Fernando Pestana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Fernando Pestana
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Fernando Pestana é um gramático e professor de Língua Portuguesa formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestre em Linguística pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Atua há duas décadas no ensino de gramática voltado para concursos públicos e, atualmente, em um curso de formação para professores de Português.

 
Textos publicados pelo autor
«Ter de» x «ter que»
Comparação do uso europeu com o uso brasileiro

«O fato de "ter de" + infinitivo talvez ser, no português brasileiro, mais usado em registro formal não torna a construção "ter que" + infinitivo errada ou fora da norma culta» – afirma o gramático Fernando Pestana neste apontamento dedicado ao uso de "ter de" e "ter que" com valor de obrigação. Texto publicado em 1 de fevereiro de 2025 no mural deste autor no Facebook e aqui transcrito com a devida vénia.

Pergunta:

Na frase «A sentença proferida pelo juiz relativa à ação de divórcio foi anulada», deveria haver vírgulas isolando o sintagma «relativa à ação de divórcio»?

Como se classifica «relativa à ação de divórcio» sintaticamente?

Sei que «à ação de divórcio» é um complemento nominal do adjetivo relativa, mas e o sintagma inteiro? Trata-se de um adjunto adnominal?

Pergunto isso porque me parece que há uma mudança de sentido causada pela presença das vírgulas, da seguinte maneira:

«A sentença proferida pelo juiz, relativa à ação de divórcio, foi anulada.» = «A sentença proferida pelo juiz, [que é] relativa à ação de divórcio, foi anulada.» = Fala-se de apenas uma sentença específica, e o sintagma «relativa à ação de divórcio» explica essa sentença.

«A sentença proferida pelo juiz relativa à ação de divórcio foi anulada.» = «A sentença proferida pelo juiz [que é] relativa à ação de divórcio foi anulada.» = Há diferentes sentenças, e a que foi anulada é a relativa à ação de divórcio. O sintagma tem sentido restritivo.

Não se se isso procede, mas, caso sim, como «relativa à ação de divórcio» poderia estar entre vírgulas se se trata de um adjunto?

Agradeço desde já.

Resposta:

Por razões didáticas*, preferiu-se nesta consulta reproduzir, novamente, todo o texto da questão trazida pelo consulente, para que ficasse clara a resposta a cada indagação.

Prezado(a) professor(a), na frase «A sentença proferida pelo juiz relativa à ação de divórcio foi anulada», deveria haver vírgulas isolando o sintagma «relativa à ação de divórcio»?

Resposta: essa frase tem dois adjuntos adnominais, que estão justapostos: «proferida pelo juiz» e «relativa à ação de divórcio». Visto que o adjunto adnominal tem valor naturalmente restritivo, nada exigiria a presença de vírgulas separando tais adjuntos adnominais – exceto por alguma intenção estilística.

Como se classifica «relativa à ação de divórcio» sintaticamente? Sei que «à ação de divórcio» é um complemento nominal do adjetivo relativa, mas e o sintagma inteiro? Trata-se de um adjunto adnominal?

Resposta: como visto na resposta anterior, o sintagma inteiro («relativa à ação de divórcio») funciona como adjunto adnominal do nome sentença.

Pergunto isso porque me parece que há uma mudança de sentido causada pela presença das vírgulas, da seguinte maneira: «A sentença proferida pelo juiz, relativa à ação de divórcio, foi anulada.» = «A sentença proferida pelo juiz, [que é] relativa à ação de divórcio, foi anulada.» = Fala-se de apenas uma sentença específica, e o sintagma «relativa à ação de divórcio» explica essa sentença.

«A sentença proferida pelo juiz relativa à ação de divórcio foi anulada.» = «A sentença proferida pelo juiz [que é] relativa à ação de divórcio foi anulada.» = Há diferentes sentenças, e a que foi anulada é a relativa à ação de divórcio. O sintagma tem sentido restritivo.

