Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Por favor, tenho uma dúvida e gostaria muito de entendê-la. Sei que Suíça é escrito com ç, mas gostaria de saber o porque ela é escrita assim, ou seja, baseada em que regra?

Obrigado.

Resposta:

José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, diz que Suíça tem origem no francês Suisse, que por sua vez é adaptação do alemão Schwyz, nome de um dos cantões suíços.1 Observe-se que, como refere Machado, a forma espanhola é Suiza, com -z-, que é  a representação de um dos sons (uma fricativa interdental) que corresponde historicamente ao som da letra -ç- em português. É estranho que Suíça e Suiza derivem do francês Suisse, porque -ss- francês costuma corresponder a -ss- em português e a -s- em castelhano: Carcassonne (francês)/Carcassona (português)/Carcasona (castelhano). Sugiro que Suíça e Suiza evoluíram de uma outra forma francesa *Suice, cujo -c- seria o modo mais adequado de transliterar o grafema -z da nome suíço-alemão.

1 Daqui evoluiu o nome do estado suíco em alemão-padrão: «(die) Schweiz».

Pergunta:

Cheguei à conclusão de que no Brasil as mulheres usam bolsas (com asas penduradas no ombro). Homens e mulheres colocam o dinheiro nas carteiras. Também há carteiras para documentos. Para os papéis e os documentos usam pastas.

Quando estudam ou fazem desporto, usam mochilas. E levam as compras em sacolas.

Consultei dicionários, enciclopédias, Google Portugal. Gastei imenso tempo e não percebi muito bem o que acontece em Portugal. Podiam fazer a comparação com o português europeu?

Em Portugal, a bolsa pode ser chamada de mala, saco, carteira indiferentemente?

Agradeço imenso a vossa ajuda.

Resposta:

O termo bolsa pode significar em PB e PE:

— saco pequeno onde se guarda dinheiro, que se fecha por meio de cordões;

— dinheiro que esse saco contém ou de que alguém dispõe (ex.: «Adquirir um automóvel está ao alcance de todas as bolsas»);

— carteira de couro, plástico ou outro material, usada pelas mulheres para guardar dinheiro, documentos e outros objectos de uso pessoal (em PE, prefere-se o termo mala);

— saco pequeno com fins utilitários (ex.: «bolsa de tabaco»).

Em PB, pode ainda referir-se a um recipiente feito de couro, pano, plástico ou metal, com ou sem alça, no formato de saco, sacola ou maleta, usado para guardar ou transportar objectos diversos (ex.: «bolsa de curativos», «bolsa de viagem»).

O termo carteira em PE e PB pode significar:

— pequena bolsa, de couro, plástico ou outro material, com divisões, onde se guarda dinheiro, documentos, cartões.

— quadrado de couro, plástico ou outro material, dobrado ao meio, que serve para guardar documentos, cartões, papéis.

— bolsa com ou sem alça, usada pelas senhoras para transportar o porta-moedas, lenços e outros pequenos objectos (refere o mesmo que o termo «malinha de mão»).

De acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o termo carteira em PE pode ainda significar «bolsa de mulher».

O termo mala refere, em PE e PB, o seguinte:

— caixa, geralmente rectangular, fechada, de couro, plástico, lona, utilizada para transporte de roupas, objectos...

Pergunta:

Tenho a dúvida da palavra pen drive. Qual é o género a que a palavra pertence?

Como sabem, é uma palavra inglesa, que já se interiorizou na mente dos falantes da língua portuguesa.

Costumo dizer assim para mim: «A pen drive», e não «o pen drive».

Gostaria de saber qual é o uso adequado.

Resposta:

O termo português para pen drive (ou pendrive) é simplesmente caneta. No Brasil, o anglicismo é usado sobretudo como substantivo masculino (cf. iDicionário Aulete, que o regista sob forma hifenizada, pen-drive). Em Portugal, emprega-se comummente pen, no género feminino, certamente porque está consagrada a associação à palavra caneta.

Pergunta:

Reparei, outro dia, no slogan de uma determinada marca de champô, que diz o seguinte: «Cabelos secos, com tendência a ganhar jeitos?» A minha dúvida coloca-se na maneira como está conjugado o verbo ganhar. Será que não devia ser «Cabelos secos, com tendência a ganharem jeitos?» O sujeito da frase está no plural («cabelos»), portanto o verbo deveria concordar com o mesmo, certo?

Esclareçam-me, por favor.

Obrigada e parabéns pelo sítio na Internet!

Resposta:

O infinitivo precedido da preposição a e com valor descritivo (infinitivo de narração; ver Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 483) pode não concordar com a expressão nominal a que se refere:

«Meus criados e vassalos
Por essa torre a dormir
Nem de nosso anor suspeitam,
nem o podem descobrir.»

(Almeida Garrett, ibidem)

Vemos nestes versos de Garrett o partido que se tirou da possibilidade de não haver concordância («a dormir», em vez de «a dormirem»), justamente para permitir a rima.

Mas, sublinhe-se, o emprego do infinitivo flexionado com intenção descritiva é perfeitamente gramatical, como, aliás, Evanildo Bechara o atesta (Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, Editora Lucerna, pág. 284), ao tratar daquilo a que ele chama "infinitivo histórico ou de narração":

«E os médicos a insistirem que saísse de Lisboa» (Júlio Dinis)

Agradecemos as palavras finais.

 

Pergunta:

Gostaria de saber a origem do sobrenome Lima.

Resposta:

Antes de se fixar como apelido, Lima terá sido aplicado inicialmente a pessoas provenientes da região do Lima (Limia em castelhano e galego), rio que nasce no Sul da Galiza (Espanha) e encontra a sua foz na costa do Minho (Norte de Portugal). Trata-se de um nome de origem pré-romana, cuja raiz se liga aos topónimos Lemos (Monforte de Lemos, na Galiza) e Lamego (Portugal). Note-se que não tem que ver com a capital do Peru, Lima, que evoluiu do nome do rio que passa pela cidade, o Rimac (ver José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa e Fernando Cabeza Quiles, Os Nomes de Lugar, Vigo, Edicións Xerais de Galicia, pág. 239/240).