Fernando Pestana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Fernando Pestana
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Fernando Pestana é um gramático e professor de Língua Portuguesa formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua há duas décadas no ensino de gramática voltado para concursos públicos e, atualmente, em um curso de formação para professores de Português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Deve-se colocar vírgula em frases como «Ei-los, colocam tudo na coberta» ou «Ei-lo, solve o congresso»?

Achava que era sem vírgula, mas encontrei essas duas frases com vírgula.

Resposta:

A vírgula ajuda a marcar uma pausa enfática, como se a expressão «Ei-lo(s)» fosse dita de forma altissonante, para depois se anunciar a continuidade da situação, isto é, o sinal de pontuação reforça o destaque ao evento consequente. Essa construção dinâmica é típica dos textos épicos, como a Odisseia, de Homero.

Assim como a frase enfática «Ei-los, colocam tudo na coberta» equivale à frase não enfática «Eis os rapazes, que colocam tudo na coberta», o mesmo se dá entre «Ei-lo, solve o congresso» e «Eis o seguinte: solve o congresso».

Sempre às ordens!

Pergunta:

Hipoteticamente, uma pessoa oferece uma quantia indeterminada para outra. Esta, querendo duzentos reais, deve dizer «Poderiam ser duzentos reais?

Ou «poderia ser duzentos reais»?

Obrigado.

Resposta:

Dentro do contexto frasal, há um sujeito implícito que retoma a ideia presente na interação comunicativa: «(Essa quantia ou Isso) poderia(m) ser duzentos reais.»

Em casos assim, formados por um sujeito nominal ou pronominal no singular e um predicativo nominal no plural, a regra especial de concordância do verbo ser prevê dupla possibilidade: a flexão do verbo com o predicativo do sujeito no plural (mais comum) ou a concordância com o sujeito, no singular (menos comum).

Portanto, ainda que a primeira frase a seguir seja a mais frequente, ambas estão gramaticalmente corretas: «Poderiam ser duzentos reais» ou «Poderia ser duzentos reais», pois equivalem a «Essa quantia/Isso poderiam ser duzentos reais» e «Essa quantia/Isso poderia ser duzentos reais», respectivamente.

Detalhe: na flexão, é sempre o verbo auxiliar (poder) da locução verbal formada que varia, e não o principal (ser).

Sempre às ordens!

Pretérito mais-que-perfeito... Morreu?
O uso do pretérito mais-que-perfeito simples no português brasileiro falado

 «Podemos continuar afirmando que NUNCA se usa o pretérito mais-que-perfeito simples na modalidade falada do português brasileiro, ou seria mais prudente afirmar que RARAMENTE se usa tal conjugação verbal?» – é a interrogação que lança o gramático brasileiro Fernando Pestana no contexto da discussão da relação norma-uso na dinâmica do português do Brasil.  Artigo de opinião incluído no mural Língua e Tradição (Facebook, 09/03/2025).

 

Pergunta:

Gostaria de saber qual é a explicação morfossintática das estruturas (entre as aspas) nas seguintes frases:

«É de lembrar que» os alunos devem trazer o material escolar...

«Importa dizer que» os alunos tiveram a coragem de manifestar-se...

«Importante dizer que» os alunos tiveram a coragem de manifestar-se...

«É necessário realçar que» os alunos devem informar aos pais sobre o que aconteceu.

«Convém referir que» a polícia continua a investigar o caso.

«Faz-se mister que» o pedido seja logo atendido.

Desde já, muito obrigado!

Resposta:

Eis a análise sintática* solicitada.

1. «É de lembrar que» os alunos devem trazer o material escolar...

O verbo ser é um verbo de ligação e constitui a oração principal. A estrutura «de lembrar» é um predicativo do sujeito – segundo Evanildo Bechara, o verbo no infinitivo dentro dessa estrutura gramatical (entre aspas) não constitui oração. O que é uma conjunção integrante: introduz uma oração subordinada substantiva subjetiva («que os alunos devem trazer o material escolar»).

2. «Importa dizer que» os alunos tiveram a coragem de manifestar-se...

O verbo importar (intransitivo) constitui a oração principal da oração subordinada substantiva subjetiva reduzida de infinitivo «dizer que os alunos tiveram a coragem de manifestar-se». O que é uma conjunção integrante: introduz uma oração subordinada substantiva objetiva direta («que os alunos tiveram a coragem de manifestar-se»), cuja oração principal é dizer.

3. «Importante dizer que» os alunos tiveram a coragem de manifestar-se...

O adjetivo importante é um predicativo do sujeito – o verbo de ligação, que constitui a oração principal, está implícito antes dele («É importante dizer que...»). O segmento «dizer que os alunos tiveram a coragem de manifestar-se» é uma oração subordinada substantiva subjetiva reduzida de infinitivo da oração principal «É importante». O que é uma conjunção integrante: introduz uma oração subordinada substantiva objetiva direta («que os alunos tiveram a coragem de manifestar-se»), cuja oração principal é dizer.

4. «É necessário realçar que» os alunos devem informar aos pais sobre o que aconteceu.

O verbo ser é um verbo de ligação e constitui a oração principal. O adjetivo necessário é...

Pergunta:

É obrigatório ou facultativo o uso de se em construção como: «fácil de (se) fazer»?

Mais precisamente, pergunto se não é obrigatório o uso de se na frase

«Tomado pela preocupação com a doença, sua vida não seria apenas impossível, mas sobretudo indigna de viver.»

Se for possível, peço referencias bibliográficas para a fundamentação da resposta.

De antemão, muito obrigado.

Resposta:

Estruturas gramaticais como «bom de se comer», «fácil de se fazer», «difícil de se conseguir» e afins, em que o infinitivo já tem sentido passivo, não são abonadas pelos gramáticos normativos tradicionais que tocam no assunto. Para a sua correção, basta que se suprima o se: «bom de comer», «fácil de fazer», «difícil de conseguir», etc.

Quanto às referências bibliográficas, sugerimos consulta ao Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa, de Domingos P. Cegalla; ao 1001 Dúvidas de Português, de José de Nicola e Ernani Terra; ao Manual de Redação Jurídica, de José Maria da Costa.

Sempre às ordens!

* Por ser brasileiro o consulente, a resposta se baseou nas lições da gramaticografia tradicional brasileira.

 

N. E. – No português europeu, não parece haver registo de censura normativa sobre o uso do pronome se na construção de infinitivo passivo. Ver