Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Deparei-me com um exercício num manual de língua portuguesa do 3.º ano relativo a um texto, cuja personagem principal é uma galinha de seu nome «Dona Cá-cá-rá-cá».

A minha dúvida consiste em perceber se a palavra Cá-cá-rá-cá consiste num polissílabo, uma vez que é considerado o nome da galinha do texto.

Resposta:

De facto, no contexto em que se integra, Cá-cá-rá-cá é um nome próprio, o da galinha que é a personagem principal do texto que refere.

Tratando-se de literatura infantil, é natural a escolha de nomes (onomatopeias) que representem o som produzido pelas personagens, pois esta é uma forma alegre e aliciante de motivação para a audição e a leitura dos contos.

Tratando-se de um nome próprio, independentemente da sua grafia (com vários hifens), constitui uma só palavra, pois é por ela que a personagem é identificada e reconhecida. Repare-se na definição de nome próprio do Dicionário Terminológico: «Nome que designa um referente fixo e único num dado contexto discursivo, pelo que é completamente determinado.» Portanto, como Cá-cá-rá-cá tem mais do que três sílabas, é um polissílabo.

Pergunta:

Qual é a forma correta? Clarice, ou Clarisse? Ou são ambas possíveis?

Resposta:

As duas formas — Clarice e Clarisse — encontram-se registadas no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, como derivadas do nome/antropónimo «francês Clarisse (ao lado de Clarice), religiosa da ordem de Santa Clara, fundada em 1212». Estas formas, por sua vez, «parecem derivar de Clara, mas na Inglaterra aparece em documento latino de 1199 sob a forma de Claricia (Withycombe, s. v. Clarice).

Portanto, se as duas formas estão atestadas, ambas são legítimas.

Pergunta:

Na frase «Eles tinham-lhe caído e tinha outros novos», a palavra outros é um pronome demonstrativo?

Resposta:

Não, não se trata de um pronome demonstrativo, mas indefinido. O pronome (ou determinante) demonstrativo distingue-se pelo seu «valor deítico ou anafórico, estabelecendo a sua referência tendo em conta a sua relação de proximidade ou distância como, por exemplo, um participante do discurso ou um antecedente textual» (Dicionário Terminológico). São demonstrativos os seguintes determinantes e pronomes: este(s), esta(s), esse(s), essa(s), aquele(s), aquela(s), o (= aquele), a (= aquela).

Se a frase fosse «Ele tinha outros óculos novos», outros seria um determinante indefinido. Determinante, porque precede o nome a que se refere, e indefinido, pois trata-se de um «determinante variável em género e número tipicamente utilizado em contextos em que se assume que o referente do nome que precede não corresponde a informação específica ou identificada» (idem).

Uma vez que, na frase que a consulente nos apresenta, o termo outros substitui o nome, é classificado como pronome indefinido [«pronome que admite variação em género e número, correspondente ao uso pronominal de um quantificador ou de um determinante indefinido» (idem)].

Pergunta:

Durante uma aula de língua portuguesa, uma aluna questionou-me sobre a existência de construção fraseática em vez de construção sintática. Por isso, gostaria de ter uma opinião vossa, pois fiz algumas pesquisas e não encontrei a expressão.

Resposta:

Existe o termo frásico, utilizado com frequência pelos linguistas em expressões como «constituintes de natureza frásica» (Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 294) — para designar «relativa a frase», que se distinguem, por exemplo, de constituintes de natureza nominal, adjetival, preposicional ou adverbial — ou «construções frásicas» (construções das frases), como se pode verificar através da seguinte transcrição: «É esse o maior contributo linguístico do português clássico: a construção frásica que imita a latina, a abundância de subordinação, os latinismos que enriquecem o acervo lexical» (Esperança Cardeira, O Essencial sobre a História do Português, Lisboa, Caminho, 2006, p. 71).

Desconhecemos o termo "fraseático", de que não se encontra registo nem nos dicionários, nem nos vocabulários ortográficos, nem nas gramáticas.

Pergunta:

Nas frases «Como te chamas?» e «Eu como uma maçã», que relação há entre estas palavras?

Eu considero homónimas, mas uma professora (natural do Porto) considerou que se trata de palavras homógrafas, porque pronuncia de maneira diferente.

Resposta:

Se se trata de um caso que permite duas pronúncias, decerto que poderá ser classificado tendo em conta essa realidade.

Uma vez que se encontra no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, na transcrição fonética da conjunção como, o registo de duas pronúncias — [komu, kumu] —, isso significa que são legítimas as duas formas de pronunciar a mesma palavra.

Portanto, se a professora (natural do Porto) distingue a pronúncia da conjunção (porque deve utilizar Kumu) da da forma verbal como [komu], é natural que classifique as duas palavras como homógrafas.

Por sua vez, também é correta a classificação proposta pela consulente — a de palavras homónimas —, uma vez que pronuncia da mesma forma as duas palavras que têm em comum a grafia.

Basta termos como referência as definições do Dicionário Terminológico para que não tenhamos dúvidas de que são possíveis as duas classificações, tendo como referência as respetivas pronúncias:  «Homonímia – Relação entre palavras que partilham a mesma grafia e são pronunciadas da mesma forma, mas que têm significados distintos. Ex.: canto (nome) e canto (verbo)»; «Homografia – Relação entre palavras que têm a mesma grafia, apesar de serem, normalmente, pronunciadas de forma distinta. Ex.: sede (vontade de beber) e sede (local)».