Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Queria saber se a seguinte expressão está correcta: «(...) obrigatoriedade aos jovens em participar.» Se não, qual seria uma possível correcção?

Resposta:

Tal como o nome/substantivo obrigação, a palavra obrigatoriedade implica o uso da preposição de [obrigatoriedade de], razão pela qual a forma correta do enunciado é «[...] obrigatoriedade dos jovens de participar».

Nota: O uso da preposição de é assinalado pelo Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (2001), da Academia das Ciências de Lisboa, e pelo Dicionário Estrutural Estilístico e Sintáctico da Língua Portuguesa (Porto, Lello & Irmão), de Énio Ramalho, como se pode verificar pelos exemplos apresentados:

 

«Protesta diante do tribunal de sua justiça e piedade, que tem obrigação de nos acudir, de nos ajudar e de nos libertar logo» (Vieira, Sermões).

«A obrigatoriedade do uso de cinto de segurança dentro das localidades tem poupado muitas vidas.»

Pergunta:

Surgiu uma dúvida em conversa com uns amigos: nós dizemos «o téni», ou «o ténis»?

Resposta:

Ténis — «do inglês [lawn]-tennis» — é um nome/«substantivo masculino dos dois números» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2004 e 2010), ou seja, que tem a mesma forma no singular e no plural. Portanto, o que determina a flexão no singular ou no plural é o determinante ou o artigo que o precede. Assim, as formas corretas são:

«o ténis» (o sapato e/ou a modalidade desportiva)

«um (uns) ténis» (sapatos)

«os ténis» (os sapatos)

«este(s)/esse(s)/aquele(s)/outro(s) ténis» (sapato)

«este/esse/aquele jogo/campeonato/campo de ténis»

«o(s) meu(s) ténis (sapatos/sapatilhas)»

Nota: Para além de designar a modalidade desportiva e os sapatos (de lona, tecido ou pele com sola de borracha e com atacadores) usados para atividades desportivas, atualmente, os ténis são usados, também, com roupa informal, sobressaindo como calçado de preferência do dia a dia da grande maioria dos jovens.

Pergunta:

Na frase que se segue, estamos perante que recursos retóricos (metáfora, comparação, personificação...): «...foi como se um sino tivesse tocado no coração do mundo»?

Resposta:

Embora não tenhamos tido acesso ao (con)texto a que pertence — o que nos permitiria entrar no universo do discurso e, assim, compreender e interpretar o seu valor expressivo —, poderemos dizer que, na frase «foi como se um sino tivesse tocado no coração do mundo», sobressaem os seguintes recursos estilísticos:

— comparação [em «como se um sino...]», evidente através da presença do elemento comparativo como, que estabelece uma relação de semelhança/analogia entre duas coisas/realidades;

— sinestesia [em «sino tivesse tocado no coração»], sugerindo o som do toque do sino, fazendo evocar/sobressair as impressões/sensações [auditiva e táctil] através das palavras;

— metáfora em «coração do mundo», ou seja, como se o mundo tivesse coração, uma vez que não existe o termo de ligação (como), «mas, sim, uma fusão das duas realidades em presença» (João David Pinto Correia, «A expressividade na fala e na escrita», in Falar melhor, Escrever melhor, Lisboa, Selecções do Reader´s Digest, 1991, p. 501).

Pergunta:

Qual a regência do verbo omitir?

Resposta:

O Dicionário Prático de Regência Verbal (São Paulo, Ática, 2003), de Celso Luft, dá-nos as seguintes indicações sobre a sintaxe do verbo omitir:

– como transitivo direto, o que significa que seleciona um complemento direto, pode ocorrer de duas formas: omitir + nome/substantivo ou pronome [omitir factos; omiti-lo] e/ou omitir de + infinitivo [Omiti de fazê-lo].

Nestes casos, é usado com o valor de «deixar de fazer, dizer ou escrever; não mencionar», «deixar em esquecimento; preterir; postesgar (alguém»), «deixar de lado; passar por cima de (palavras, páginas). Exemplos:

«Omitir nomes.»
«Omitir factos.»

– como transitivo direto pronominal — omitir-se em —, com o sentido de «não atuar, não se manifestar quando devia fazê-lo; revelar omissão». Exemplos: 

«Não se omita na eleição.»
«Um caso em que ele se omitiu.»

Por sua vez, o Dicionário Gramatical dos verbos Portugueses, da Texto Editores (2007), apresenta os seguintes regimes do verbo omitir:

– como transtivo direto [Grupo nominal (sujeito) + Verbo + Grupo nominal (Compl. direto)], podendo significar:

a) «não mencionar». Ex.: «A funcionária omitiu a verdade.»

b) «colocar de lado». Ex.: «Na análise apresentada, a aluna omitira várias passagens do texto.»

– como transitivo direto e indireto — GN (sujeito) + Verbo + GN (Compl. direto) + GP[a] (Comp. indireto) e GN (sujeito) + Verbo + GN (Compl. direto) + GP[de] (Comp. preposicional), com o valor de «não mencionar». Exemplos:

Pergunta:

Já vi a expressão «perder ao jogo» em alguns dicionários. Mas sempre ouvi dizer «perder no jogo». Qual é a forma mais adequada?

Resposta:

O Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, da Texto Editores, assim como o Dicionário Prático de Regência Verbal (São Paulo, Ática, 2003), de Celso Luft, apresentam-nos as duas formas, mas cada uma com significados distintos:

— «Perder em alguma coisa [perder no jogo]»: «deixar de ter», «sofrer dano, prejuízo, perda de (valores, dinheiro) em algo» e/ou «não acertar». Exemplos:

«Há pessoas que perdem muito dinheiro no jogo.»

«O marido dela perde todas as semanas na lotaria.»

«Ele perdeu muito dinheiro num negócio.»

«Ele perdeu-se no jogo.»

— «Perder alguma coisa [perder ao jogo]»: «ser derrotado». Exemplos:

«O miúdo zangava-se sempre que perdia às cartas.»

«Ele perdeu aos pontos.»