Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Eu gostaria de saber qual é a origem do apelido Taveira...

Resposta:

J. Leite de Vasconcelos, em Antroponímia Portuguesa1, integra o apelido/sobrenome Taveira — tal como Abrantes, Araújo, Barros, Barroso, Castro, Correia, Dantas, Faro, Freitas, Gouveia, Horta, Jardim, Loureiro, Magalhães, Mascarenhas, Nogueira, Pimentel, Queirós, Ramos, Rebelo, Saramago, Silva, Tavares, Teixeira, Tomás, Vasconcelos, entre outros — na vasta «lista alfabética de apelidos modernos, tirados de nomes geográficos, e usados com de ou sem de [e que] uns provêm de nomes de povoações (cidades, vilas, aldeias), outros de quintas, propriedades, sítios» (idem, p. 167).

Por sua vez, Manuel de Sousa, em As Origens dos Apelidos das Famílias Portuguesas2, esclarece-nos...

Pergunta:

Algum autor considera o substantivo milharal como substantivo coletivo?

Resposta:

Há vários registos de milharal como nome colectivo de milho.

Fernanda Carrilho, no seu Dicionário de Nomes Colectivos1, regista milharal, a par de milhal e milharada, como nomes colectivos de milho, milheiro e milhos.

Para além desta obra, o nome milharal encontra-se atestado em vários dicionários, de que são exemplo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (2004), como o mais recente Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (2009) – «milharal milhal (de milheiral)» –, e também o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001), que, sobre milharal, diz: «extenso aglomerado de milheiros em determinada área», apresentando os seguintes sinónimos: milhal, milhedo, milheirada, milheiral, milhoal.

Por sua vez, a nível electrónico, o Dicionário dos Nomes Deverbais, do Portal da Língua Portuguesa, regista milharal como nome masculino cujo plural é milharais, e o

Pergunta:

Gostaria de obter a vossa opinião sobre se, na frase que transcrevo abaixo, da obra A Floresta, podemos identificar, no que diz respeito a figuras de estilo, não só a adjectivação mas também a enumeração, ou se só devemos falar de adjectivação.

«Antigamente estes lugares estavam todos cobertos por uma espessa floresta solitária e selvagem da qual agora só restam alguns carvalhos e castanheiros centenários que ainda vês neste parque.»

Obrigado.

Resposta:

A adjectivação é, na realidade, um recurso estilístico que sobressai na frase que nos apresenta, não somente pela presença de vários adjectivos — «cobertos», «espessa», «solitária», «selvagem» e «centenários» — e pelo facto de haver três adjectivos («espessa», «solitária», «selvagem») para caracterizarem a realidade que aí é valorizada, a da floresta, mas também pela posição diferenciada desses adjectivos em relação aos substantivos, uma vez que só um adjectivo ocorre antes da palavra que qualifica — «uma espessa floresta» —, enquanto «cobertos», «solitária», «selvagem» e «centenários» são posteriores aos nomes («lugares… todos cobertos», «floresta espessa e solitária», «carvalhos e castanheiros centenários»).

Ora, a posição do adjectivo qualificativo em relação ao substantivo é, segundo Rodrigues Lapa, em Estilística da Língua Portuguesa, «um facto importante de estilo» (p. 140), o que o levou a enunciar «esta regra de estilo português: quando o adjectivo está logo depois do substantivo, tende a conservar o valor próprio, objectivo intelectual; quando está antes, tende a embrandecer-se, adquirindo matização afectiva. Assim, "uma rapariga bela" pode não ser "uma bela rapariga", porque a primeira se distingue pela beleza física; a segunda, pela beleza moral» (idem, pp. 140-141).

Por outro lado, a nível da sintaxe (figuras de sintaxe), encontramos o polissíndeto («o emprego reiterado de conjunções coordenativas, especialmente das aditivas, e») nas expressões «solitária e selvagem» e na enumeração das árvores «carvalhos e castanheiros», a partir do qual a expressão adquire fluidez, sugerindo movimento.

Consideramos importante, também, a referência à aliteração, pela «repetição eufónica de fonemas/sons sibila...

Pergunta:

Agradecia a amabilidade de me dar um sinónimo para a palavra chafedes que aparece no livro de Miguel Torga Bichos, cujo significado não aparece em qualquer dicionário.

