Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
63K

Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Ouvindo na RTP pronunciar a palavra cherovia com o a aberto, fiquei com esta dúvida: não será, antes, com o o soando "u" ("cheruvia")?

Já agora: o termo recomendado não é cherivia?

Resposta:

Segundo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, a pronúncia de cherovia é /cheruvía/. Este dicionário, nesta palavra, remete para cherivia, cuja pronúncia é /cherivía/, o que coincide com a interpretação do consulente, ou seja, a palavra preferencial deveria ser cherivia.
No entanto, o uso não tem ido nessa direção. Vale a pena recordar que, para o mesmo tubérculo, há uma panóplia de designações, variação de duas:

a) cherovia, cherivia, cheruvia;
a) pastinaga, pastinaca.

Tendo em conta as duas designações-base, numa pesquisa eletrónica, as versões mais utilizadas são cherovia com 16 600 ocorrências e pastinaca com 433 000. Voltando a cherivia, a forma preferida pelo GDLP, ela ocorre 5970 vezes, enquanto cheruvia surge em 2250 situações.

A palavra cherovia é, também, a que surge associada ao Festival da Cherovia, na Covilhã.

Pergunta:

Ouço constantemente toda a gente usar o termo misticismo (místico), referindo-se a qualquer coisa que não existe ou inalcansável. Não será antes... miticismo (mito)?

Resposta:

As palavras – ou, melhor, os conceitos – em confronto são, na verdade, mito e misticismo. De mito diz o dicionário em linha da Porto Editora:

1. relato das proezas de deuses ou de heróis, suscetível de fornecer uma explicação do real, nomeadamente no que diz respeito a certos fenómenos naturais ou a algumas facetas do comportamento humano

2. narrativa fabulosa de origem popular; lenda

3. elaboração do espírito essencialmente ou puramente imaginativa

4. alegoria

5. representação falsa e simplista, mas geralmente admitida por todos os membros de um grupo

6. algo ou alguém que é recordado ou representado de forma irrealista

7. exposição de uma ideia ou de uma doutrina sob forma voluntariamente poética e quase religiosa

O mesmo dicionário define misticismo como:

1. atitude caracterizada pela crença na possibilidade de comunicação direta com o divino ou a divindade

2. atitude essencialmente afetiva que dá prioridade às crenças intuitivas, que garantiriam revelações inacessíveis ao conhecimento racional

3. tendência para acreditar em verdades sobrenaturais

4. vida contemplativa

5. devoção exagerada

Pergunta:

A propósito dos nomes coletivos contáveis e não contáveis, surgiu-me uma questão relativamente às palavras indicadas nas palavras-chave: «Refere o nome comum coletivo não contável que designa um conjunto de pessoas, mosquitos, animais e plantas.»

Para animais e plantas, julgo que o correto será fauna e flora, respetivamente. No entanto, para pessoas e mosquitos não encontro um não contável. Ou será que multidão e nuvem/praga são nomes não contáveis?

Resposta:

Seria interessante poder identificar a que tipo de palavras-chave se refere e onde as encontrar. Sem essa informação, posso apenas transcrever, porque me parece uma definição clara, o que diz o Dicionário Terminológico:

Há nomes colectivos contáveis, como os exemplificados em (i), e nomes colectivos não contáveis, que não aceitam plural, como os exemplificados em (ii) […]

(i) rebanho, alcateia, multidão

(ii) fauna, flora.

Pergunta:

Quais são os afixos considerados de flexão, inerentes às palavras simples?

Resposta:

Dependendo da palavra simples, ela poderá variar em género e em número, se se tratar de um nome ou de um adjetivo. Poderá variar em número, pessoa, tempo e modo, se for um verbo. Os elementos envolvidos nesta variação das palavras constituem os afixos de flexão, que se distinguem dos outros pelo facto de a palavra continuar a ser simples mesmo quando mudado o afixo, ou quando há mais de um afixo, como é o caso da palavra meninas, que tem o afixo de género -a e o afixo de plural -s.

Pergunta:

Gostava de saber quando se usa o «ao qual» e «à qual». Por exemplo, numa frase do estilo «A mãe perguntou apenas como tinha corrido o dia, ao qual Alexandra explicou com poucas palavras»,  usa-se «ao qual», ou «à qual»?

Resposta:

A forma «ao qual», ou «à qual», é uma forma variável do pronome relativo, contraída com a preposição a, e pode usar-se só em situações em que se refira a uma palavra, ou antecedente.

O exemplo que apresenta, embora seja comum na oralidade, não obedece a esta regra, pelo que «ao qual» está mal utilizado. Com efeito, o único nome no masculino que antecede o pronome relativo é «dia», e «ao qual» não se refere a «dia», mas, sim, a toda a oração «A mãe perguntou apenas como tinha corrido o dia».

No contexto que apresenta, pode utilizar-se o pronome relativo invariável que antecedido do pronome demonstrativo o, sendo este demonstrativo a retoma anafórica de toda a oração anterior: «A mãe perguntou apenas como tinha corrido o dia, o que Alexandra explicou com poucas palavras.» Note-se que, segundo a tradição gramatical, nesta frase, o antecedente do pronome relativo é o pronome demonstrativo o, e na sequência deste demonstrativo só a forma invariável do pronome relativo pode ocorrer.