Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Recentemente, deparei-me com um tópico envolvendo a escrita no nosso idioma que acabou por me gerar duas dúvidas próximas entre si, por isso tomo a liberdade de apresentá-las em conjunto ao Ciberdúvidas. Trata-se do uso do se junto a verbos no infinitivo e no gerúndio (excluindo da discussão verbos pronominais/reflexivos, que sem dúvida exigiriam o se).

Fui informado que em diversos casos envolvendo o infinitivo impessoal, já carregando ele impessoalidade e valor passivo, será dispensável o uso do se tanto como índice de indeterminação do sujeito quanto como pronome apassivador. Cito alguns exemplos: «Fazer o bem é importante» (e não «Fazer-se o bem»), «Osso duro de roer» (e não «duro de roer-se»), «Hora de chamar a polícia» (e não «de chamar-se a polícia»). Gostaria de perguntar se, em casos como esses, o uso do se é meramente dispensável ou, mais do que isso, é proibido. Se meu entendimento (leigo) não é falho, suponho que a presença do se simplesmente assinalaria a voz passiva ou o índice de indeterminação do sujeito (conforme o caso), daí a dúvida quanto a uma estrita proibição de seu uso em decorrência do infinitivo impessoal.

No entanto, o assunto trouxe-me outra dúvida, para mim mais difícil ainda de resolver. A linha de pensamento exposta acima, se correta, aplicar-se-ia ao gerúndio também? Dizendo de outro modo, o gerúndio pode tornar o índice de indeterminação do sujeito e o pronome apassivador se igualmente dispensáveis? Apresento alguns casos a seguir e sobre eles gostaria de perguntar se o se é necessário, facultativo ou, até mesmo, proibido.

Comecemos por repetir, numerando, os exemplos que apresenta:

1. «Fazer o bem é importante.»
2. «Osso duro de roer.»
3. «Hora de chamar a polícia.»
4. «Levando-se em conta a crise, bom seria aumentar a poupança.»
5. «A obra desses poetas, considerando-se o pouco que viveram, é vastíssima.»
6. «Pensando-se em casos como o dele, não pode haver dúvidas quanto ao perigo de fumar.»
7. «Vivendo-se, daí vem a paciência.» 

Salvaguardadas opções de estilo, ou mesmo de maior ou menor formalidade, em todas as frases é possível a presença do se, ainda que não propriamente em posição enclítica, ou seja, depois do verbo. Exemplifiquemos com 1, repetido como 8:

8. «É importante fazer-se o bem.»

Segundo a minha interpretação, o se, em 8, como em 9 e 10 abaixo, tanto pode ser lido como apassivante (é importante o bem ser feito/que o bem seja feito), ou como indeterminado (é importante alguém fazer o bem). No entanto, porque o verbo é transitivo, muitas pessoas considerá-lo-iam apenas como apassivante. No caso das frases 2 e 3, a presença da preposição exigiria que o pronome fosse colocado em próclise, ou seja, antes do verbo:

9. «Osso duro de se roer.»
10. «Hora de se chamar a polícia.»

Voltando à presença do se, note-se que os três exemplos que apresenta, e que vão numerados de 1 a 3, são expressões muito comuns que tendem a reduzir-se à forma mínima, um pouco como acontece com os provérbios. Talvez seja, sobretudo, esse facto que faz que o se possa não ser expresso. Por outro lado, o facto de não terem o pronome faz que sejam mais abstractas e abran...

Pergunta:

Gostaria de saber qual é a transitividade do verbo caber em: «Cabe aos políticos abraçarem, à medida de Cristóvam Buarque, o ensino como "causa" e não terem receio de serem taxados de "enfadonhos".»

Se for possível explicar todo o período...

Grato.

Resposta:

O verbo caber pode ser intransitivo e transitivo indirecto. Na frase em apreço, que numero como 1, o verbo é transitivo indirecto.

1. «Cabe aos políticos abraçarem, à medida de Cristóvam Buarque, o ensino como "causa" e não terem receio de serem taxados de "enfadonhos".»

