Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A palavra Quaresma surge de quadragesima, do latim. Gostaria de saber qual foi o processo que transformou quadragesima em Quaresma. E, na vossa opinião, um período de jejum de 50 dias, como se chamaria?

Resposta:

De facto, o substantivo próprio Quaresma, «período do ano litúrgico católico, que decorre, como preparação penitencial da Páscoa, desde Quarta-Feira de Cinzas» e o substantivo comum quaresma , «planta herbácea, glanduloso-viscosa, de flores brancas, pertencente à família das Saxifragáceas, espontânea em Portugal» e «flor desta planta»1 são no fundo a mesma palavra porque remontam ambos ao latim quadragesĭmam (partem, diem), isto é, «quadragésima parte» e «quadragésimo dia» (ver Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, e Dicionário Houaiss). Na evolução de quadragesĭmam, caíram vários sons no meio da palavra, num fenómeno que se designa tradicionalmente síncope, como se ilustra em (1):

(1) quadragesima(m) > quaragesima > quaraesima ou quaresima

Segundo José Joaquim Nunes (Compêndio de Gramática Histórica Portuguesa, Lisboa, Clássica Editora, pág. 119), a evolução representada em (1) verificou-se no latim vulgar, registo linguístico em que já se dera a queda do -m final que marcava o caso acusativo no latim clássico.

Deve também ter ocorrido a queda do i, do seguinte modo:

(2) quaresima > quaresma

Edwin B. Williams ...

O texto de Ferreira Fernandes é bem sintomático de como actualmente a causa das línguas chamadas minoritárias anda a perder a simpatia da opinião pública. Segundo este jornalista português, as crianças galegas, catalãs, bascas e cabo-verdianas arriscam-se a ficar em desvantagem por serem educadas nas línguas tradicionais das regiões ou países em que vivem. Lendo o texto, parece que é porque os “miúdos” (como diz o jornalista) vão ficar ...

Pergunta:

No vosso site existem várias abordagens sobre a pronúncia correcta de coelho, mas a resposta não é clara.

Para F. V. P. da Fonseca, a pronúncia correcta é “coâilho”, sendo “coêlho” um regionalismo (alentejano). Mas para José Neves Henriques sucede o contrário: “coêlho” é o correcto, e “coeilho”, um regionalismo (lisboeta). Não sei se há diferença entre as fonetizações “coâilho” e “coeilho”, utilizadas nos textos (teistos?).

Seria possível uma terceira pessoa desempatar?

A pronúncia de cerveja será similar, suponho. Outra questão que gostava de colocar é: se a língua evolui para, por exemplo, se dizer “cerveija”, porque é que, em determinada altura, não se passou a grafar ‘ei’? Na escola, aprendi os valores fonéticos das vogais, sendo estas fundamentalmente “abertas” ou “fechadas”, mas creio que não abordámos casos em que uma vogal se lê como se se tratasse de um ditongo.

Resposta:

Creio que os dez anos do Ciberdúvidas, ainda há pouco celebrados, já permitem ver que a norma evolui de facto. A forma com a vogal fechada, isto é, "coêlho", era — e ainda é — considerada como mais correcta, porque era esse o timbre vocálico mais antigo. No entanto, em muitos dialectos portugueses, há a tendência para ditongar essa vogal como um "âi" antes de uma consoante palatal: "coâilho" (coelho), "tâinho" (tenho), "cervâija" (cerveja), "fâicha" (fecha). Na fala lisboeta, que é tida como padrão (por muito controversa que seja esta perspectiva), o referido ditongo passa outra a vez a vogal, mas desta vez como o primeiro "â" de tâmara; temos assim "coâlho" e "tânho".

Que juízo normativo se pode aqui produzir? Durante muito procurou-se identificar uma única pronúncia correcta para cada palavra. Contudo, a expansão das línguas europeias acarretou a diversidade no espaço e a afirmação de normas locais. Por exemplo, no espaço de língua inglesa, contrapôs-se à norma da corte de Londres a norma criada nos Estados Unidos; no Brasil, nasceu um padrão linguístico que se diferenciava do padrão de Portugal. A consciência destes factos levou também a encarar a variação de outra maneira e a falar em normas locais, respeitando-se mais as características dialectais. Esta situação é notória no domínio da pronúncia, e em países como o Reino Unido já se admitem locutores que, dentro de certos limites, muitas vezes não explícitos, mantêm a pronúncia regional.

Actualmente em Portugal, pode-se dizer com alguma segurança que a pronúncia com e fechado, "coêlho", é a mais marcada, ou seja, é uma pronúncia tida como conservadora e como...

Pergunta:

Pode-se dizer que «1001 pessoas» são milhares? Ou só são milhares a partir de 2000 pessoas?

Obrigado.

Resposta:

Só partir de 2000 é que podemos falar de milhares. Aliás, o próprio extenso, «dois milhares», mostra que só a partir deste número é que temos o plural de milhares. É de notar que o uso de milhares sugere uma grande quantidade, pelo que «2 milhares» pode ainda não ser a expressão adequada para transmitir essa ideia.

Pergunta:

Na freguesia onde os meus avós maternos moram, em Portugal, existe um lugar chamado "Estangnhola". Gostaria de saber se a palavra "Estangnhola" quer dizer alguma coisa ou não ou se existem palavras semelhantes a esta que queiram dizer alguma coisa.

Obrigado.

Resposta:

A forma que o topónimo em questão tem é Estanganhola. É um lugar dividido pelas freguesias de São Sebastião e Rio Maior (Centro de Portugal). Sobre a origem deste nome, não encontrámos nenhuma referência no Dicionário Onomástico-Etimológico de José Pedro Machado. No entanto, na Internet pode-se consultar uma página em que se defende que a palavra é um derivado de estanco, «lago, tanque».