Celso Luft, no Dicionário Prático de Regência Verbal, classifica o verbo passar como transitivo direto («passar o tempo»); indireto oblíquo («passar por muita coisa») e direto e indireto («passou a bola aos companheiros»). Na frase em apreço, que transcrevo, a surpresa advém do facto de estar presente o objeto indireto relacionado através de preposição com uma parte do seu corpo: as mãos, o que nos levaria a esperar que a relação com o grupo nominal «as mãos» se fizesse através da preposição para, como em 1.1.
1. «Tenho grande satisfação de passar-lhe às mãos a publicação Carta Mensal.»
1.1. «Tenho grande satisfação de passar-lhe para as mãos a publicação Carta Mensal.»
O pronome lhe tem, aqui, por se estabelecer, como já vimos, relação entre uma entidade e uma parte do seu corpo (as mãos), um valor de posse, pelo que a frase poderia ser, como refere:
2. «Tenho grande satisfação de passar às suas mãos a publicação Carta Mensal.»
Em 2 eu continuaria a preferir o uso da preposição para em vez de a.
Relativamente aos usos do pronome lhe, corro o risco de lhe dar uma informação incompleta, uma vez que este pronome nem sempre é usado da mesma forma em Portugal e no Brasil, e eu não domino todas as especificidades do português do Brasil. Tendo este facto em conta, poderei dizer-lhe que o pronome lhe é utilizado como substituto, ou referente, da entidade objeto direto, como na frase «Ele passou a bola aos companheiros»/«Ele passou-lhes a bola». Este é o uso mais tradicional e o mais comum.
Além disso, em situações como a da frase 1 acima, veicula um sentido de posse (se entre o pronome e um grupo nominal associado se estabelece uma relação de parte-todo («Vejo-lhe as mãos»/«Vejo as suas mãos»).
Em alguns contextos, o pronome lhe é considerado um dativo ético ou de interesse («Vê-lhe bem este trabalho»).
A par destes usos comuns aos dois países, o pronome lhe está a surgir, sobretudo no Brasil, associado a verbos transitivos, por perda de caso acusativo dos pronomes pessoais. São comuns, creio, frases do tipo «Vi-lhe ontem», por «Vi-o ontem».