D´Silvas Filho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
D´Silvas Filho
D´Silvas Filho
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D´Silvas Filho, pseudónimo literário de um docente aposentado do ensino superior, com prolongada actividade pedagógica, cargos em órgãos de gestão e categoria final de professor coordenador deste mesmo ensino. Autor, entre outros livros, do Prontuário Universal — Erros Corrigidos de Português. Consultor do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A dúvida que se segue refere-se ao Acordo Ortográfico. Concordo em certas partes com o mesmo e discordo noutras. Contudo, há um certo aspecto que me tem vindo a incomodar.

Compreendo, e até concordo, que se façam mudanças que aproximam a escrita da oralidade, como em «acto», que passa a «ato», ou «actual», que passa a «atual». Compreendo também, embora discorde, que se afaste a escrita da oralidade em casos muito consagrados pelo uso, nomeadamente a desaparição do trema. Contudo, não consigo compreender mudanças que afastam a oralidade da escrita quando não são consagradas pelo uso. Parecem-me mudanças negativas.

Por exemplo, a palavra heroico (sem acento ortográfico no «o») não teria a pronúncia esperada de /eˈrojku/ em vez de /eˈrɔj.ku/? Idem para jibóia, bóia, et cætera. Não seria expectável, visto que as duplas grafias pululam no novo Acordo (e muito bem, do meu ponto de vista), que se mantivesse a saudável e indolor dupla grafia também nestes casos? Ou haverá, porventura, alguma regra que permita distinguir quando se pronuncia a vogal na sua versão aberta e quando se pronuncia na sua versão fechada?

(O que me traz, como aparte, uma nova dúvida: qual é a pronúncia expectável das vogais ‹o, e› quando tónicas, não acentuadas e regulares? Será /o,e/ ou /ɔ, ɛ/? Ou será a diferença puramente aleatória?)

Outro ponto em que o Acordo Ortográfico falha, aparentemente, em melhorar a aproximação entre a oralidade e a ortografia, dá-se na questão da tão comentada supressão das consoantes mudas. Ora, aplaudo-a quando se dá em palavras como acto e actual, em que se trata, de facto, de uma redundância totalmente desnecessária. Mas e quanto a casos como acção, ...

Resposta:

Separo as suas objecções:

1 — Tónica em ói nas palavras graves.

As normas esclarecem que a supressão do acento derivou de não haver uniformidade na pronúncia de algumas palavras (ex.: apoio ¦ô¦ em Portugal, apóio no Brasil). À semelhança do que se fez com cor ¦ô¦ / ¦ó¦, deixou de se distinguir o timbre da vogal com o acento. Terá de ser o hábito da comunidade linguística a determinar qual a prosódia escolhida.

2 — Supressão das consoantes mudas e a abertura da vogal anterior.

Muitas vezes a consoante muda não serve para nada, veja-se o caso de didactismo. Outras vezes, pode mesmo induzir em erro, como no caso do seu exemplo accionar (segundo o Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa aceita-se que a palavra já tenha evoluído para ¦âcionar¦, mesmo mantendo até hoje a consoante muda…). Outro argumento que já tenho citado é o de que não são precisas consoantes mudas para a abrir a vogal em pegada ou em avozinha.

3 — Trema.

O assunto do trema já está há muito fora de discussão em Portugal. O Brasil também no século passado o suprimiu em muitas palavras. Estava só autorizado nas palavras derivadas de nomes próprios estrangeiros, siglas, unidades de medida. Assim continuará em Portugal e no Brasil. Especificamente para o Brasil, deixará de ser usado nos grupos qu ou gu seguidos de e ou de i quando o u se pronuncia (como já acontece em Portugal).

4 — ...

Pergunta:

Embora já tenha lido as vossas respostas a esta questão, fiquei ainda com dúvidas.

Por que razão não se acentua a 2.ª pessoa do plural no futuro? Se escrevemos anéis, fiéis e papéis, não deveríamos escrever seréis?

Qual é a diferença nos ditongos? Parecem-me iguais...

Resposta:

As normas ortográficas em vigor e o novo acordo são claros neste acento (ver Prontuário da Texto, pg. 118, 4.ª versão). Acentuam-se os ditongos semiabertos éi, éu, ói. Isto para não serem semifechados êi, êu, ôi, tendência natural da língua, que, por isso, dispensa acento gráfico em sereis.

