O Acordo Ortográfico de 1990 (AO) dá indicações claras na diferença entre água-de-colónia, arco-da-velha, pé-de-meia, nas quais as palavras estão no sentido figurado e cão de guarda, sala de jantar, fim de semana, nas quais o sentido é denotativo, real, positivo. Aliás, o 6.2 do Anexo II do AO é taxativo: «quanto ao emprego do hífen nos compostos, locuções e encadeamentos vocabulares se mantém o que foi estatuído em 1945»; ou seja, mantém-se a tradição neste aspecto. Como escrevi em anteriores artigos, alguns autores de vocabulários para o novo AO estão, no meu ponto de vista, a interpretar erradamente o 6.º da Base XV, pois estabelecem que as locuções ligadas por preposição deixam de ter hífenes. Eliminar o hífen nos compostos com preposição é tentar fazer renascer o projecto recusado de 1986, que até taxativamente eliminava os hífenes em *água de colónia.
Quanto a caneleira-de-ceilão, está assim grafada com hífenes no Vocabulário Ortográfico Brasileiro (VOLP) para o novo AO. Ceilão, escrita em minúsculas devido à existência do hífen, figura no composto como um referente indirecto, não um nome próprio. O mesmo se passa com, por exemplo, em bênção-de-deus, registada no texto do AO.
Canela-de-ceilão está igualmente grafada com hífenes no VOLP brasileiro. O critério é o mesmo.
"Canela de ceilão" (sem hífenes) apresenta duas anomalias: Contrariará a tradição, se esta canela puder ser proveniente de outro lugar que não Ceilão (por exemplo, o pinheiro-do-brasil não existe só no Brasil); pois, se é só proveniente de Ceilão, deveria escrever-se canela de Ceilão. Tradicionalmente, apresenta um erro ortográfico, visto, sem o hífen, nada nas normas nos autorizar a grafar Ceilão com minúscula inicial.
Sugerir que a adopção da minúscula no topónimo representa, só por ela, a mudança do sentido particular para o geral no composto, é uma inovação que me custa aceitar. O utente indiscriminado da língua entenderá bem, com a palavra isolada, o sentido geral que se quer dar à escrita do nome próprio, por estar escrito com inicial minúscula? Será essa alternativa, contra a tradição, verdadeiramente uma simplificação em relação à existência dos hífenes?
Canela-de-ceilão, que é um nome, tradicionalmente apresenta-se com a unidade mórfica dada pelo hífen. A existência de várias canelas-de- no VOLP brasileiro, que são espécies botânicas, leva-me a crer que canela-de-ceilão também o seja, e, então, os hífenes são mesmo obrigatórios neste composto, segundo o novo AO.
Outro exemplo do mesmo critério:
No Prontuário – Erros Corrigidos de Português da Texto Editora adoptei tinta-da-china, seguindo a lógica acima, a tradição, ou o 6.º do Anexo II do AO de 1990. A minha linha de rumo: “a tradição naquilo que não for taxativamente mudado no novo AO”, permite-me seguir e recomendar uma orientação coerente, sem entrar nas soluções ousadas daqueles que pretendem ressuscitar o radical projecto de 1986 . Até que seja definitivamente estabelecido um critério final no Vocabulário Comum, previsto pela CPLP para toda a Lusofonia.