Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A respeito da questão formulada por Paula Pereira («Os burros não são tão burros»), parece-me aí existir mais uma lítotes do que um oximoro; embora não esteja explicitamente negando o oposto, há a outra razão de existência da lítotes, a atenuação, ou seja, o advérbio tão minimiza a burrice dos burros.

Resposta:

Pode considerar-se, de facto, a presença da lítotes (ou litotes), se tivermos em conta que há aí «uma ironia da dissimulação com valor perifrástico, que consiste em obter grau superlativo pela negação do contrário» (João David Pinto Correia, "A expressividade na fala e na escrita", in Falar Melhor, Escrever Melhor, Lisboa, Selecções do Reader´s Digest, 1991, p. 501).

No entanto, se considerarmos o valor do oxímoro (ou oximoro), enquanto uma «variante especial da antítese de palavras isoladas […] que constitui, entre os membros antitéticos, um paradoxo intelectual», «paradoxo» este que pode resultar de «uma tensão entre o portador da qualidade e a qualidade em si»; da «tensão entre qualidades»; ou da «distinção que afirma a existência e inexistência simultâneas de uma mesma coisa» (idem, p. 500), apercebemo-nos de que nessa frase se joga, também, com o paradoxo, o que nos conduz, naturalmente a esta figura de expressividade.

Há uma linha muito ténue entre estas duas figuras, pois tanto o oxímoro (ou oximoro) como a lítotes (ou litotes) se enquadram nas figuras de pensamento com efeitos de comparação, distinguindo-se pelo tipo de efeito que gera a respectiva comparação. Com o oxímoro verifica-se, a par da antítese e da adynaton1 , esse efeito por oposição, tratando-se de uma espécie particular de antítese, enquanto com a lítotes (ou litotes) o efeito de comparação surge por atenuação, pela carga de ironia que a atravessa.

1 Segundo Pinto Correia (op. cit., p. 500), adynaton é um «processo que consiste na afirmação exagerada do paradoxo de duas situações vividas, caracter...

Pergunta:

Gostaria que me explicassem o significado da expressão «dar vivas à Cristina».

Resposta:

O Dicionário das Origens das Frases Feitas (Porto, Lello & Irmão Ed., 1992), de Orlando Neves, explica-nos o significado dessa expressão: «Esta frase acompanha, normalmente, a exteriorização de uma grande alegria, embora hoje, pouco usada, se utilize para caracterizar a alegria dos bêbados.»

Para nos esclarecer sobre as raízes da locução «dar vivas à Cristina», Orlando Neves baseia-se num livro de crónicas, Imagens de Lisboa (1976), de Joaquim António Nunes, onde é apresentada a origem histórica de tal locução: «O oitavo duque de Bragança (D. João IV), poucos dias depois de ocupar o Paço da Ribeira, mandara como embaixador à Suécia Francisco de Sousa Coutinho para celebrar com aquele país um contrato de amizade e colaboração comercial, graças a esse famoso chanceler Oxenstierna, que sabiamente dirigia os negócios do seu país antes da coroação da sua jovem rainha. […] Esse tratado valeu a Portugal obter no célebre congresso de Munster a mais firme defesa dos direitos de independência que só a preponderância espanhola não permitiu reconhecer. A atitude tomada pelo grande ministro Oxenstierna, na defesa dos direitos de D. João IV ao trono português, não podia deixar de agradar a este monarca dando pública prova da sua gratidão à soberana. Essa soberana veio a ser a inteligente e culta rainha Cristina, grande protectora das letras e das artes, filha do rei Gustavo Adolfo, órfã aos seis anos e coroada aos trinta e um. O rei D. João IV, em sinal de reconhecimento, mandou que se dessem salvas de artilharia, se fizessem iluminações e as folias do estilo para alegrar a cidade e se efectuassem todas as demonstrações de regozijo, principalmente junto da residência do representante daquele país, o sr. Lourenço Skytte. Assim, uma grande multidão foi junto da porta do súbdito sueco em ruidosa animação “dar vivas à Cristina”, qu...

Pergunta:

No decorrer de uma pesquisa à definição de esparsa deparei-me com definições diferentes quanto ao número de versos: «oito, nove ou dez»; «poesia geralmente de seis versos»; «composição de uma estrofe só, que pode oscilar entre os oito e os dezasseis versos». Gostaria de saber qual a correcta?