Resposta: se estivesse intercalado por vírgulas, o sentido dado ao adjunto adnominal «relativa à ação...

Pergunta:

Apesar de direta que é sua transitividade, ouvir ocorre amiúde em locuções como «ouvir a todos».

Gostava de saber se existe norma a legitimar tal uso.

Obrigado.

Resposta:

Existem mais de 10 casos de objeto direto preposicionado*, que é nada mais, nada menos do que um complemento de verbo transitivo direto introduzido por uma preposição não exigida pelo verbo – o emprego de preposição está relacionado à ênfase, à clareza ou à norma culta da língua.

Exemplos:

1. O dinheiro atrai a homens e a mulheres. (ênfase: a preposição é expletiva, pois realça o complemento verbal)

2. Ao homem venceu a mulher. (clareza: visa-se à identificação do sujeito, desfazendo-se a ambiguidade)

3. Não entendo nem a ele nem a ti. (norma culta: por via de regra, não se usa pronome reto na posição de objeto direto, pelo que se usa um pronome oblíquo tônico em substituição, o qual, por sua vezes, é obrigatoriamente preposicionado)

Há também outro caso bastante interessante: o objeto direto é constituído por expressões idiomáticas enfáticas (as preposições aqui são chamadas de posvérbios, termo cunhado por Antenor Nascentes para indicar que tais preposições não mudam a transitividade do verbo, mas atribuem um matiz de sentido ao contexto, tornando a frase mais expressiva): «fazer com que ele estude», «puxar da faca», «arrancar da espada», «sacar do revólver», «pedir por socorro», «pegar pelo braço», «cumprir com o dever»; «beber

Pergunta:

Qual é o grau aumentativo da palavra comedor?

Resposta:

Segundo o dicionário Infopédia (Porto Editora), o grau aumentativo sintético de "comedor" é comedorzão.
 
Sempre às ordens!

Pergunta:

No trecho:

«O conselheiro desfrutou essa vantagem, de maneira que, se no outro mundo lhe levassem à coluna dos pecados todos os que lhe atribuíam na terra, receberia dobrado castigo do que mereceu.» [Helena, Machado de Assis]

Qual a função sintática do primeiro lhe na oração condicional?

«À coluna dos pecados» seria o objeto indireto e o «todos os que lhe atribuíam na terra» o objeto direto?

Dando o sentido de «se levassem todos os pecados que lhe atribuíam na terra à coluna dos pecados no outro mundo»?

Desde já, agradeço.

Resposta:

O verbo levar é transitivo direto e indireto*. O sujeito desse verbo é, contextualmente, indeterminado. O seu objeto direto é «todos os (pecados) que lhe (ao conselheiro) atribuíam na terra». O seu objeto indireto é «à coluna dos pecados».

Assim, segundo a compreensão do que se delineia na gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra, o primeiro lhe funciona sintaticamente como objeto indireto pleonástico, reiterando enfaticamente o objeto indireto «à coluna dos pecados».

Quanto ao sentido, o consulente fez a leitura correta.

Sempre às ordens!

* Por ser brasileiro o consulente, usou-se a nomenclatura gramatical tradicional do Brasil.

 

N. E. – A resposta é dada no quadro da terminologia gramatical que é utilizada no Brasil, em contexto não universitário. Numa perspetiva mais avançada, diz-se que, na frase em questão, o pronome lhe não é argumento do verbo e, portanto, não tem qualquer função sintática; contudo, tem conteúdo semântico, permitindo indicar o interesse ou o envolvimento de alguém numa situação ou num acontecimento. Por exemplo, em «não me enviem cartões a essas pessoas», o pronome me não é objeto indireto, mas refere-se ao interesse que o sujeito da enunciação pode ter numa dada situação (no caso, pretende-se impedir uma ação: «não enviem cartões a essas pessoas») – cf. "Pronomes de interesse (dativo ético)". Do mesmo modo, na frase em questão, ou seja, «se...