Chafedes, tal como a consulente nos diz, não se encontra dicionarizado nos habituais dicionários da língua portuguesa, nem em outras obras dedicadas aos regionalismos, como o Dicionário de Mirandês-Português e o Dicionário de Expressões Populares Portuguesas.
Trata-se, decerto, de um regionalismo transmontano do universo de Miguel Torga, pois surge, pelo menos, no discurso de duas personagens da sua obra — em «Uma procissão atribulada», in Criação do Mundo, e também, no conto «Tenório», in Bichos.
Nos dois textos, o termo chafedes é dito num tom crítico e exaltado, transparecendo uma conotação negativa com que o emissor se refere a determinada pessoa/criatura, mas não parece entrar no domínio do calão. Apercebemo-nos de que tal palavra faz parte da linguagem do quotidiano popular, pois flui com naturalidade na voz/na fala (em discurso indirecto livre) do narrador-locutor Tenório nas considerações irritadas que faz sobre o frango que lhe há-de suceder. É um discurso (interior) com marcas de oralidade e de linguagem familiar, carregado de azedume, fruto do receio e do ciúme de alguém que tomará o seu lugar, como se pode ver no trecho onde surge esse vocábulo: «Era o senhor menino, então, que começava a pôr as unhas de fora! Ah, mas saía-lhe cara a brincadeira! Oh, se saía! Garoto! Um chafedes, ainda com os cueiros agarrados ao rabo, e a fazer-se fino! Ele que o apanhasse com a boca na botija!...» (Miguel Torga, «Tenório», in Bichos, 13.ª ed., Coimbra, 1983, p. 78).
Se analisarmos este excerto, podemos inferir que chafedes não é um termo rude, grosseiro, mas cujo sentido deverá estar associado a algo como malandro, safado, alguém que pode pregar alguma partida, alguém que não nos merece respeito, sentidos que se podem aplicar, também, a esse vocábulo no excerto de «Uma procissão atribulada»: «Tens medo dum chafedes daqueles? — Pare a procissão! — teimou o outro. — Queremos entrar. — Metam-se atrás, se quiserem. — E por muito favor!...»
Numa pesquisa na Internet, verificámos que chafedes pertence, também, ao galego, pois é indicada como uma forma verbal — 2.ª pessoa do plural do presente do conjuntivo — do verbo chafar (v. tr.), que, segundo o Dicionário Eletrónico Estraviz, significa «deixar a alguém sem resposta em presença de outras pessoas; envergonhar, humilhar a alguém diante de outras pessoas; esmagar (chafou os ovos na cesta»; (fig.) acabar com algo: chafou-me o dinheiro, o capital».
Como sabemos, há influência do galego nos regiões fronteiriças portuguesas, e Trás-os-Montes tem marcas disso. Ora, se relacionarmos os sentidos do chafar galego com o valor que se pode atribuir ao substantivo/nome chafedes presente na obra de Torga, apercebemo-nos de que não estão distantes: é alguém sem vergonha, desavergonhada, sem mérito, alguém que não vale nada…
Não é descabido assinalar, também, que o Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, de Guilherme Augusto Simões (ob. cit., Lisboa, Dom Quixote, 1993) regista o termo chafardel como regionalismo transmontano com o seguinte significado: «safardana». Semelhante, não é?