Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Enquanto – leva vírgula, ou não?

(Cenário: uma dona de casa a lamentar-se para o marido)

«Deixas-me para aqui sozinha em casa, enquanto tu andas a divertir-te com os teus amigos», ou «Deixas-me para aqui sozinha em casa enquanto tu andas a divertir-te com os teus amigos»?

Resposta:

Segundo a norma, a vírgula é empregada «para separar as orações subordinadas adverbiais» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá a Costa, 2001, p. 645), assim como, «sintaticamente, é o sinal gráfico que tem por funções delimitar as orações ou proposições que constituem períodos gramaticais [e] traduzir foneticamente, de colaboração com os demais sinais de pontuação, a entoação do encadeamento dos vários elementos constitutivos dos períodos gramaticais» (Rodrigo de Sá Nogueira, Guia Alfabética de Pontuação, Lisboa, Clássica Editora, 1973, pp. 89-90).

Tendo como base estas referências, não há dúvida de que toda a oração introduzida pela conjunção enquanto [geralmente, uma oração subordinada (adverbial temporal)] deverá estar demarcada pelo sinal gráfico da vírgula. Portanto, a frase correta é a 1.ª, em que a vírgula está presente: «Deixas-me para aqui sozinha em casa, enquanto tu andas a divertir-te com os teus amigos.»

Nota: Quando a conjunção enquanto ocorrer no início da frase, com o valor de «na qualidade de» e/ou introduzindo uma expressão nominal (cf. 1) ou uma oração subordinada (cf. 2), tais proposições deverão ser seguidas de vírgulas, demarcando a separação da sequência ou oração seguintes. Exemplos:

1 – «Enquanto sócio, tenho o direito de me manifestar.»

2 – «Enquanto pensas, eu vou já adiantando o trabalho.»

Pergunta:

Quais são as características de uma convocatória?

Resposta:

Uma convocatória é um documento em que se convoca, ou seja, em que se avisa e se chama para uma reunião de forma oficial ou para a prestação de outro serviço, solicitando-se a presença das pessoas que deverão estar presentes (indicando, de forma precisa e imperativa, os elementos convocados).

Como documento que é, deve ser elaborado e assinado por quem tem poderes institucionais para o fazer (diretor, reitor, presidente de um conselho, presidente de uma associação, coordenador de grupo/departamento, coordenador pedagógico, diretor de curso, diretor de turma, etc.), sendo dado a conhecer por aviso a cada participante (ou colocado/publicado em local próprio, definido pela instituição), com a devida antecedência, geralmente, estabelecida pela instituição (entre oito dias e 48 horas).

Deverá, portanto, indicar:

— o tipo de sessão ou reunião (ordinária ou extraordinária);

— quem convoca;

— os participantes (grupo de professores de...; encarregados de educação da turma....; etc.);

— o horário (o dia e a hora) e o local (a sala e o edifícío) da reunião ou da atividade;

— a ordem de trabalhos (os vários pontos da ordem de trabalhos);

— a data da convocatória;

— a assinatura de quem convoca.

Nota: Sempre que assim se considerar, poderá, também, indicar-se (em nota) o material que possa ser necessário para o desenvolvimento dos trabalhos.

Pergunta:

Tenho algumas dúvidas na divisão sílábica da palavra quieto. Gostaria de ser esclarecida.

Não sei se divida pelo som.

Resposta:

A palavra quieto tem três sílabas que se dividem, precisamente, pela soletração (tal como nos indica a  Base XX do Acordo Ortográfico 90):

quieto [palavra grave, sendo a penúltima (-e-) a sílaba tónica] — qui-e-to

Nota: Separem-se as vogais consecutivas i e e após o digrama qu, porque não constituem ditongo. Por sua vez, tal como previsto no ponto 5 da Base XX do AO 90, «os digramas gu e qu, em que o u se não pronuncia, nunca se separam da vogal (ne-gue, pe-que)».

Pergunta:

Como se dividem em sílabas as palavras degraus e pais ?

Resposta:

Como nas duas palavras ocorrem ditongos [au (em degraus) e ai (em pais)], a sua divisão silábica é feita da seguinte forma:

degraus (palavra aguda, com duas sílabas): de-graus

pais (palavra com uma só sílaba):  pais (tal como pai)

Nota: No entanto, importa assinalar que a palavra país [em que as duas vogais consecutivas não formam ditongo, havendo um hiato, havendo acentuação gráfica na última sílaba] tem duas sílabas: pa-ís.

Pergunta:

Nas frases «Não negue» e «Investigue», encontramos um ato diretivo. Existem outros?

Resposta:

«Não negue» e «Investigue», como frases imperativas, «expressam um ato ilocutório diretivo, em que, «através do seu enunciado, o locutor visa obter num futuro imediato a execução de uma determinada ação ou atividade por parte do ouvinte, ou de alguém a quem o ouvinte transmita» (Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 449).

As duas frases — «Não negue» [em que, por ser uma frase negativa, «o imperativo é suprido pelo conjuntivo» (idem, p. 452)] e «Investigue» [em que «o conjuntivo presente na terceira pessoa do singular surge como supletivo do imperativo» (idem) = «Investigue você»] expressam ordens diretas, dirigidas a um interlocutor, razão pela qual o seu valor do ponto de vista pragmático é o da, tal como o de todas as imperativas, expressão de um ato ilocutório diretivo.

A dúvida que pode surgir, relativamente a essas frases, reside nas possibilidades de interpretação permitidas pelo contexto em que as frases se inserem, pois «os atos diretivos diretos podem realizar-se em português na expressão de ordem, pedido, sugestão e conselho» (idem, p. 76). Portanto, quer transmitam uma ordem, uma sugestão, um pedido ou um conselho, estas frases, pelo seu objetivo ilocutório, acentuam unicamente um ato diretivo.