D´Silvas Filho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
D´Silvas Filho
D´Silvas Filho
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D´Silvas Filho, pseudónimo literário de um docente aposentado do ensino superior, com prolongada actividade pedagógica, cargos em órgãos de gestão e categoria final de professor coordenador deste mesmo ensino. Autor, entre outros livros, do Prontuário Universal — Erros Corrigidos de Português. Consultor do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Segundo o novo acordo, se na "caneleira-de-Ceilão" uso um hífen (trata-se do nome vulgar de uma espécie vegetal), também uso hífen em "canela de Ceilão" (trata-se, neste caso, apenas da casca...)?

Segunda questão, relacionada: Ceilão mantém a maiúscula, ou perde-a nos casos de se usar hífen?

Resposta:

O Acordo Ortográfico de 1990 (AO) dá indicações claras na diferença entre água-de-colónia, arco-da-velha, pé-de-meia, nas quais as palavras estão no sentido figurado e cão de guarda, sala de jantar, fim de semana, nas quais o sentido é denotativo, real, positivo. Aliás, o 6.2 do Anexo II do AO é taxativo: «quanto ao emprego do hífen nos compostos, locuções e encadeamentos vocabulares se mantém o que foi estatuído em 1945»; ou seja, mantém-se a tradição neste aspecto. Como escrevi em anteriores artigos, alguns autores de vocabulários para o novo AO estão, no meu ponto de vista, a interpretar erradamente o 6.º da Base XV, pois estabelecem que as locuções ligadas por preposição deixam de ter hífenes.  Eliminar o hífen nos compostos com preposição é tentar fazer renascer o projecto recusado de 1986, que até taxativamente eliminava os hífenes em *água de colónia.

Quanto a caneleira-de-ceilão, está assim grafada com hífenes no Vocabulário Ortográfico Brasileiro (VOLP) para o novo AO. Ceilão, escrita em minúsculas devido à existência do hífen, figura no composto como um referente indirecto, não um nome próprio. O mesmo se passa com, por exemplo, em bênção-de-deus, registada no texto do AO.

Canela-de-ceilão está igualmente grafada com hífenes no VOLP brasileiro. O critério é o mesmo.

Pergunta:

Sempre escrevi e li infanto-juvenil, assim com hífen. Para minha surpresa, descobri que os novos VOLP, Aurélio e Houaiss, estão adotando infantojuvenil, sem hífen.

Creio que estão tratando a palavra como prefixo ou falso prefixo mais uma palavra base, conforme o Acordo Ortográfico de 1990/2010, ao invés de dois adjetivos, como julgo ser o correto.

Gostaria, por gentileza, de saber a opinião dos senhores.

Obrigado e parabéns pelo sítio.

Resposta:

Este é um dos problemas que estão a trazer mais dúvidas à aplicação do novo AO (Acordo Ortográfico de 1990) e que analiso com pormenor na 5.ª edição do Prontuário da Texto.

Vejamos primeiro como se escrevia na norma anterior.

Em Portugal seguia-se Rebelo Gonçalves, de acordo com o seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, que prescreve: Usa-se hífen «Nos compostos em que entram morfologicamente individualizados, e formando uma aderência de sentidos, um ou mais elementos de natureza adjectiva terminados em o e uma forma adjectiva.»

No Brasil seguia-se o mesmo critério, segundo o que se depreende da Moderna Gramática Portuguesa do gramático brasileiro Evanildo Bechara.

Assim, tínhamos infanto-juvenil, como escrita correcta para Portugal e para o Brasil antes do novo AO.

Ora, que alteração veio o novo AO fazer? Prescreve, Base XVI, 1.º, que com prefixos, falsos prefixos e elementos não autónomos se emprega o hífen só em casos restritos (segundo elemento com -h inicial, -

Pergunta:

Quando me cabe redigir uma acta, tenho por hábito escrever com maiúsculas "Ordem de Trabalhos" ou mesmo "Ordem do Dia" tendo, por diversas vezes, sido chamado à atenção de que não devo usar maiúsculas mas sim letra minúscula.

Podem, por favor e justificadamente, informar-me sobre qual a forma mais correcta?

Obrigado.

Resposta:

No caso em apreço, eu distinguiria dois aspectos:

a) Num título (preferível todo em maiúsculas), ex.:

 

Ordem do Dia

 

1. Informações

 

2. Outros

b) Referência ao evento (numa acta), ex.:

 

Na ordem do dia, em primeiro lugar foram prestadas pela Direcção algumas informações sobre...

