Eunice Marta - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Eunice Marta
Eunice Marta
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Licenciada em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre (Mestrado Interdisciplinar em Estudos Portugueses) pela Universidade Aberta. Professora de Português e de Francês. Coautora do Programa de Literaturas de Língua Portuguesa, para o 12.º ano de escolaridade em Portugal. Ex-consultora do Ciberdúvidas e, atualmente, docente do Instituto Piaget de Benguela, em Angola.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Nesta frase, «O ladrão entrou em casa, saltou-lhe o cão, bufou-lhe o gato, tropeçou no rato, caiu no chão», qual é o recurso expressivo?

Muito obrigada.

Resposta:

A gradação é o recurso estilístico que se evidencia nessa frase, uma vez que o narrador se preocupou em registar todos os passos de uma determinada realidade, de modo que o leitor acompanhe os mínimos detalhes da situação narrada. Assim, com a leitura deste excerto, verificamos que estamos em presença de uma «distribuição progressiva de uma série de elementos, em ordem ascendente se se caminhar para um clímax, ou em ordem descendente, se se regredir até um momento de anticlímax» (Dicionário de Termos Literários, de Carlos Ceia), pois, na construção da narrativa, o narrador teve o  cuidado de apresentar a evolução de várias sequências narrativas.

Podemos, também, considerar a presença de enumeração, uma vez que é aí feito o «inventário de coisas relacionadas entre si, cuja ligação se faz quer por polissíndeto quer por assíndeto» (idem).

Por sua vez, o assíndeto é outro recurso estilístico que sobressai nessa frase, enquanto «figura de linguagem (também chamada de sintaxe, de gramática e de retórica) que traduz a falta de ligação entre palavras ou orações, regra geral prescindindo da conjunção copulativas» (idem).

Pergunta:

Venho por este meio tentar saber a origem de uma expressão só ainda usada pelos habitantes mais idosos da cidade onde resido, Lagos, e que é a seguinte: «(fazer/ter algo) de sete em pipa», transmitindo a ideia de que se comeu, bebeu, etc. com abundância. Desde já agradeço a atenção dispensada, aproveitando para vos felicitar pelo óptimo serviço que prestam.

Resposta:

Nas fontes consultadas1, não encontrámos nem o registo da expressão idiomática «fazer/ter algo de sete em pipa», nem informações sobre a sua origem.

Decerto que a sua origem estará relacionada com a simbologia do número sete  — «os sete dias da criação, os sete planetas, os sete graus da perfeição, as sete esferas ou graus celestes, as sete pétalas da rosa» (Jean Chevalier e Alain Gheerrant, Dicionário dos Símbolos, Lisboa, Editorial Teorema, 1994) —, como símbolo da totalidade, porque representa «um ciclo completo, uma perfeição dinâmica», indicando «o sentido de uma mudança depois de um ciclo concluído e de uma renovação positiva» (idem).

Por sua vez, pipa está associada a vinho, designando um reservatório para guardar o vinho que, se for encarado como medida, corresponderá a um «capacidade de 550 litros ou de 20 a 25 almudes» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2004). Assim, está aqui implícita a ideia de abundância associada a prazer.

1 Fontes: Orlando Neves, Dicionário de Expressões Correntes, Lisboa, Editorial Notícias, 1999; Orlando Neves, Dicionário das Origens das Frases Feitas, Porto, Lello & Irmão, 1992; Orlando Neves, Dicionário das Frases Feitas, Porto, Lello & Irmão, 1991; Sérgio Luís de Carvalho, Nas Bocas do Mundo, Lisboa, Planeta, 2010; R. Magalhães Júnior, Dicionário de Provérbios e Curiosidades, São Paulo, Editora Cultrix, 1960.

Pergunta:

Qual é a translineação das palavras: violência, quotidiano, aplausos e exame?

Resposta:

A translineação das palavras em apreço é feita do seguinte modo:

1. Violência
vi-          vio-      violên-
olência    lência    cia

2. Quotidiano
quo-       quoti-    quotidi-   quotidia-
tidiano    diano     ano        no

3. Aplausos
aplau-
sos

4. Exame
exa-
me

É possível separar sequências de letras vocálicas "io" e "ia" em 1 e "ia" em 2, porque elas não constituem ditongos decrescentes ou vogais que se seguem aos grupos qu- e gu-, como é o caso de "uo" em quotidiano.1 Em 3 e 4, recomenda-se que letras vocálicas que correspondam a uma sílaba e comecem ou terminem palavra não fiquem isoladas em fim ou princípio de linha.2

1 Embora «o Acordo Ortográfico da Reforma de 1911 não admitisse em caso algum a separação de duas vogais consecutivas» (Rebelo Gonçalves, Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, Coimbra, Atlântida Editora, 1947, p. 381), o Acordo Ortográfico de 1945 (ainda em vigência em Portugal) considera que «duas vogais seguidas, quer iguais, quer diversas, podem separar-se uma da outra na passagem de linha, desde que nã...

Pergunta:

Gostaria de saber o significado do ditado popular «Na cama que farás, nela te deitarás».

Resposta:

Esse ditado popular pretende lembrar que todas as nossas acções têm consequências, pois o modo como se constrói o presente (representado pela maneira como se faz a nossa cama — com cuidado, com empenho, calmamente, ou, então, à pressa, de forma descuidada e desatenta) terá reflexos no que teremos no futuro: uma cama mal feita não pode dar um bom sono, enquanto uma cama bem feita torna o sono mais agradável).

Assim, se formos responsáveis e cuidadosos no dia-a-dia, o futuro não nos trará surpresas, porque é fruto do nosso desempenho.

Pergunta:

Qual a classe ou subclasse de e, na frase «O cão e o gato dão-se bem»?

Resposta:

Quanto à classe de palavras, e é uma conjunção coordenativa.

Dentro da subclasse destas conjunções, e é uma conjunção coordenativa copulativa.

Esta classificação mantém-se — conjunção coordenativa copulativa — para os diferentes casos em que e ocorra:

— a introduzir uma oração coordenada copulativa, isto é, a ligar frases:
    «O João foi ao cinema, e a Maria encontrou-o.»

 

—  como «elemento coordenado de grupos nominais»:
    «Comprei arroz e legumes.»

 

Na frase que nos apresenta – «O cão e o gato dão-se bem» –, a conjunção coordenativa copulativa e ocorre como elemento coordenado de um grupo nominal («o cão e o gato») que, aqui, tem a função sintáctica de sujeito. Verificando-se, aí, um caso em que houve «a junção de duas ou mais unidades linguísticas com a mesma categoria e/ou com a mesma função sintáctica» (Dicionário Terminológico).