Helena Ventura - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Helena Ventura
Helena Ventura
9K

Licenciada em Filologia Germânica, pós-graduação em Linguística. Autora, entre outras obras, do Guia Prático de Verbos com Preposições.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual a diferença entre tirar e retirar? Como são classificadas estas palavras na língua portuguesa?

Resposta:

Ambos os verbos têm muitos significados, sobretudo o verbo tirar, dependendo do contexto em que são utilizados.
a) Nalguns contextos, um pode ser substituído pelo outro. Vejamos alguns, de entre tantos, exemplos:

«Todos os meses tirava/retirava algum dinheiro do ordenado, para dar ao filho.»
«Tirei/retirei o espinho do pé com uma agulha.»
«Conseguiram tirar/retirar as crianças do quarto, antes que o fogo alastrasse.»
«O polícia obrigou-o a tirar/retirar o carro da passadeira dos peões.»
«Tirei/retirei a citação de um texto da Bíblia», etc.
 
b) Contudo, noutros contextos, os significados podem divergir, não podendo, pois, haver substituição de um pelo outro.
Exs. de tirar:
«Os bois tiravam (= puxavam) o carro.»
«Tiraste tão pouca comida!» (= «Serviste-te de tão pouco!»)
«Tirou (= conseguiu) uma boa classificação no exame.»
«Tirava (= atirava) pedras aos pássaros.»
«Tirei (= obtive) as minhas conclusões do discurso», etc.

Nota: tirar pode ser verbo de sentido pleno nas seguintes expressões:
«Tirar uma cópia» = copiar; «Tirar uma fotografia» = fotografar; «Tirar proveito» = aproveitar; «Tirar uma soneca» = sonecar.

Vejamos exemplos do uso exclusivo de retirar:

«O chefe retirou-lhe a confiança» (= deixou de lhe manifestar apoio).
«Retirou a oferta que tinha feito» (= fez ficar sem efeito o que foi dito ou prometido antes).
«Retire imediatamente o que disse!» (= desdiga o que acabou de afirmar!), etc.
 
Teríamos uma extensiva lista de exemplos da utilização de ambos os verbos nos seus mais variados contextos, o que exigiria uma resposta demasiado longa. Esperamos que, com estes exemplos, possa ficar mais esclarecida acerca da utili...

Pergunta:

No jornal Destak de 17/06/2008, encontrei na página 7, no preâmbulo de «Portugal com papel na solução da crise», a frase «Europa abalou com o Não da Irlanda ao Tratado».

O uso do verbo abalar, neste contexto, é incorrecto, não é? Suponho que abalar, aqui, tem a função de verbo intransitivo e, portanto, significa «sair» ou «retirar-se». Não se deveria reformular a frase como «Europa abalada pelo Não da Irlanda» ou «Europa abalou-se com o não da Irlanda»?

Continuem o excelente trabalho!

Resposta:

Considerando alguns dos possíveis significados do verbo abalar

— «fazer tremer, pondo em risco a solidez e a estabilidade de alguma coisa», «tremer devido à acção ou impulso de alguma coisa», «debilitar/enfraquecer», «impressionar-se/perturbar-se» e «retirar-se» —, podemos aceitar a frase «Europa abalou com o Não da Irlanda ao Tratado» como correcta.

É verdade que abalar é muitas vezes usado como verbo transitivo («alguém/alguma coisa abalar alguém/alguma coisa»); por isso, se diz, na voz activa, «O Não da Irlanda ao Tratado abalou a Europa» e, na voz passiva, «A Europa foi abalada pelo Não da Irlanda ao Tratado» ou, na versão elíptica dum título jornalístico, «Europa abalada pelo Não da Irlanda».

No entanto, o verbo abalar ocorre também como intransitivo, em duas acepções: «tremer» e «retirar-se» (cf. Dicionário Houaiss e dicionário da Academia das Ciências de Lisboa); daí aceitar-se «Europa abalou...» no sentido de «Europa tremeu...».

É ainda possível usar este verbo pronominalmente, «Europa abalou-se com o Não da Europa».

Do ponto de vista expressivo, para maior impacte junto do público-leitor, a frase «Europa abalou com o Não da Irlanda ao Tratado» permite evidenciar o elemento «Europa», fazendo deste elemento o sujeito da frase. Na realidade, «a Europa» é o paciente da acção, pois «abala-se algo ou alguém». Talvez fosse mais claro dizer «o Não da Irlanda abalou a Europa», mas, em linguagem jornalística, não teria o mesmo impacte.