Se papéis não fosse acentuada, seria a forma verbal papeis («que vós papeis»).

O mesmo raciocínio quanto à prosódia é válido para fiéis e anéis.

Diferenças neste texto para o novo acordo

Sem alteração

Ao seu dispor,

Pergunta:

Tem sido noticiado que o Acordo Ortográfico preceitua a supressão do acento agudo na terceira pessoa do singular no presente do indicativo do verbo parar.

(Ele para o trabalho a meio; Para para já esse serviço; Trânsito para a Ponte Vasco da Gama).

Tanto quanto julgo saber não há actualmente qualquer diferença gráfica entre a norma portuguesa e a brasileira no que diz respeito a este verbo. Se é de facto assim, por que motivo se propõe esta alteração?

Fico muito reconhecido.

Resposta:

Terá de ser o contexto a esclarecer se se trata da preposição ou da forma verbal. Como já disse numa anterior resposta, a duplicidade na classe em que fica a palavra é semelhante ao que já acontecia como, por exemplo, colher substantivo e colher forma verbal, que igualmente permite construções ambíguas, se for esse o nosso objectivo, e não escrever um texto coerente.

Penso que os legisladores do acordo quiseram uniformizar para, pelo, polo sem acento. No caso de pélo e pólo, efectivamente não fazia sentido já o acento, pois se tratava de evitar confusões com palavras que caíram em desuso; mas no caso de pára, a preposição para é de utilização actual e frequente. Penso que poderiam ter admitido que o acento fosse opcional, como o fizeram em forma/fôrma, demos/dêmos, outras formas verbais do tipo amamos/amámos.

 

Diferenças neste texto para o novo acordo

Termos para Portugal: objetivo, efetivamente, atual, para, pelo, polo.

Para o Brasil: frequente, para, pelo, polo.

NOTA: as duplas grafias não implicam alterações obrigatórias na escrita.

 

 

N.E. 

Pergunta:

Gostaria de saber a grafia correcta desta palavra ("zoster"/"zóster"), que se refere a vírus (por exemplo, de varicela e herpes). Consultei o glossário em www.medicosdeportugal.pt, que é baseado no Dicionário Médico da Climepsi Editores, mas dá-me respostas ambivalentes. Desde já, agradeço os esclarecimentos que me possam prestar.

Resposta:

Rebelo Gonçalves recomenda a grafia zóster e diz que zoster é uma variante brasileira. No critério do novo acordo, ambas as grafias passarão a ser legítimas. Para Portugal, parece ser preferível, por enquanto e por exemplo, a grafia: herpes-zóster.

Diferenças neste texto para o novo acordo

Sem alteração

Ao seu dispor,

Pergunta:

Por que razão se escreve hinduísmo com acento no i? As sílabas são “hin-du-is-mo”, por isso “is” é a penúltima sílaba, e então sem necessidade de acento. Será que o acento está a ser usado como se fosse o trema que no português do Brasil se usa em (por exemplo) tranquilo?

Resposta:

Segundo o Grande Dicionário da Porto Editora, ui é nesta palavra o ditongo crescente [wi]. Então, a explicação do acento reside no facto de que a conversão do ditongo decrescente ui [uj] mais habitual (como em fluido, fui, gratuito, Rui, etc.), no ditongo crescente [wi] exige o acento em i para que este grafema passe de semivogal a vogal (acento legítimo porque i é tónica). Segundo este dicionário, a vogal [u] passa a semivogal [w].

O dicionário da Academia, contudo, indica que em hinduísmo se verifica o hiato ¦u-i¦  [ui]. A explicação da necessidade do acento parte da mesma base, mas para conversão do ditongo decrescente [uj] no hiato [ui] (como em fluído), segundo as normas em vigor e no novo acordo.

As duas formas de recomendar a pronúncia do conjunto vocálico ui em hinduísmo parecem ser muito diferentes. Lembremos, porém, que a diferença reside na ambivalência dos ditongos crescentes: fala rápida, pronunciados como ditongos; fala lenta, como hiatos.

Diferenças neste texto para o novo acordo

Sem alteração


Ao seu dispor,