nova de Lisboa) defende que ...

O português como língua não materna nas escolas
Os desafios da disciplina de PLNM

«Muitos dos alunos que frequentam [a disciplina de Português como Língua Não Materna] e dos professores que a lecionam deparam-se com desafios variados de difícil resolução.» Neste apontamento, a consultora Inês Gama reflete sobre a disciplina de Português Língua Não Materna (PLNM), oferta do currículo escolar português.

Pergunta:

«A casa branca e cinzenta é nova, pertence à mãe da Cátia.»

Aqui o da que função desempenha? Como se pode classificar?

Resposta:

Na frase apresentada pela consulente, da consiste na contração da preposição de com o artigo definido a.

Nesta frase, o da introduz o sintagma preposicional «da Cátia» e desempenha, em conjunto com este sintagma, a função sintática de complemento do nome, na medida em que é selecionado pelo nome mãe. Os complementos do nome são constituintes importantes para que a realidade sobre a qual se tenciona falar seja representada de forma evidente, como se assinala nesta resposta da consultora Carla Marques.

Na frase já mencionada, ao utilizar-se o nome mãe, percebe-se que este necessita de um complemento para referir toda a realidade, uma vez que mãe é sempre de alguém. Todavia, é possível utilizar estes nomes que pedem complemento de modo isolado, levando a frase a ficar com um sentido mais genérico, como se observa em (1).

(1)    A casa branca e cinzenta é nova, pertence à mãe.

Para além disto, os nomes de parentesco, como é o caso de mãe, pedem por norma complemento.

Pergunta:

Como se deve dizer?

«O envolvimento das pessoas na política torna-as cidadãs»?

Ou «O envolvimento das pessoas na política torna-as cidadãos»?

Muito obrigado!

Resposta:

A frase mais aceite é «O envolvimento das pessoas na política torna-as cidadãs».

A primeira frase apresentada pelo consulente é a única que pode ser aceite caso cidadão seja categorizado como adjetivo, uma vez que este elemento desempenha a função sintática de predicativo do complemento direto (PCD) e concorda em género e número com o constituinte que predica.

Na frase apresentada, o pronome clítico acusativo as desempenha a função sintática de complemento direto (CD) que, neste caso, é completado por um PCD. O CD juntamente com o seu predicativo forma uma predicação complexa, o que exige que o PCD concorde em género e número com o CD, como se verifica em (1).

(1)    A Joana encontrou o quarto desarrumado.

Na frase (1), o nome quarto desempenha a função sintática de CD e o adjetivo desarrumado a de PCD, concordando este último em género e número com o CD, sendo que, por esta razão, o PCD encontra-se no masculino singular tal como o nome quarto. No entanto, se ao invés do nome quarto, o CD fosse preenchido pelo nome feminino plural salas, o adjetivo desarrumado assumiria a sua forma feminina plural de modo a concordar em género e número com o CD, como se pode observar em (2).

(2)    A Joana encontrou as salas desarrumadas.

Portanto, se na frase «O envolvimento das pessoas na política torna-as cidadãs» o CD é preenchido por um elemento feminino plural e o PCD é preenchido por um adjetivo, então, este último constituinte terá de estar também no feminino plural, ou seja, terá de ser a forma feminina plural cidadãs.

Todavia, caso cidadão seja categorizado como nome, é preciso ter em atenção que em estruturas predicativas cujo predicador é um nome não existe concordância, uma vez que neste tipo de estruturas a concord...