Quando penso na língua portuguesa, é-me, por vezes, confortável associá-la a uma casa, onde as palavras e as frases possíveis a que podem dar origem se abrigam. Nessa casa, há um quarto muito arranjadinho, onde se aloja a norma e do qual saem os discursos formais, muito bonitinhos, respeitando (quase) todas as normas e nas quais todos nos revemos. Nos outros quartos há alguma desarrumação. Todas as palavras do quarto arrumadinho podem entrar nos outros, mas há algumas que não podem entrar no tal quarto arrumadinho. A expressão «eu não me acredito» ou «as pessoas acreditem-se nisto» tem lugar na casa que aloja a língua portuguesa, embora não fosse lá muito bem aceite se quisesse entrar no quarto arrumadinho…
O que digo na resposta que refere é que o verbo acreditar tem, na língua portuguesa, uma forma pronominal. Digo ainda que a essa forma pronominal estão associadas duas interpretações… uma das quais é mais antiga e popular, talvez mesmo regional, na qual o pronome tem um efeito enfático característico da expressão oral.
Isso não quer, pois, dizer que faça parte do que convencionamos chamar português-padrão, ou norma-padrão. Tem guarida na casa da língua, mas não no quarto arrumadinho…
A consulente, como eu, conhece certamente (pessoalmente utilizo, mesmo — idealmente em contextos restritos) palavras ou expressões que não utilizaria num discurso formal. E, todavia, essas palavras ou expressões fazem parte da nossa língua!
Outro aspeto que a expressão em apreço tem e que me soa mal (não faz parte da «minha» variedade regional…) é a forma do verbo acreditem (assumindo que é mesmo «acreditem»). Eu diria, naquele contexto, «acreditam». E, contudo, a forma — oral, entenda-se — acreditem, representando o presente do indicativo do verbo acreditar, faz parte da casa da língua, embora não seja muito bem-vinda no quarto arrumadinho…