Muito obrigada.

Resposta:

Da pesquisa que, também, fizemos sobre a especificidade da esparsa, apercebemo-nos de que não é possível determinar o número exa{#c|}to de versos que a compõem.

Não há dúvidas de que é uma composição poética curta, com uma única estrofe, cuja brevidade formal implica a brevidade de expressão do conteúdo, do tema aí exposto. Filipe Nunes, na Arte Poética (Lisboa, Pedro Craesbeeck, 1815), integra-a no número das «coplas e redondilhas, de forte tradição na literatura hispânica» e, por sua vez, a Biblos, Enciclopédia Verbo das Literaturas da Língua Portuguesa (vol. II, Lisboa/São Paulo, Verbo, 1997) acrescenta que se trata «de uma composição poética de matriz provençal, assaz cultivada pelos poetas peninsulares, apresentando-se como uma estrofe única cuja expansão não é geralmente inferior a oito, nem superior a doze versos de redondilha».

Caracterizando-se pela concisão, a esparsa é propícia ao «improviso caro aos poetas dos séc. XV e XVI e terá constituído igualmente desafio ao engenho dos seus cultores, que dentro de escassos limites ensaiaram diversas combinações formais (versificatórias e rimáticas)» (idem).

Sá de Miranda, cerca de 1554, na elegia a António Ferreira, em que tece considerações sobre o estado das letras em Portugal, questiona: «ũa pregunta escura, esparsa triste,/tudo bom, quem o nega? Mas porquê,/se alguém descobre mais, se lhe resiste?» (vv. 19-21). Aliás, parece-nos que esta é a característica da esparsa: «esparsa triste», pois «é esse o tom dominante no desenvolvimento dos temas privilegiados neste género: o amor, a fortuna, a ordem ou desordem do mundo» (idem).

Pergunta:

Um adjectivo para qualificar a pessoa que não valoriza e ri com os seus próprios erros?

Resposta:

Tudo depende da forma como cada um encara tal tipo de pessoa, mas também temos de ter em conta a situação em que tal realidade acontece.

Pode dizer-se que alguém que não valoriza os seus erros é uma pessoa positiva, no sentido em que conduz a sua vida sem se martirizar com actos de que se arrepende, sem ficar preso a acções em que fracassou e que são motivo de angústia, o que não significa que não tenha aprendido algo com eles. Aliás, é esta a condição para que tal pessoa possa ser caracterizada como positiva, porque encara os seus erros como aprendizagens, com sabedoria, o que motiva o riso.

Por outro lado, se nos referirmos a alguém que negligencia os seus erros, demitindo-se conscientemente de qualquer «culpa» e, portanto, não retirando qualquer aprendizagem com as suas falhas, então dir-se-á que se trata de uma pessoa inconsciente e imatura, vazia e insensata, que leva a vida de uma forma leviana. Porque, nesse caso, o riso é sinal de anulação de qualquer marca de seriedade.

Pergunta:

Deve dizer-se "auditivamente", ou "audivelmente"? Ou não existe nenhum destes termos? Ou existem os dois e serão aplicados de acordo com o adjectivo que os origina?

Muito obrigado.

Resposta:

Da pesquisa que fizemos sobre auditivamente e audivelmente retirámos o seguinte:

auditivamente não está dicionarizado nem se encontra registado em nenhum dos vocabulários ortográficos da língua portuguesa, sejam relativos quer às reformas mais antigas [como por exemplo o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (1940), da Academia das Ciências de Lisboa — tendo como base ortográfica a Reforma Ortográfica de 1911 e o Acordo Ortográfico Luso-Brasileiro de 1931 —, assim como o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de F. Rebelo Gonçalves — seguindo as orientações do Acordo de 1945] quer ao actual Acordo Ortográfico de 1990, como os recentes Vocabulário Ortográfico do Português (2010), da autoria do ILTEC, Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora (2009) e, também, o Vocabulário da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira das Letras (2008);

audivelmente surge registado somente nos actuais Vocabulário Ortográfico do Português  (2010), da autoria do ILTEC, como «advérbio de audível, não flexionado», no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora (2009), assim como no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa (2010), como «advérbio formado a partir...