A frase complexa em apreço é constituída por quatro orações: uma oração subordinante, que equivale a toda a frase, duas orações subordinadas infinitivas subjectivas associadas ao verbo principal, e uma oração subordinada infinitiva dependente do nome receio. A sua estrutura é a seguinte:

Sujeito (duas orações infinitivas coordenadas): «abraçarem, à medida de Cristóvam Buarque, o ensino como "causa" e não terem receio de serem taxados de "enfadonhos"»
    Primeiro termo coordenado — «abraçarem, à medida de Cristóvam Buarque, o ensino como "causa"»;
    Segundo termo coordenado (contém uma subordinada associada ao nome receio) — «e não terem receio de serem taxados de "enfadonhos"»;
      complemento do nome receio: — «de serem taxados de "enfadonhos"».

Predicado — «cabe aos políticos»;
    Objecto indirecto — «aos políticos».

A infinitiva «abraçarem, à medida de Cristóvam Buarque, o ensino como "causa"» tem, ainda, um comentário encaixado, de valor comparativo «à medida de Cristóvam Buarque».

Curiosamente, ainda que o sujeito seja constituído por duas orações coordenadas, a segunda poderia ocorrer subordinada à primeira, mantendo o ver...

Pergunta:

Porque existem fonemas que não são representados graficamente? E quais são as representações gráficas dos fonemas?

Desde já, agradeço a resposta!

Resposta:

Receio não ter percebido a primeira parte da sua pergunta, que me parece desmentida pela segunda pergunta. Respondendo a esta, poderá encontrar uma lista dos símbolos usados para registar os sons do português aqui.

Pergunta:

Gostaria de saber por que se escreve nascer, descer, ou seja, o porquê de se usar dígrafo. Acredito que deva ser pela origem da palavra, como posso fazer essa pesquisa?

Resposta:

O Dicionário de Língua Portuguesa em linha, da Porto Editora, tem, além do significado, a origem das palavras. É, pois, uma ferramenta acessível, que poderá consultar. Além disso, o Dicionário Houaiss tem também a origem das palavras, tal como o Aurélio XXI.

No caso concreto dos vocábulos em apreço, nascer provém do verbo latino de forma passiva nasci (nascer), através da forma activa nascere, recriada por analogia com outros verbos da segunda conjugação. Por seu lado, descer provém do verbo latino descendere.

Na pronúncia destas duas palavras, em Portugal, nem sempre o sc constitui dígrafo. Aliás, na pronúncia formal mais normativa, recomenda-se a distinção dos dois fonemas: [naʃseɾ] e [dɨʃseɾ]. Além desta pronúncia, começa a ouvir-se com bastante frequência [naʃeɾ] e [dɨʃeɾ]. Dialectalmente é, ainda, possível ouvir [naseɾ] e [dɨseɾ].   

Mais do que a origem das palavras, ou a sua etimologia, é esta diversidade de pronúncias que dita a existência do dígrafo.

Pergunta:

De acordo com a nova terminologia, na frase «Vim de Paris», «de Paris» é um complemento oblíquo. E na frase «Cheguei de Paris», classifica-se do mesmo modo?

Resposta:

Temos, antes de mais, de nos centrar nas características dos verbos, o que, convenhamos, nem sempre é fácil, dada a tendência de muitos dicionários para considerarem intransitivos verbos como vir, quando este verbo carece quase sempre, para completar o seu sentido, de um complemento. Nos dicionários em que essa informação surge, estes verbos surgem como transitivos indirectos, incluindo-se nesta designação todos os verbos que completem o seu sentido com um complemento introduzido por uma preposição.

Importa, ainda, dizer que a inovação do Dicionário Terminológico neste aspecto é diminuta, uma vez que o complemento destes verbos é, já, considerado obrigatório na Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Cunha e Cintra, p. 144.

Voltando à caracterização dos verbos em apreço, vir e chegar, no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa não é explicitada a tipologia destes verbos (transitivo, intransitivo…), mas são dadas acepções em que surgem construídos com as preposições que regem em alguns contextos. Assim, vir surge associado às preposições a e para («vir a/para Lisboa»), designando o ponto de chegada, e de, indicando o ponto de partida («vir de Lisboa»). As preposições a e de podem ainda designar o meio («vir de moto», «vir a cavalo»). Também ao verbo chegar se associam as preposições a e de, com o mesmo valor, ...