É de admitir, porém, que o uso de abalar como intransitivo e sinónimo de tremer ou abanar não seja frequente, pelo menos na actualidade. Uma rápida consulta de formas da con...

Pergunta:

Consultei este site para encontrar resposta a uma questão que não via respondida em gramáticas nem prontuários.

«Tornar-se em» é algo que lemos frequentemente nos jornais e que soa claramente mal.

A resposta que encontro no Ciberdúvidas aponta como justificação para a correcção da expressão «tornar-se em» o facto de Camões, há 500 anos (e com a liberdade que a poesia, mesmo no seu tempo, lhe conferia), ter escrito, n´Os Lusíadas:

«Que afagos tão suaves, que ira tão honesta,
Que em risinhos alegres se tornam!» (IX, 83).

Gostava de obter uma explicação, se tal for possível, sobre a correcção ou incorrecção da expressão «tornar-se em».

É que sempre pensei que «alguém se transformava num», mas que se «tornava um».

Obrigada.

Resposta:

Embora no Dicionário Estrutural Estilístico e Sintáctico da Língua Portuguesa se considere o verbo tornar-se em («puseram o vinho no congelador e ele tornou-se em gelo»), a mesma situação não é considerada no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências.

O facto de essa construção surgir em Camões pode considerar-se uma liberdade poética, à semelhança de outras liberdades tomadas por tantos outros poetas e romancistas.

Exemplos: «penso-te...»; «lembro a tarde em que cheguei...»; «esqueci o ramo de flores...»

Tem razão, pois ao verbo tornar, conjugado reflexamente, não se segue preposição; ex.: «tornou-se perigoso»; «tornou-se gente» (= «chegou à idade adulta»).

Pergunta:

Tenho sempre dúvidas quanto à regência de certos verbos e qual a situação em que é exigida a preposição ou artigo a, passando a utilizar o lhe ou o/os.

Ex.: 1) «Peço-lhe o favor de me explicar.»

Seria correto afirmar que eu peço alguma coisa (sem preposição, portanto objeto direto) a alguém (com preposição, portanto objeto indireto)?

2) «Venho consultá-lo a respeito desse assunto.»

Seria correto afirmar que eu consulto alguém (sem preposição) a respeito (ou sobre, com preposição) alguma coisa ou assunto?

3) «Tenho lhe enviado várias cartas.»

Sendo correto afirmar que eu enviei a alguém (com preposição) alguma coisa (várias cartas, sem preposição).

Por ser um assunto recorrente, mas que quase sempre resta dúvida, se houver outra forma prática para se descobrir a regência, conforme acima exemplificado, gostarei que me expliquem com situações concretas.

Grato!

Resposta:

1. Pedir implica sempre «pedir alguma coisa a alguém»; Ex.: «Eu peço um favor ao meu amigo.»

Quando os nomes são substituídos pelo pronome pessoal, então a formulação da frase deve ser:

a) peço-o ao meu amigo.
b) peço-lhe um favor
c) peço-lho*

 

2. Consultar alguém sobre (ou a respeito de, ou acerca de) algo.

Ex.: «Eu consulto o meu amigo sobre as regras gramaticais.»

Ou: «Eu consulto-o sobre...»

3. Enviar alguma coisa a alguém.

Ex.: «Eu enviei a carta ao meu amigo.»

Nota: Repete-se a situação, como no exemplo em 1:

a) enviei-a ao meu amigo
b) enviei-lhe a carta
c) enviei-lha*

 

* contracção de pronomes pouco usada no Brasil; cf. Maria Helena Moura Neves, Guia de Usos do Português, São Paulo, Editora Unesp)

Pergunta:

Gostaria de saber se as seguintes expressões estão correctas: «protestar por melhores condições», «protestar contra a fome», «protestar com o ministro».

Muito obrigado.

Resposta:

«Protestar por» significa «exigir em voz alta alguma coisa, clamar por algo».

A expressão «protestar por melhores condições» está correcta.

A frase seguinte também está correcta, visto que «protestar contra» significa «insurgir-se contra uma situação».

E, finalmente, também se pode protestar com alguém, geralmente, para manifestar o desagrado perante uma situação.

Todas as frases estão correctas.