Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Ouvi falar na palavra neguinhos referente a um tipo de copo de vinho, ou a uma medida do mesmo, usada nas antigas tascas nortenhas.

Gostava de saber qual a origem e o significado deste termo.

Resposta:

Não encontrei a palavra referida em nenhum dos dicionários de regionalismos transmontanos nem nos dicionários gerais. Ocorre no dicionário Houaiss, como equivalente, mas com valor afetivo, a «negrinho», sem qualquer referência que ligue a palavra ao sentido que refere.

No entanto, consultando a palavra negrinho, pude verificar que um dos sentidos é «variedade de uva tinta», pelo que poderá ter-se dado em Trás-os-Montes uma alteração semelhante à que aconteceu no Brasil com a mesma palavra (de negrinho para neguinho), só que associando, por metonímia, a uva ao vinho. Como, normalmente, as bebidas eram servidas em copos com uma determinada medida (por exemplo, copo de três) é bem provável que à designação se associasse uma dada medida, mas, também relativamente a este aspeto, nada encontrei de relevante.

Pergunta:

Gostaria de confirmar se a palavra irrisório está aplicada de forma adequada (com respeito à semântica) na seguinte frase:

«O povo permite que os políticos acabem com o dinheiro de formas irrisórias e nunca acontece nada.»

Observação – o significado para irrisório seria: que provoca riso ou motejo, segundo o dicionário online Michaelis.

Resposta:

Consultando os dicionários, por exemplo, o Houaiss, ou o dicionário em linha da Porto Editora, poderemos ver que irrisório tem, no mínimo, dois sentidos: um, equivalente ao que o consulente indica; outro, com sentido de «insignificante, sem valor».

Em qualquer dos casos, pelo menos do meu ponto de vista, a utilização dos dinheiros públicos nem dá vontade de rir, nem é insignificante, se tivermos em conta que é o povo quem paga a fatura.

Por essa razão, do ponto de vista semântico, no contexto restrito em que está utilizado, eu não o utilizaria.

Salvaguarda-se, no entanto, a possibilidade de, em contextos mais alargados, o adjetivo poder ser usado em frases próximas da que está em apreço.

Pergunta:

Tenho tentado perceber, de forma aprofundada, e de modo a estabelecer regras compreensíveis para os alunos, a diferença entre o complemento e o modificador restritivo do nome. No Dicionário Terminológico, nada é claro. Encontrei aqui, no vosso espaço, esta explicação.

Ainda se aplica à luz do DT? Ou diz respeito unicamente à TLEBS?

Há mais algum desenvolvimento quanto à alínea e)?

E, no caso «o rapaz de barba», não se poderá, à luz a alínea c), considerar complemento (= «o rapaz é barbudo»)?

Resposta:

A resposta em apreço é datada de 28/10/2009, pelo que já tem em conta o DT, que surge de forma definitiva em 2008. De qualquer forma, como se trata, efetivamente, de um aspeto muito problemático, apresento uma sistematização que repete, de certo modo, o que disse na resposta anterior.

Complemento ou modificador do nome

Pedem complemento os nomes:

A. Derivados:

1. de outro nome: «O artista [arte] de circo»

2. de adjetivos: «A beleza [belo] da Maria»

3. de verbos: «A construção [construir] do edifício»

B. Icónicos

«A imagem de Lisboa»

«O retrato de Ricardina»

C. Que designam parentesco ou amizade

«O filho do João»

«A irmã do Manuel»

«O amigo da Francisca»

D . Que regem preposição

«A mania de»

«A hipótese de»

E. Que estabelecem uma relação de:

parte-todo: «a perna da mesa»

possuidor-agente-tema: «o livro da Maria» (o seu livro); «o quadro do Douro, de Júlio Resende» (o agente é Júlio Resende; o tema é o Douro)

fonte-origem: «o vinho do Porto»

matéria: «mesa de madeira»; «camisa de seda»

Nota 1 – O complemento do nome, do ponto de vista semântico, é sempre restritivo.

Pergunta:

Diz-se: «Ao meu regresso conversaremos», «De regresso conversaremos», ou ainda «No meu regresso...»?

Resposta:

Qualquer das expressões («ao meu regresso»; «no meu regresso»; «de regresso») é possível em português, ainda que não nos mesmos contextos linguísticos. Sem conhecer a situação concreta em que se pretende utilizar a expressão, não é fácil indicar a mais adequada.

Por exemplo, a conversa vai acontecer durante o regresso? Ou depois do regresso? Os dois interlocutores partilham o mesmo espaço e deslocam-se os dois? Ou só um é que se desloca?

Se os dois interlocutores estiverem num determinado local e pretenderem regressar a outro que lhes é mais habitual, poderão dizer «No regresso conversaremos», com o sentido de «durante o regresso…». No mesmo contexto poder-se-á dizer «De regresso…», mas não me parece adequado que se diga «Ao meu regresso…». Esta expressão seria adequada, por exemplo, num contexto em que o regresso de alguém trouxesse mudanças. E aí poder-se-ia dizer: «Ao meu regresso se devem as mudanças.»

Se os dois interlocutores não partilham o mesmo espaço, ou se só um deles se desloca, então creio que a única expressão adequada seria «No meu regresso…», sendo, todavia, preferível dizer «Quando eu regressar…».

Pergunta:

Gostaria de saber se classes abertas correspondem às classes lexicais (e, consequentemente, se as classes fechadas correspondem às classes funcionais).

Resposta:

Muitas vezes, o tipo de designação que se dá aos conceitos depende da posição, ou enquadramento, teórica que se adota, pelo que fazer afirmações genéricas como a que submete ao nosso apreço poderá não ser a forma mais adequada de obter uma resposta rigorosa.

Sobre o tema, e ilustrando um pouco o que acabo de dizer, cito o Dicionário de Termos Linguísticos, que fala, não em classes, mas em categorias:

Categoria funcional

Classificação: Sintaxe

Definição: Embora nem sempre seja nítida a divisão das categorias sintáticas em categorias funcionais e categorias temáticas (ou lexicais), apontam-se cinco propriedades que caracterizam as primeiras:

1) constituem classes lexicais fechadas;

2) são geralmente dependentes fonológica e morfologicamente, são frequentemente clíticos ou afixos e por vezes mesmo foneticamente nulas;

3) permitem apenas um complemento, que não é, em geral, um argumento;

4) são normalmente inseparáveis dos seus complementos;

5) carecem de conteúdo descritivo. Marcam traços gramaticais ou relacionais, em vez de escolherem uma classe de objetos.

Fonte: ABNEY (1987).

Categoria lexical

Classificação: Sintaxe