Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Afirmou-se no Ciberdúvidas que «posto que» também pode significar «já que», «porque», do que não tenho dúvidas, principalmente se se toma a linguagem falada como testemunha disso. Poder-se-ia pensar que esse significado mais novo de «posto que» (que a mim particularmente não agrada, mas esse é outro assunto) se poderia confundir com «posto isso» equivalente a «embora», eu acredito que não. Vê-se que «posto que» = «porque» rege verbo no indicativo e «posto isso» = «embora» rege verbo no subjuntivo.

Só quis compartilhar com os amigos do Ciberdúvidas esta observação. Obrigado pelo espaço.

Resposta:

Recorremos a F. V. P. da Fonseca, que lembra que também «em Portugal, «posto que» tem sido descrito como locução subordinativa causativa com verbo no indicativo.» Contudo, corpora textuais permitem verificar que «posto que» causativo é posterior a «posto que» concessivo. O Corpus do Português de Mark Davies e Michael J. Ferreira faculta ocorrências de «posto que» com verbo no indicativo, pelo menos, a partir do século XVIII, mas os contextos de «posto que» concessivo são mais antigos, com atestações desde o século XIV.

Pergunta:

Acompanhei a resposta de Carlos Rocha, em 29/02/2008, sobre a indagação de Mário Pena da Silva, referente à pronúncia do verbo adequar no presente do indicativo.

Para explicar a pronúncia, Carlos Rocha conjugou o verbo no referido modo, sendo este o ponto a que me refiro, trazendo uma nova referência para o devido confronto e enriquecimento da discussão.

Segundo Maria Aparecida Ryan, em Conjugação dos Verbos em Português, Editora Ática, São Paulo, Brasil, 1988, pág. 120, o verbo defectivo adequar, no presente do indicativo, só é conjugado nas primeira e terceira pessoas do plural, ou seja: adequamos e adequais.

Resposta:

É verdade que muitos gramáticos consideram que adequar é um verbo defectivo, que se conjuga apenas nas formas arrizotónicas, isto é, nas formas cujo acento tónico recai depois do radical, como são as de 1.ª e 2.ª pessoas do plural:

presente do indicativo: adequamos, adequais

presente do conjuntivo: adequemos, adequeis

imperativo: adequai

O verbo conjuga-se em todos os outros tempos e modos (ver Vasco Botelho do Amaral, Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português, 1952).

Outros gramáticos (por exemplo, Rodrigo Sá Nogueira) eram ou são de opinião de que toda a flexão deste e doutros verbos semelhantes pode e deve ser empregada.

Decidir quem tem razão parece-me um tanto arriscado e até estéril, porque a discussão tem por base aspectos de harmonia sonora (eufonia), de limitada objectividade. Moderado é o parecer da investigadora brasileira Maria Helena de Moura Neves (Guia de Uso do Português, pág. 42); sem negar a importância da descrição tradicional, observa:

«[...] em linguagem informal e em alguns órgãos da imprensa usam-se formas rizotônicas [= acentuadas no radical], especialmente adequa. Com o cursor, você pode escolher o ícone que se adequa ao programa.»

Pergunta:

Li, no Ciberdúvidas, a seguinte mensagem:

«Em virtude do período de Páscoa, Ciberdúvidas só terá nova actualização no dia 9 de Abril. Até lá, pedimos a todos os consulentes que não nos enviem perguntas, até porque precisamos de uma pausa para tratar o grande volume de questões que nos têm chegado.»

Estranho o «que nos têm chegado» final.

Quem chegou: o «grande volume» ou «as questões»? Qual a pessoa correta: tem ou têm?

Penso na dualidade de frases análogas como:

A1: «A maioria das pessoas pensa assim.»

B1: «A maioria das pessoas pensam assim.»

A2: «Metade dos brasileiros gosta de cerveja.»

B2. «Metade dos brasileiros gostam de cerveja.»

A3: «Um grande volume de questões tem chegado a Ciberdúvidas.»

B3: «Um grande volume de questões têm chegado a Ciberdúvidas.»

No meu português, é sempre a alternativa A que está correta. Apreciaria seu parecer.

Obrigado.

Resposta:

A observação que faz tem resposta semelhante à que demos a propósito do uso de número em «número de pessoas». A referência de que é ambígua, dada a possibilidade de tanto «volume» como «questões» constituírem o antecedente desse pronome relativo. Por outras palavras, «que tem chegado» e «que têm chegado» são sequências correctas.

Outra coisa é o uso de volume numa frase simples, isto é, numa frase sem orações subordinadas. Neste caso, o verbo concorda com o núcleo da expressão «volume de questões», ou seja, com volume (o asterisco indica que a frase não é aceitável):

(1)
(a) «O número de questões foi incalculável.»
(b) *«O número de questões foram incalculáveis.»

(2)
(a) «O volume de questões foi incalculável.»
(b) *«O volume de questões foram incalculáveis.»

Como se vê em (1) e (2), o verbo deve concordar sempre com os núcleos das expressões antecedentes, o mesmo é dizer os substantivos número e volume.

Assinale-se, porém, que com expressões cujo núcleo é preenchido por substantivos de valor fraccionário, como metade, não se verifica o mesmo comportamento, porque muitos gramáticos aceitam a concordância com o complemento determinante desses termos:

(3) «Metade dos brasileiros gosta/gostam de cerveja.»

Também no caso de maioria, muitos gramáticos defendem a possibilidade de o predicado concordar com o determinante:

(4) «A maioria das pessoas pensa/pensam assim.»

Pergunta:

Há alguma voz verbal em orações sem sujeito?

Grato.

Resposta:

Depende do que quiser dizer com «orações sem sujeito». Há orações que não têm sujeito explícito, mas que o têm subentendido, fazendo ele parte dos argumentos de verbos transitivos directos; neste caso faz sentido distinguir voz activa de voz passiva:

«Comi uma maçã.» —> «Uma maçã foi comida (por mim).»

Mesmo na construção apassivante, pode-se estabelecer tal contraste de vozes verbais, desde que se usem verbos transitivos directos:

«Comem-se maçãs.» = «Alguém come maçãs.»

Esta equivalência e o facto de verbos intransitivos também serem compatíveis com o pronome se («conduz-se depressa») permitem ao pronome assumir o valor de sujeito indeterminado (esta construção é condenada por vários gramáticos):

«Come-se maçãs.»

Com verbos defectivos (sobretudo, verbos meteorológicos), só se pode falar em voz activa, uma vez que os verbos sem sujeito são também intransitivos: chove, troveja. Deste modo, não é possível construir a voz passiva.

Pergunta:

Na frase «não olhei para ninguém», qual a função sintáctica de «para ninguém»? A dúvida surgiu-nos devido à utilização da preposição, o que levou a diversas interpretações e a várias funções.

Resposta:

Trata-se de um complemento preposicional seleccionado pelo verbo olhar. Refira-se que este verbo tem um complemento que tanto pode assumir a forma de objecto directo («olhou alguém») como ser regido pela preposição para («olhou para alguém»).