Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Num livro de estudo de preparação para exame nacional é feita a diferenciação entre oração justaposta assindética e oração justaposta por justaposição. Para a primeira é dado o exemplo «Cheguei a casa, vi televisão, conversei com os meus pais e fui dormir»; para o segundo, «A mãe chegou: a casa estava toda desarrumada.» As duas frases têm em comum o facto de não possuírem qualquer conjunção a unir as orações, por isso classificá-las-ia de orações coordenadas assindéticas. A minha questão é: tendo como base os exemplos referidos, como diferenciar a oração coordenada assindética da oração coordenada por justaposição?

Grata pela atenção disponibilizada.

Resposta:

Além da coordenação e da subordinação, há outras formas de classificar a relação estabelecida entre duas frases, que, tradicionalmente, não são estudadas na gramática portuguesa. Entre essas relações encontra-se a justaposição, que nada tem que ver com coordenação ou com subordinação. É outro tipo de relação, ou, por vezes, não chega a haver relação além da simples colocação lado a lado.

Para evitar confusões, não deveria associar-se o termo justaposição às situações de coordenação assindética. Vejamos as duas frases em apreço:

1. «Cheguei a casa, vi televisão, conversei com os meus pais e fui dormir.»
2. «A mãe chegou: a casa estava toda desarrumada.» 

Em 1 temos uma sequência de acções separadas entre si por vírgula, menos na última, em que é explicitada a conjunção. É a situação prototípica da coordenação de diversas frases, que se faz por assindetismo, sendo este quebrado na última frase. As frases estabelecem uma relação de coordenação copulativa. As acções são sequenciais e cumulativas.

Em 2 temos duas frases cuja relação entre si não é, propriamente, de coordenação. A acção «chegar a casa» é uma acção pontual que se insere numa outra que já acontecia antes e que permanece. Não são coordenadas. Estruturalmente, poderíamos transformar estas duas frases numa frase coordenada, mas seria sempre marginal, além de, se optarmos pela coordenação copulativa, termos de fazer alteração no tempo verbal:

2.1. «A mãe chegou, e a casa está toda desarrumada.»
2.2. «A mãe chegou, mas a casa estava toda desarrumada.» 

Além deste tipo de relação, poderíamos ainda criar uma relação de subordinação:

2.3. «Quando a mãe chegou, a casa estava ...

Pergunta:

Tenho tentado descobrir, sem sucesso, um verbo que englobe o significado de «acreditar erroneamente». Quero dizer com um único verbo que alguém acredita em determinada coisa, mas que essa crença está equivocada. Por exemplo: «Ele acredita, erroneamente, que eu não irei à festa.»

Agradeço desde já!

Resposta:

Nem todas as realidades são transponíveis, ou designáveis, por uma só palavra. Receio que seja o caso da situação apresentada, pois não vislumbro que palavra, neste caso verbo, possa, em português, ter o sentido pretendido.1

Não esqueçamos que a língua portuguesa não é uma língua sintética, recorrendo muitas vezes a uma expressão para designar o que noutras se refere com uma só palavra.

1 Com sentido próximo, encontram-se iludir-se e enganar-se,mas de comportamento sintáctivo diverso do de acreditar:

(1) Ele acredita, erroneamente, que eu não irei à festa.

(2) Ele ilude-se se pensa que eu não vou à festa.

Assinale-se porém que a impossibilidade de iludir-se e enganar-se seleccionarem uma oração completiva obriga a recorrer a uma construção oracional suplementar («se pensa que...»). Não há, portanto, uma palavra simples que, sendo um verbo, sinteticamente designe a atitude de acreditar erroneamente.

Pergunta:

Gostaria que me informassem sobre o seguinte: valor do hífen em compostos e derivados. Que efeito semântico provoca?

Resposta:

O hífen não estabelece, propriamente, efeitos semânticos. Situa-se no âmbito da morfologia e do léxico, na medida em que se constitui como uma estratégia de enriquecimento do léxico ao permitir a criação de novas palavras, quer compostas quer derivadas. Os sentidos têm mais que ver com o sentido das partes associadas do que com o hífen em si.

A par desta relação morfolexical, o hífen permite, em alguns casos, estabelecer relações sintácticas entre os elementos ligados. Por exemplo em surdo-mudo estamos perante uma relação de coordenação, e em navio-escola a relação é de subordinação.

Pergunta:

Gostaria de entender melhor as discrepâncias na classificação e/ou nos exemplos de verbos designativos. Gostaria também de exemplos com a explicação.

Muitíssimo grata.

Resposta:

O conceito de verbo designativo insere-se numa interpretação, ou numa dada linha de investigação, sendo os designativos apontados como verbos que estabelecem uma relação entre um nome e outro elemento, habitualmente predicativo do sujeito. Para entender as discrepâncias, importa conhecer as diferentes linhas de pensamento e de descrição. Na terminologia usada em Portugal, trata-se de um grupo de verbos que se insere no número dos verbos copulativos, tradicionalmente considerados verbos de ligação.

Aconselho-lhe a leitura de dois textos de Afrânio da Silva Garcia: Uma Tipologia Semântica do Verbo no Português e Verbos Designativos no Português. Nestes textos encontra uma lista de verbos designativos, bem como a definição de um conjunto de critérios que permitem identificar os verbos designativos, além de bibliografia que poderá consultar.

Pergunta:

Por que se considera o discurso oral agramatical? Labov argumenta que a agramaticalidade do discurso oral é apenas superficial, gostaria que me explicassem essa posição e a diferença com outras posições que consideram o discurso oral agramatical.

Resposta:

Na sequência da sua questão inicial, poderia perguntar-lhe, prezada consulente, quem garante que o discurso oral é agramatical? Não terá ele uma gramática própria? A questão que apresenta poderia muito bem ser o problema, ou ponto de partida, para uma dissertação, ocupando longas páginas, onde poderia, entre outras, explorar-se a posição de Labov. Como compreenderá, não é essa a vocação do Ciberdúvidas. Poderei apenas dizer-lhe que o discurso oral se rege por regras específicas, nem sempre respeitando as regras do texto escrito, sem que no contexto oral se considere isso errado.