Grata pela atenção.

Resposta:

Chafedes, tal como a consulente nos diz, não se encontra dicionarizado nos habituais dicionários da língua portuguesa, nem em outras obras dedicadas aos regionalismos, como o Dicionário de Mirandês-Português e o Dicionário de Expressões Populares Portuguesas.

Trata-se, decerto, de um regionalismo transmontano do universo de Miguel Torga, pois surge, pelo menos, no discurso de duas personagens da sua obra — em «Uma procissão atribulada», in Criação do Mundo, e também, no conto «Tenório», in Bichos.

Nos dois textos, o termo chafedes é dito num tom crítico e exaltado, transparecendo uma conotação negativa com que o emissor se refere a determinada pessoa/criatura, mas não parece entrar no domínio do calão. Apercebemo-nos de que tal palavra faz parte da linguagem do quotidiano popular, pois flui com naturalidade na voz/na fala (em discurso indirecto livre) do narrador-locutor Tenório nas considerações irritadas que faz sobre o frango que lhe há-de suceder. É um discurso (interior) com marcas de oralidade e de linguagem familiar, carregado de azedume, fruto do receio e do ciúme de alguém que tomará o seu lugar, como se pode ver no trecho onde surge esse vocábulo: «Era o senhor menino, então, que começava a pôr as unhas de fora! Ah, mas saía-lhe cara a brincadeira! Oh, se saía! Garoto! Um chafedes, ainda com os cueiros agarrados ao rabo, e a fazer-se fino! Ele que o apanhasse com a boca na botija!...» (Miguel Torga, «Tenório», in Bichos, 13.ª ed., Coimbra, 1983, p. 78).

Se analisarmos este excerto, podemos inferir que chafedes não é um termo rude, grosseiro, mas cujo sentido deverá estar associado a algo como malandro, safado, alguém que pode pregar alguma partida, alguém que não nos merece respeito, sentidos que se podem...

Pergunta:

Com base na resposta da consultora Eunice Marta, em 20/10/2009, sobre o uso da locução em que pese, a construção «em que pese o fato de/de que» é certa, ou errada? Pelas explicações, creio que está errada, mas não fiquei totalmente esclarecida, até porque é muito usada aqui no Brasil (numa pesquisa no Google, encontrei 611 000 ocorrências). Vou usar os mesmos exemplos anteriores:

1) «Em que pese o fato de o réu ter negado a autoria do delito, foi condenado.»

2) «Em que pese o fato de que o réu tenha negado a autoria do delito, foi condenado.»

Obrigada.

Resposta:

Das duas frases que a consulente nos apresenta, quer uma — «Em que pese o facto de o réu ter negado a autoria do delito, foi condenado» — quer outra — «Em que pese o facto de que o réu tenha negado a autoria do delito, foi condenado» — estão correctas. Porque aí, a locução «em que pese» tem o valor dos conectores concessivos «apesar de» e «não obstante», o que implica uma construção em que «o verbo concorda com o sujeito, que lhe vem sempre posposto» (Maria Helena Moura Guedes, Guia do Uso do Português: confrontando regras e usos, São Paulo, Ed. UNESP, 2003, p. 284).

A dúvida que nos apresenta tem que ver, sobretudo, com a palavra que tem a função de sujeito da locução — «o facto» em «em que pese o facto» —, que selecciona um complemento introduzido pela preposição de. Este complemento pode ser realizado por uma oração reduzida de infinitivo (frase 1) ou uma oração finita introduzido pela sequência «de que», com o verbo no indicativo («Em que pese o facto de que o réu negou a autoria do delito, foi condenado») ou, atenuando o valor de certeza, no conjuntivo (frase 2).

Sobre a construção «em que pese», o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (1.ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2001, p. 2199) esclarece-nos, também, sobre o seu uso, as suas variantes e respectivo valor/significado: «em que pese (a) 1.: ainda que (tal coisa) pese, custe, doa, incomode (a alguém) — «a seleção de futebol sagrou-se campeã, em que pese a alguns críticos», «em que pese, vencemos»; 2. p. ext., malgrado, apesar de, não obstante — «em que pese a velocidade com que se tem de trabalhar, esperamos errar o mínimo».