Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Está correto o seguinte trecho? Me parece redundante.

«... o Brasil se torna tão perfeito quanto já o é no mundo da Imagem Verdadeira».

Resposta:

Aparentemente, pode parecer uma redundância. Mas repare-se que o enunciado que nos apresenta — «... o Brasil se torna tão perfeito quanto já o é no mundo da Imagem Verdadeira» — se refere a dois universos distintos: o real e o da imagem. O real: «O Brasil torna-se tão perfeito quanto» e o da imagem: «já o é na Imagem Verdadeira». Portanto, o Brasil da Imagem Verdadeira é perfeito, enquanto o país Brasil se torna perfeito [o que significa que a perfeição não era/foi inerente ao país, mas que tem sido fruto de um processo de transformação], procurando corresponder à imagem da Imagem Verdadeira.

Ora, embora a frase refira o universo da imagem como o da «Imagem Verdadeira», do que se depreende que seja uma imagem que registe ou represente a verdade, não podemos deixar de assinalar que não passa de uma imagem, uma representação, algo que não se confunde nem se identifica com a realidade. A imagem é sempre uma imagem, é uma outra realidade: a do universo da fotografia, da filmagem, da pintura, da arte. A imagem é fruto da sensibilidade e do profissionalismo do seu autor, que foca e regista somente aquilo que o atrai (pela positiva ou pela negativa).

Assim, nesta frase, o autor põe intencionalmente em confronto/comparação duas realidades — a do país/espaço físico Brasil (real) e a da imagem criada a partir desse espaço físico (Brasil) —, evidenciando a marca de perfeição que a Imagem Verdadeira tem passado do país, mas sobretudo a valorização do esforço/empenho na construção de um Brasil perfeito, que em nada contraste como o da representação que dele se fez.

Por isso, a frase está construída de modo a enfatizar o grau comparativo de igualdade, veiculando a ideia de que o mundo real do Brasil está a (ou vai) atingir o grau de perfeição (da Imagem Verdadeira). Jogando com as palavras (mais propriamente com as estruturas associadas ao...

Pergunta:

Como colocar no futuro estas frases?

«Eles plantaram-nas (as árvores).»

«Aquele cão mordeu-lha (a perna).»

Resposta:

As duas formas que nos apresenta encontram-se no pretérito perfeito (dos verbos plantar e morder) conjugadas pronominalmente [no 1.º caso, com a modalidade -nas1 do pronome as, forma de pronome pessoal de compl. direto; no 2.º caso, com lha, forma contraída dos pronomes lhe (comp. indireto) + a (compl. dir.)].

Colocados os verbos no futuro, as frases ficam da seguinte forma:

«Eles plantá-las2-ão.»

«Aquele cão morder-lha-á.»

Nota: No futuro [e no condicional], o pronome não pode vir colocado depois do verbo (enclítico), dando-se «a mesóclise do pronome, ou seja, a sua colocação no interior do verbo. Justifica-se tal colocação por terem sido estes dois tempos formados pela justaposição do infinitivo do verbo principal e das formas reduzidas, respetivamente, do presente [e do imperfeito do indicativo] do verbo haver. O pronome empregava-se depois do infinitivo do verbo principal, situação que, em última análise, hoje se conserva. E, como todo o infinitivo termina em -r, também nos dois tempos em causa desaparece esta consoante e o pronome toma a forma lo, la, los, las» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. ...

Pergunta:

Qual é a diferença entre vem, vêm e veem?

Resposta:

A diferença reside em dois fatores:

— o de pertenceram a pessoas e a verbos diferentes: vem e vêm, formas da 3.ª pessoa do singular e do plural (respetivamente) do presente do indicativo do verbo vir; veem1 (até à aplicação do Acordo Ortográfico de 1990, esta forma verbal era escrita com acento circunflexo no 1.º e, vêem), 3.ª pessoa do plural do verbo ver;

— o da pronúncia, apesar de muito semelhante, devido à nasalação provocada pelo m final das três formas, é reveladora de diferenças: o acento circunflexo em vêm2 indica «o timbre semifechado da vogal tónica e», (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 65), mas é grafado, também, «a fim de se distinguir de vem, 3.ª pessoa do singular do presente do indicativo de vir» (AO); sons distintos de veem, em que há um e tónico oral fechado em hiato com a terminação -

Pergunta:

Qual o nome da figura de estilo utilizada em frases como «o sargento era temido na caserna» ou «o treinador não tem mão no balneário», em que «caserna» e «balneário» estão por, respectivamente, «soldados» e «jogadores»?

Resposta:

A figura aí presente é a metonímia.

Nos dois casos apresentados pelo consulente — em que é destacada a relação entre o universo/espaço/lugar [«caserna» e «balneário»] e os seres [«os soldados» e «os jogadores»], a que estão ligados/associados, —, é evidente a «transferência semântica baseada na relação de contiguidade lógica e/ou material entre a palavra “literal” e a palavra substituída» (João David Pinto Correia, «A expressividade na fala e na escrita» in Falar melhor, Escrever melhor, Lisboa, Reader´s Digest, 1991, p. 503), caraterísticas da metonímia.

Apesar de esta figura parecer poder confundir-se com a metáfora, distingue-se dela, porque «enquanto, na metáfora, a relação entre as duas palavras emparelhadas é paradigmática, externa (quer dizer que as duas palavras pertencem a campos semânticos distintos – e lembramos os exemplos de “fogo” e “paixão”), na metonímia, a relação é sintagmática, intrínseca» (idem).

Repare-se que «as relações objetivas, que conduzem ao emprego metonímico de uma palavra ou expressão, podem ser muitíssimo variadas» (E-Dicionário de Termos Literários, de Carlos Ceia), mas costumam ser mais lembradas as seguintes:

a) entre a causa e o efeito [«as estrelas embranqueciam a água» («estrelas», por «raios das estrelas»)] ou entre o produtor e o objeto produzido [«Nesse museu há dois Columbanos»; «um Picasso (em vez de «um quadro de Picasso»)];

b) entre o efeito e a causa: «o meu doce tormento» (por exemplo, em vez de «a minha mulher»);

c) entre a matéria e o seu objeto: «ouro» para representar dinheiro;

Pergunta:

Lendo uma notícia de jornal (Diário de Notícias, 8/02), a propósito do primeiro aniversário do sismo no Japão (que originou o gigantesco tsunami que se sabe), vejo escrito Fucoxima, num presumível aportuguesamento do nome original Fukushima.

Está certo?

Resposta:

Ainda não há registo nos vocabulários ortográficos da forma aportuguesada do topónimo japonês Fukushima [Fukushima-shi, [ɸu͍̥ku͍ꜜɕima]. No entanto, e tendo por base a indicação formulada na Base I [Do alfabeto e dos nomes próprios estrangeiros e seus derivados] do Acordo Ortográfico de 1990 — «Recomenda-se que os topónimos/topônimos de línguas estrangeiras se substituam, tanto quanto possível, por formas vernáculas, quando estas sejam antigas e ainda vivas em português ou quando entrem, ou possam entrar, no uso corrente» — que, por sua vez, respeita o proposto, desde 1947, por Rebelo Gonçalves, no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (Coimbra, Atlântida, 1947, p. 3) — «é anormal o uso de k, w ou y, que, quer em palavras portuguesas, quer em palavras aportuguesadas, devem ser substituídas pelas correspondentes representações vernáculas: c ou qu, e não k; u ou v, e não w; i e não y» —, é legítimo substituir-se o k por c, assim como a combinação gráfica sh ser alterada para