Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tenho visto muitas vezes a forma "karaté" e noutra resposta das Ciberdúvidas aparece a sugestão "caraté". No entanto, persiste a dúvida, pois o que ouço pronunciar é um "e" final fechado, como se de francês se tratasse. Sendo o "e" fechado, não devíamos então grafar "caratê"?

Qual será, afinal, a melhor forma?

Obrigado.

Resposta:

Em relação ao português europeu, F. V. P. da Fonseca deu-nos o seguinte parecer: «Julgo que em japonês o e da palavra é aberto, portanto a adaptação portuguesa deve ser caraté. Não se deve confundir com carate, que é o mesmo que quilate

No Brasil, usa-se a forma caratê.

Pergunta:

Gostaria de saber qual a forma correcta de grafar em português: "hai-cai", "haicai", "haikai" ou "haiku"?
Trata-se de uma curta composição poética japonesa (17 sílabas métricas).

Obrigada.

Resposta:

A grafia haikai figura no Dicionário Houaiss, o qual, no entanto, regista também haiku e haicai, sendo esta um claro aportuguesamento assinalado como forma preferível.1 O Dicionário Unesp do Português Contemporâneo acolhe só haicai.

Entre obras publicadas em Portugal, o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, e o Grande Dicionário Enciclopédico Verbo acolhem só haicai, enquanto o Dicionário Universal de Língua Portuguesa apresenta hai-cai. Do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, e do Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, não consta nenhuma forma desta palavra. Seja como for, o próprio Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, consigna haicai.

Em conclusão, já existem aportuguesamentos gráficos feitos de acordo com as ortografias vigentes no Brasil e em Portugal. Além disso, a maior parte das obras consultadas que incluem o termo de origem japonesa prefere ou consagra apenas a forma haicai.

1 Sobre a relação entre haikai e haiku, afirma-se no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa:

«a forma haiku é mais utilizada como transliteração do japonês em línguas como o francês e o inglês, e nos livros especializados japoneses; no português, tanto como em outras línguas ocidentais, o registro mais encontradiço é com a forma haikai

Pergunta:

Qual a forma correta de escrever: «Fulano é fingido», ou «fulano é ficto»?

O verbo fingir tem particípio duplo?

Resposta:

Segundo F. V. P. da Fonseca, «ficto é um antigo particípio, usado, por exemplo, pelo padre Manuel Bernardes, na sua obra Nova Floresta». Note-se, contudo, que actualmente este antigo particípio passado é usado apenas como adjectivo, significando «em que há simulação; falso, inventado, simulado» e tendo, como termo jurídico, o sentido de «tido como verdadeiro por força de presunção legal». Deste modo, o particípio passado de fingir é apenas fingido, não havendo outra forma.

Pergunta:

Por favor, queria saber se a pronúncia correta é "póli" ou "poli" (sem acento). Ex.:

"póligono", ou "poligono"?

"pólivalente", ou "polivalente"

Obrigado.

Resposta:

Em relação ao português europeu, F. V. P. da Fonseca informa-nos de que «a pronúncia correcta é /puli/, e o acento tónico recai nas sílabas li e len». Na pronúncia brasileira, o prefixo poli- é pronunciado geralmente não com o som [u], mas com "o aberto" ou "o fechado", dependendo da variedade regional.

Das duas palavras em apreço, só polígono tem acento gráfico, tanto em Portugal como no Brasil.

Pergunta:

Na página 196 do livro A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, encontrei uma figura de estilo (entre muitas outras) que não estou a conseguir identificar nem analisar em relação à sua expressividade. A figura de estilo é a seguinte: «Já um dia com um grão de sal e de ironia...»

Agradeço desde já a atenção.

Resposta:

Toda a expressão «grão de sal» pode ser metafórica: o sal «dá graça» à comida, isto é, torna-a mais saborosa; logo, «grão de sal» acaba por ser o mesmo que graça ou alegria. Por outro lado, a coordenação de «e de ironia» permite a leitura «grão de ironia», expressão em que grão reforça o seu valor metafórico como sinónimo de «um pouco».