Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Queria saber se a frase «Foi assim que sempre se fez a literatura» está na voz passiva, já que o verbo principal não está no particípio passado.

Resposta:

Trata-se, de facto, de um caso de voz passiva — as chamadas passivas de se (Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 839) — que está expressa «com o pronome apassivador se e uma terceira pessoa verbal em concordância com o sujeito» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2001, p. 383).

Repare-se que a frase apresentada equivale a:

«Foi assim que sempre se fez [= foi feita] a literatura.»

Nota: Uma vez que questiona sobre a(s) forma(s) possível da voz passiva, consideramos pertinente transcrever a opinião dos gramáticos citados que nos dizem o seguinte:

Exprime-se a voz passiva:

a) com o verbo auxiliar ser e o particípio do verbo que se quer conjugar:

Pedro foi ferido por João.

b) com o pronome apassivador se e uma terceira pessoa verbal, singular ou plural, em concordância com o sujeito:

Não se vê [= é vista] uma rosa neste jardim.

Não se veem [= são vistas] rosas neste jardim.

Pergunta:

Na frase «Acho-os grosseiros e enfadonhos», considerei o sujeito nulo subentendido (eu); o predicado, «Acho-os grosseiros e enfadonhos»; «-os», complemento direto, e «grosseiros e enfadonhos», o predicativo do complemento direto.

A minha dúvida é a seguinte: o predicativo do complemento direto faz parte do próprio complemento direto? Se assim fosse, o complemento direto seria «-os grossos e enfadonhos»?

Resposta:

Tal como o predicativo do sujeito não faz parte do sujeito (embora se refira ao sujeito e, por isso, concorde em género e em número com o sujeito), mas do predicado, uma vez que é selecionado pelo verbo (verbos copulativos) e não pelo sujeito, o mesmo se passa com o predicativo do complemento direto, que é selecionado pelos verbos transitivos-predicativos, e não pelo complemento direto.

Assim como o complemento direto é selecionado pelo verbo (transitivo direto), são também «selecionados pelo verbo os predicadores secundários com a relação gramatical de predicativo do sujeito [quando tal verbo pertence à subclasse dos verbos copulativos] e de predicativo do complemento direto, quando o verbo pertence à subclasse dos verbos transitivo-predicativos ou quando se trata de construções resultativas» (Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Caminho, 2003, p. 290).

Repare-se na análise das seguintes frases:

1) «O miúdo é louro.»

Sujeito: «O miúdo»

Predicado: «é louro»

Verbo: «é»

Predicativo do sujeito: «louro».

 

2) «A Maria é uma ótima escultora.»

Sujeito: «A Maria»

Predicado: «é uma ótima escultora»

Verbo: «é»

Predicativo do sujeito: «uma ótima escultora».

 

3) «O João acha a Maria uma ótima astrofísica.»

Sujeito: «O João»

Predicado: «acha a Maria uma ótima astrofísica»

Verbo: «acha»

Complemento/objeto direto: «a Maria»

Predicativo do complemento direto: «uma ótima astrofísica».

 

4) «Todos acharam o espetáculo fabuloso.»

Sujeito: «todos»

Predicado: «acharam o espetáculo fabuloso»

Verbo: «acharam»

Complemento direto: «o espetáculo»

Predicativo do complemento direto: «fabuloso».

Assim, a análise da frase apresen...

Pergunta:

Na leitura do documento «Metas Curriculares – 1.º Ciclo – Português» surgiu-nos a seguinte dúvida:

Objetivo: Ler em voz alta palavras, pseudopalavras e textos.

O que são pseudopalavras?

Resposta:

Se tivermos em conta o valor de pseudo- [do grego pseudés, "falso", razão pela qual é um «elemento de formação de palavras que exprime a ideia de falso» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora)], apercebemo-nos de que se trata de um termo que designa uma falsa palavra, ou seja, um termo que não existe em língua portuguesa, que não faz parte do léxico, embora possa ser pronunciado.

Segundo o Relatório Final (jan. 2008–out. 2010) do Estudo Psicolinguístico sobre “Estabelecimento de Níveis de Referência do Desenvolvimento da Leitura e da Escrita do 1.º ao 6.º Ano de Escolaridade", pseudopalavras1 são definidas, entre parêntesis, como «que não têm significado mas respeitam as regras fonotáticas», tratando-se de «sequências de caracteres que compõem um todo pronunciável, mas que não possuem um significado».

Geralmente, as pseudopalavras são escolhidas (inventadas) para testar/«verificar a habilidade das crianças face a diferentes tipos de dificuldade relacionados com estrutura e comprimento silábicos, complexidade dos grafemas» e «a opção pelo uso de pseudopalavras prende-se com a necessidade de criar a situação ideal para testar os mecanismos utilizados na leitura de palavras novas. Não fazendo parte do léxico, as pseudopalavras permitem-nos interpretar os resultados por referência à influência da consoante que segue a vogal-alvo, afastando uma explicação alternativa, que seria a do conhecimento provável que as crianças teriam das palavras como um todo, caso essas fossem utilizadas. O objetivo deste estudo era examinar em que momento do percurso de aprendizagem as crianças portuguesas utilizam a informação do contexto consonântico de uma vogal para derivar a sua pronúncia» (idem).

Pergunta:

Diz-se «ter aceitado», ou «ter aceite»?

Resposta:

Segundo a norma, a forma correta é «ter aceitado».

O verbo aceitar é um dos verbos abundantes ou de duplo particípio, pois tem uma forma reduzida ou irregular — aceite e aceito1 — e uma forma regular em -adoaceitado.

Como é «de regra, a forma regular emprega-se na constituição dos tempos compostos da voz ativa, isto é, acompanhada dos auxiliares ter ou haver; a irregular usa-se, de preferência, na formação dos tempos da voz passiva, ou seja, acompanhada do auxiliar ser» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Sá da Costa, 2001, pp. 441-442), assim como o verbo estar. Exemplos:

«Eu tinha aceitado o emprego.»

«O jornal foi aceite/aceito muito bem pelo público.»

Nota: Repare-se que os próprios gramáticos não são perentórios na forma como expressam a indicação do uso do particípio irregular aceite/aceito, pois têm o cuidado de utilizar a expressão «de preferência», do que se infere a perspetiva de ocorrência dessa forma noutras situações, sobretudo no discurso oral.

1 A forma aceite é mais usada em Portugal, enquanto no Brasil é mais corrente o uso do particípio irregular aceito(a) (forma comum à da 1.ª pessoa do singular do presente do indicativo do verbo).

Pergunta:

O que significa "teófilo"?

Resposta:

Segundo o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, Teófilo é um nome próprio «derivado do grego Théophilos [de philos (amigo) e Theo (de Deus)] que significa "amigo de Deus", "amado por Deus", pelo latim Theophĭlu-, nome de homem. como aquele a quem são dirigidos os Evangelhos de São Lucas (I, 3) e os Atos dos Apóstolos (I, 1)».

Não encontrámos nenhum registo do termo "teófilo" (com minúscula inicial, ou seja, como nome/substantivo comum) nos dicionários e vocabulários ortográficos consultados1.

1 Foram consultados os seguintes dicionários — Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (2010); Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Texto Editores (2011);  Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009); Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia de Ciências de Lisboa (2001); Dicionário da Língua Portuguesa, de Cândido de Figueiredo (1986); Dicionário Aulete Digital; Dicionário Priberam da Língua Portuguesa —, assim como os vários vocabulários ortográficos: Vocabulário Ortográfico do  Português, do ILTEC; Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora;