Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Existe, ou pode ser utilizada, a palavra versatilização?

Resposta:

O vocábulo versatilização não se encontra registado em nenhum dos dicionários1 que consultámos, assim como não está atestado em nenhum dos vocabulários ortográficos de língua portuguesa, desde os mais antigos (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa, 1940; Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, 1966) aos mais recentes (Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, 2009;  Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2009; Vocabulário Ortográfico do Português, do ILTEC, 2010).

Todas estas obras registam o substantivo/nome versatilidade (versátil + suf. -idade), «qualidade do que é versátil» como palavra que se formou a partir do  adjectivo versátil — «propenso a mudar de opinião, de gosto; volúvel; inconstante; que pode desenvolver vários tipos de actividade; que se adapta a várias situações».

1  Fontes: Dicionário da Língua Portuguesa  Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, 2001; Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2004; Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001; Dicionário Verbo da Língua Portuguesa, da Editorial Verbo, 2006.

Pergunta:

Qual é o aumentativo e o diminutivo das palavras mata ( conj. de árvores) e sujo?

Resposta:

Os vocábulos mata e sujo não pertencem à mesma classe de palavras — mata é um nome/substantivo e, por sua vez, sujo é um adjectivo, «um modificador do substantivo» (Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 247), podendo ocorrer também em casos de substantivação do adjectivo —, o que implica que a formação da sua flexão em grau seja distinta.

De facto, apesar de tanto os nomes como os adjectivos poderem ser flexionados em grau, a realidade de cada um é diferente. Porque, para o substantivo, «a Nomenclatura Gramatical Brasileira e a Nomenclatura Gramatical Portuguesa […] admitem a existência de três graus — o normal, o aumentativo e o diminutivo» (idem, p. 200), enquanto, relativamente ao adjectivo, consideram que «são dois os graus do adjectivo: o comparativo (de superioridade, de igualdade e de inferioridade) e o superlativo (absoluto e relativo). Portanto, a formação de cada um dos graus de um substantivo é, naturalmente, diferente da dos graus de um adjectivo.

Relativamente ao nome/substantivo mata, a formação do aumentativo e do diminutivo pode realizar-se de duas formas:

— analiticamente, «juntando-lhe um adjectivo que indique aumento [grande, enorme] ou diminuição [pequeno, minúsculo], ou aspectos relacionados com essas noções» (idem, 199): 

aumentativo — «mata grande», «mata enorme»; 

diminutivo — «mata pequena», «mata minúscula» 

— sinteticamente, «mediante o emprego de sufixos especi...

Pergunta:

Qual a figura de estilo presente na expressão «havia que ser fiel» na frase «Mas tinha de ser na noite seguinte, esta já estava tomada pela Mausi, havia que ser fiel, uma verdade de palavra do Porto.»

Resposta:

Teria sido importante que nos tivesse sido facultada a referência bibiográfica de onde foi retirada a frase que nos apresentou ou, mesmo, um excerto maior do texto, para que pudéssemos ficar com uma ideia mais segura do contexto.

Sem tal referência, resta-nos indicar o que nos parece ser mais claro: um oxímoro (que corresponde a um paradoxo na linguagem filosófica), uma vez que «ser fiel» é algo que deve ser natural, é uma qualidade/virtude que não deve implicar obrigatoriedade, porque perde todo o valor se for encarada como um dever. Por isso, é ilógico que alguém pense, ou diga, que «havia que ser fiel», porque só o facto de o dizer/pensar como um dever implica que perca o sentido, portanto, que já não o seja.

Se o texto for dito num tom sério, será esta a figura de estilo. Mas se o contexto indiciar sinais de brincadeira, de gozo, e de uma certa ligeireza, como que se o narrador mostrasse um ar negligente para com aquele acto, então, estaríamos em presença de uma ironia, que é marcada pela troça, pelo sarcasmo, pelo gozo e pelo divertimento perante algo sério.

Pergunta:

Como é formada a palavra oceanário? Ou aquário? É derivada por sufixação, certo? "Aqua + ario"/"oceano + ario".

Resposta:

A origem dos nomes/substantivos aquário e oceanário é diferente.

Aquário deriva directamente «do latim aquārĭum, reservatório de água; bebedouro; relativo a água» (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, 1987), razão pela qual se considera uma palavra simples, porque é «formada por um único radical, sem afixos derivacionais, mas podendo exibir afixos flexionais» (Dicionário Terminológico).

Por sua vez, oceanário é uma palavra complexa, «uma palavra formada por derivação» (idem) cuja estrutura morfológica é resultado de um processo de sufixação (oceano + suf. – ário), encontrando este sufixo –ário integrado nos «sufixos derivacionais» (Maria Helena Mira Mateus et al, Gramática da Língua Portuguesa, 5.ª ed., Lisboa, Caminho, 2003, p. 966).

Pergunta:

Quando se procura o adjetivo estrangeiro no Novo Dicionário Aurélio, lê-se o seguinte:

«estrangeiro

[Do fr. ant. estrangier (atual étranger) < fr. ant. estrange (atual étrange) < lat. extraneus, ‘estranho’ (q. v.).]

Adjetivo.

1. De nação diferente daquela a que se pertence:

romancista estrangeiro;

língua estrangeira.

2. Relativo ou pertencente a, ou próprio de estrangeiro (7):

Tem na pronúncia um acento estrangeiro;

Seus hábitos são nitidamente estrangeiros.

3. Diz-se de país que não é o nosso:

O Brasil tem comércio com quase todas as nações estrangeiras;

“O país estrangeiro mais belezas / Do que a pátria, não tem.” (Casimiro de Abreu, Obras, p. 72).

4. P. us. Que é de outra região, de outra parte, ainda que pertencente ao mesmo país; ádvena, forasteiro, estranho. ~ V. arma —a, fibra muscular —a, língua — a e músculo —.»

No item 4, encontrei embasamento para afirmar que o termo xenofobia também pode ser entendido intranacionalmente, isto é, dentro de uma mesma nação ou país, em regiões diferentes. Gostaria de saber se isto procede, se o termo xenofobia pode real...

Resposta:

De facto, a palavra xenofobia (do grego xénos + phóbos) significa «aversão ou hostilidade manifestada a pessoas ou coisas estrangeiras» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, 2001) e tem sido este o sentido que lhe tem sido mais atribuído.

No entanto, o termo xenofobia não se restringe unicamente à relação de hostilidade ao estrangeiro, pois designa, também, «desconfiança, temor ou antipatia por pessoas estranhas ao meio daquele que as ajuíza, ou pelo que é incomum ou vem de fora do país» (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001).

Incluir «pessoas estranhas», qualquer «estranho» no universo dos objectos-alvo da aversão dos xenófobos pode parecer forçado. Mas a realidade é que o primeiro elemento de composição da palavra, — xeno- —, «traduz as ideias de estrangeiro, estranho, insólito, que não se conhece, surpreendente» (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, 1987), o que legitima o uso de xenofobia para se referir a aversão a «pessoa que é de outra região, ainda que pertencente ao mesmo país» (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, ob. cit.).