Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual o processo de formação da palavra aportuguesar, tendo em conta que existe a palavra portuguesar? Já me foi dito que como a palavra aportuguesar surgiu primeiro, que era formada por parassíntese, mas como existe a palavra portuguesar no dicionário continuo na dúvida...

Resposta:

Um dos problemas que se levantam sempre que se analisa a formação de palavras é qual a posição a adotar. Analisa-se uma palavra tendo em conta o momento atual (visão sincrónica), ou tem-se em conta a história da palavra (visão diacrónica)? Dependendo da posição que se adote, o resultado poderá ser diverso. Assim, no caso de aportuguesar, se tivermos em conta o momento de nascimento da palavra, que, segundo o Dicionário Houaiss, aconteceu em 1666, podemos dizer que se trata de uma palavra formada por parassíntese, uma vez que na data em análise não havia a palavra portuguesar. Nesta interpretação, poder-se-ia considerar portuguesar formada por derivação regressiva a partir de aportuguesar, ainda que o mais comum seja considerar a derivação regressiva associada a nomes deverbais.

Por outro lado, a formação de palavras deve ter em conta, sobretudo, o momento de apreciação, ou seja, uma visão sincrónica. Nesse caso, a palavra deve ser analisada no contexto atual, e, hoje, verificamos que existe o verbo portuguesar, introduzido na língua em 1817, equivalente a aportuguesar, pelo que poderemos considerar aportuguesar uma palavra formada por prefixação e sufixação.

Salienta-se, ainda, que não é fácil chegar a um consenso alargado sobre a classificação de algumas palavras, muitas delas referidas de forma sistemática nas escolas. Por exemplo, a palavra aportuguesar poderá, ainda, ser considerada uma palavra simples, uma vez que a sua estrutura está já cimentada na fase atual da língua portuguesa, não constituindo uma...

Pergunta:

Gostaria de saber quantos fonemas tem a palavra obter. Tenho dúvidas se na consoante muda conta o i como semivogal.

Resposta:

A indicação do número de fonemas de uma palavra tem que ver com a pronúncia dessa palavra, sendo o mais fiel possível. Ora, se há variação e diferença entre a língua falada em Portugal, de onde escrevo, e no Brasil, ela prende-se, precisamente e sobretudo, com a pronúncia. A minha resposta pode, pois, não corresponder totalmente às expetativas do consulente, uma vez que vou referir aspetos de que não tenho um conhecimento tão profundo quanto seria necessário.

De qualquer forma, e relativamente ao registo do som vocálico que no Brasil se pronuncia entre o b e o t, em obter, ele deve ser considerado como um fonema. E deve ser considerado como uma vogal e não como semivogal, uma vez que esta contribui para a constituição de ditongos, não aparecendo isolada, ou seja como núcleo de uma sílaba. Nesta mesma palavra, tenho dificuldade em definir o valor do r final. Tenho a perceção de que ele não é pronunciado, não constituindo, por isso, um fonema. A indicação dos fonemas da palavra vai ter em conta esta minha interpretação, que, caso seja inadequada, lhe peço para corrigir.

Com as salvaguardas indicadas acima, poderei dizer que, em Portugal, os fonemas de obter são: /o/; /b/; /t/; /e/; /r/, enquanto no Brasil serão: /o/; /b/; /i/; /t/; /e/.

Pergunta:

Gostaria de saber por que a palavra aguardente é considerada uma composição por aglutinação. Segundo as gramáticas, é levado em conta o acento das palavras originais (água e ardente) e uma perda fonológica quando na formação da nova palavra. Apesar de cair a letra a, não identifico nenhuma perda semântica da palavra nova.

Resposta:

Os conceitos de aglutinação e de justaposição são, sobretudo, conceitos que se relacionam com o aspeto formal das palavras, embora nem todos os gramáticos estejam de acordo na descrição de cada um dos conceitos, havendo quem considere que a existência do hífen é condição sine qua non para haver justaposição. Para outros, haverá justaposição quando duas palavras se possam dissociar e ser, de imediato, encaradas como palavras plenas. Como, por exemplo, mandachuva, de que ainda há, mesmo, quem escreva, e defenda, a forma manda-chuva.

No caso concreto de aguardente, tenho-a visto sempre associada à aglutinação, sendo, muitas vezes, um dos exemplos dados pelas gramáticas. A razão é a perda da vogal: águ(a) + ardente.

O critério de perda semântica de uma das palavras não é facilmente aplicável, ou defensável. Note-se, por exemplo, o caso de mandachuva. Com hífen ou sem hífen, não há, nesta palavra, grandes marcas do sentido original de cada uma delas… Há, sim, um conceito cultural associado ao conjunto.

Por outro lado, a identidade de sentido encontra-se também em prefixos que veiculam um sentido específico às palavras a que se associam, sem que, por isso, se questione se se trata de situações de aglutinação ou de justaposição. Estou a pensar, por exemplo, no prefixo in-, em palavras como infeliz. Parece-me claro que o prefixo in- tem um sentido que se dissocia facilmente do da palavra a que se liga...

Pergunta:

As palavras elegível e ilegível podem ser consideradas palavras parónimas?

Resposta:

Sim. Trata-se de palavras com grafias próximas, que, por vezes, se confundem. Por outro lado, são duas palavras cuja pronúncia é igual, pelo que também poderíamos considerá-las como homófonas. Veja-se o que se diz no Dicionário Terminológico:

Homofonia
Relação entre palavras que são pronunciadas de forma idêntica, apesar de terem, normalmente, grafias distintas.
Ex.: passo/paço; sem/cem.
Paronímia
Relação entre palavras com grafias próximas.
Ex.: perfeito/prefeito; emigração/imigração; previdência/providência; cumprimento/comprimento; discrição/descrição; despensa/dispensa.
 
N. E. (08/10/2024) – Sobre a perspetiva que permite considerar elegível e ilegível como palavras homófonas, ler "As palavras elegível e ilegível" em O Nosso Idioma.

Pergunta:

Gostaria de saber se existe a palavra creditamento.

Exemplo: «Insumos permitem o creditamento de imposto.»

Resposta:

Não encontrei a palavra em nenhum dos dicionários ou vocabulários consultados. Em alguns casos encontrei creditação, que, parece-me, poderá substituir creditamento.

Por outro lado, importa ter em conta o facto de a palavra estar bem construída em português, uma vez que aplica o sufixo -mento ao radical de um verbo, como em distanciar > distanciamento, ou abastecer > abastecimento...

Saliente-se, porém, que, havendo várias formas de construir nomes a partir de verbos, cada verbo costuma ser, digamos assim, seletivo, ou seja, nem todas as formas são exploradas com cada verbo, pelo que, havendo identificada/registada a palavra creditação, talvez seja preferível usá-la, em vez de criar uma nova com o mesmo sentido.