Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «O comportamento dos soldados era bem-visto pelo comandante», como deve ser analisado sintaticamente o termo bem-visto? A frase me parece ter um "jeito" de voz passiva, à semelhança de «O comportamento dos soldados era admirado pelo comandante». «Pelo comandante» seria complemento nominal no primeiro caso e agente da passiva no outro?

Resposta:

O termo bem-visto é o predicativo do sujeito da frase «O comportamento dos soldados era bem-visto pelo comandante», pois faz parte do predicado nominal «era bem-visto», constituído pelo verbo copulativo ou de ligação (ser) + adjetivo (bem-visto).

Apesar de a palavra bem-visto ser formada com o particípio passado do verbo ver, esta não é uma forma verbal, um particípio, mas um adjetivo, usado para designar «estimado; considerado» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010).

Portanto, não estamos perante um caso de voz passiva, o que implicaria um tempo composto (verbo auxiliar ser + particípio passado do verbo que se quer conjugar). Por exemplo, se a frase fosse «O comportamento dos soldados era visto pelo comandante», não haveria dúvida de que se tratava de voz passiva, que poderia ser passada para a ativa: «O comandante via o comportamento dos soldados.»

Se, por outro lado, a frase fosse formada com um dos adjetivos/particípios sinónimos de bem-visto, como estimado ou considerado, poder-se-ia considerar uma frase passiva. Porque estes dois sinónimos são adjetivos e particípios (dos verbos estimar e considerar). Assim, resultariam frases como «O comportamento dos soldados era estimado/considerado pelo comandante», que se poderiam transformar em ativas: «O comandante estimava/considerava o comportamento dos soldados.»

Mas, na realidade, bem-visto é um adjetivo, e não um particípio...

Pergunta:

Como se denominam os habitantes de Pragança?

(A aldeia de Pragança faz parte do concelho de Cadaval e não é a cidade de Bragança)

Quais as regras a seguir para alcançar o gentílico?

Resposta:

Para a formação dos gentílicos, geralmente, junta-se à base do topónimo (nome da localidade) os sufixos -ês (francês, lisboês) ou -ense (duriense, portuense, eborense, setubalense), -ão (alemão, beirão) ou -ano (ribatejano, torrejano), os mais usados, mas há ainda outros que se prestam a formar tais adjetivos (e nomes), como -enho (estremenho, porto-riquenho), -eta (lisboeta), -eno (nazareno), -ino (londrino), -ita (israelita) e -ota (cipriota)1.

Por isso, poder-se-á colocar a hipótese de se formar gentílicos com um ou mais dos sufixos acima indicados. Mas a realidade é que não se encontra registo (nos dicionários nem na página da Internet da Câmara Municipal do Cadaval) qualquer adjetivo (ou nome) que designe o natural ou o habitante de Pragança, surgindo unicamente a referência «de Pragança».

Aliás, essa é também a informação dada pelo Dicionário de Gentílicos e Topónimos, do Portal da Língua Portuguesa (da responsabilidade do ILTEC): «O topónimo Pragança não se encontra registado na MorDe...

Pergunta:

Nas regras da translineação, o hífen coloca-se no fim da linha onde se escreve, respeitando as regras da translineação, separando assim a palavra. Também se pode ensinar a colocar o hífen por baixo da palavra separada?

Resposta:

Deve-se ensinar o que está registado como correto. Por isso, é aconselhável que siga as indicações dos gramáticos sobre o uso do hífen (uma das notações léxicas): «O hífen, na translineação, deve colocar-se no fim da linha, para separar uma palavra em duas partes» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 66).

Pergunta:

Na frase «O segundo rei de Portugal foi D. Sancho I [primeiro]», segundo é um adjetivo numeral. E em «D. Sancho I [primeiro]»? Neste caso, primeiro é qualificativo, ou numeral?

Resposta:

Quer o termo segundo [«segundo rei de Portugal»] quer ID. Sancho I»] são adjetivos numerais, pois é essa a nova terminologia estabelecida para os numerais cardinais (da gramática tradicional). Segundo o Dicionário Terminológico, adjetivo numeral é «adjetivo que pertence à classe tradicional dos numerais ordinais, como primeiro, segundo, terceiro, expressando ordem ou sucessão».

De qualquer modo, importa referir que I faz parte do nome próprio Sancho I, porque, sem esse I, poderia ser um outro D. Sancho (II...). Repare-se que D. Sancho II identifica um determinado rei, distinguindo-o dos outros, assim como o nome próprio Jorge Sampaio identifica o ex-presidente da República Portuguesa, distinto de um outro Jorge...

O Dicionário Terminológico define nome próprio do seguinte modo: «Nome que designa um referente fixo e único num dado contexto discursivo, pelo que é completamente determinado, não admitindo complementos ou modificadores restritivos ou variação em número.»

Pergunta:

Da seguinte lista de palavras (cabelos, enfrentar, construía, dúvida, bolso, fósforos), quais são as palavras graves?

Resposta:

Identifica-se uma palavra grave ou paroxítona, quando o acento tónico recai na penúltima sílaba. Por isso, na lista apresentada, há três palavras graves: cabelos (ca-be-los), construía (cons-tru-í-a) e bolso (bol-so).

Nas restantes, há:

– uma palavra aguda ou oxítona – enfrentar – porque o acento tónico recai na última sílaba;

– duas palavras esdrúxulas ou proparoxítinas, em que o acento recai na antepenúltima sílaba: vida e sforos.