Como tenho dito sempre, nas maiúsculas deve adoptar-se um critério diferente do adoptado nos acentos. Nestes, na dúvida, é conveniente não pôr acento, para evitar erros grosseiros. Com as letras iniciais, na dúvida, é prudente escrever com maiúsculas para evitar melindres.

Sublinho, no entanto, que cada vez há mais tolerância no uso de iniciais minúsculas. O novo Acordo Ortográfico apresenta casos em que se passaram a aceitar as minúsculas iniciais ou a opção entre maiúscula e minúscula.

Ao seu dispor,

Pergunta:

Estou a redigir uma tese de doutoramento e com frequência preparo também artigos para publicação em revistas científicas da área. Muitas vezes deparo-me com uma dúvida relativamente ao uso de palavras que no contexto em questão são usadas não no seu sentido literal. Exemplo «guarda-chuva conceptual». Por hábito coloco a expressão guarda-chuva em itálico para evitar as aspas, que na escrita científica têm outra utilização muito específica. Ainda assim tenho dúvidas se o correcto seria usar o itálico ou aspas simples.

Agradeço desde já a atenção dispensada.

Resposta:

Esta questão é muito interessante, pois levanta um problema na língua que nunca me tinha ocorrido. Cada vez admiro mais Ciberdúvidas por esta virtualidade que tem: de estudarmos a língua em conjunto.

O problema consiste, neste caso, em distinguir o sentido denotativo (real, positivo) do conotativo (figurado, semântico particular).

Tradicionalmente, a distinção faz-se com o hífen (ex.: braço-direito, «ajuda»; braço direito, o próprio; fogo-de-vista, só aparência; fogo de vista, foguetes, etc.

O que acontece é que o hífen também é usado para sublinhar a unidade semântica, e é usual nas ligações mórficas VN (verbo-nome: conta-gotas, finca-pé, guarda-chuva). Pretende-se distinguir o grupo V + N do nome VN (ex.: um «dispositivo que conta gotas» é um conta-gotas). Tradição que nem sempre se justifica, pois o contexto e o determinante desfazem normalmente dúvidas. No Vocabulário Fundamental para o Novo AO, do Prontuário da Texto, recomendo alternativas não preferenciais sem hífen para algumas ligações VN.

Ora, em guarda-chuva, dado que não temos a ajuda do hífen para o sentido conotativo, vamos ter de usar um outro artifício.

Guarda-chuva só aparece nos dicionários (Houaiss, Porto Editora) no sentido denotativo («chapéu de chuva»). Parece não estar oficializado o sentido figurado; mas ninguém nos impede de usar todas as virtualidades da língua, mesmo que se trate de conceitos inovadores e desde que se respeitem as regras. Em guarda-chuva, a palavra guarda dá ao grupo o se...

Pergunta:

A mídia brasileira escreve, fala «1,2 milhão», «1,8 bilhão», «0,7 ponto». A portuguesa escreve «1,8 milhões», «1,1 bilhões», «0,70 euros». Tenho exemplos.

Qual delas está certa? Por quê?

Resposta:

Segundo o Sistema Internacional de Unidades (SI), a regra brasileira é que está correcta. As unidades pluralizam só a partir de 2 inclusive.

Sublinho, porém, que se pode argumentar que as normas não passam de convenções.

Tradicionalmente, em Portugal, a gramática frequentemente tem considerado singular só a unidade. Assim, como 1,8 é mais que 1, não escandaliza escrever-se «1,8 milhões» e até desagrada ouvir «um vírgula oito milhão».

No caso de fracções da unidade, já se aceita «0,7 do euro».

Insisto que se deve respeitar o SI. Seguir as normas tem vantagens óbvias, em particular quando se trata de recomendações internacionais, como é o caso das normas do SI.

A propósito, estamos justamente agora em Portugal numa crise de perplexidade ante novas normas. Refiro-me ao novo Acordo Ortográfico.

Por exemplo, acto > ato (como de atar), corrector > corretor (como de intermediário), espectador > espetador (como de espetar), etc.; estão a confundir os falantes portugueses. Ora, lembremos que perplexidades semelhantes já existiram no passado, quando a grafia mudou (muito em 1911), e que as novas grafias acabaram sempre por se fixar nos hábitos linguísticos.

As normas são úteis para que haja unicidade nos conceitos. São mesmo uma sujeição quando se referem à segurança de pessoas ou de bens.

Pa...