Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como ensinar crianças do 1.º e 2.º CEB [ciclo do ensino básico, em Portugal] as normas de orientação para a conjugação do mais-que-perfeito (em qualquer modo e tempo) e do modo conjuntivo em qualquer tempo? É suposto relacionar com a expressão que os pode anteceder como: «se eu...» ou «que eu...»?

Resposta:

Embora o pretérito mais-que-perfeito do indicativo simples seja pouco usado, substituindo-se pelo pretérito mais-que-perfeito-composto, compreendemos que tenha de ser ensinado. Este tempo indica uma acção que ocorreu antes de outra já passada. Por se chamar pretérito, refere-se, naturalmente, ao passado.

A melhor forma de abordagem é:

1.º — Fazer ver aos meninos que, em qualquer língua, há só três referências, no que concerne à noção de tempo: passado, presente e futuro.

2.º — Referir que a palavra pretérito significa «passado».

3.º — Ajudar os meninos a reportar-se a alguns acontecimentos que já ocorreram.

4.º — Tentar sempre explicar as situações através de exemplos simples, em contextos que os meninos captem com facilidade.

Para este caso particular, por exemplo:

a) «Ontem, a professora explicou os tempos dos verbos durante muito tempo; o assunto tornara-se [pode substituir-se por «tinha-se tornado»] tão aborrecido, que alguns meninos adormeceram.»

— perguntar que acções se relatam neste exemplo e analisar que acção ocorreu primeiro e que acção ocorreu a seguir.

b) «No domingo passado, quando a minha avó chegou para me visitar, eu ainda não tinha acordado [a forma acordara raramente se usa em linguagem corrente].»

Referir que, na linguagem literária (histórias, contos, romances) é a forma simples deste tempo que se usa mais, para indicar um facto vagamente situado no passado («... a princesa fora abandonada e ficara caída no meio da floresta...»; no dia-a-dia, substituímos pelo pretérito imperfei...

Pergunta:

A minha dúvida é a seguinte: o índice superior de uma abreviatura só pode ser escrito no singular ou pode ser escrito no plural? Por exemplo, escreve-se 4.º e 5.º anos ou escreve-se 4.os e 5.os anos? (leia-se as letras "os" como índice superior).

Gostaria de frisar a utilidade do site Ciberdúvidas e de felicitar as pessoas que, competentemente, para ele trabalham.

Obrigada.

Resposta:

Pode ser escrito no plural... se houver meios para isso ou se for prático. Normalmente, se o ordinal é plural, a sua representação abreviada terá a seguinte forma:

4.os, 5.os

Contudo, a ausência do s em índice superior nos teclados de computador acarreta, por exemplo, num programa de processamento de texto, algumas operações que se revelarão pouco práticas para os menos pacientes.

Pergunta:

Qual a origem do apelido Botas?

Resposta:

Segundo José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), o {#apelido|sobrenome} Botas tem origem no plural do substantivo comum bota e encontra-se atestado desde 1402. Esta é também a forma que ocorre como topónimo em várias regiões de Portugal (Alcobaça, Armamar, Elvas, Felgueiras, Gouveia, Lagoa, Vila Franca de Xira), mas Machado (idem) não tem certezas sobre a relação de todos estes casos com bota.

Cabe então observar: sem excluir a hipótese de Botas se ter tornado apelido a partir de uma alcunha, mas sabendo que muitos apelidos têm origem em nomes de lugar (Gouveia, Melo, Lemos), talvez a ligação do apelido Botas a bota não seja assim tão segura, porque primeiro temos de considerar a origem do topónimo Botas. Além disso, haverá alguma afinidade com Boticas (Trás-os-Montes, Portugal)?

Pergunta:

Qual a flexão de gênero da palavra periquito?

Resposta:

No português europeu, pode usar-se periquita, mas, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, esta forma feminina é palavra obscena designativa da vulva no Norte e no Nordeste do Brasil. Assim, havendo o perigo de ferir susceptibilidades, é aconselhável empregar os adjetivos macho e fêmeo (este, para observar a concordância com periquito, substantivo masculino) ou os substantivos macho e fêmea, precedidos de hífen: periquito macho e periquito fêmeo; periquito-macho e periquito-fêmea (cf. idem, artigos sobre macho e fêmea).

Pergunta:

Qual a origem do nome desta vila do distrito de Vila Real?

Resposta:

José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa) faz remontar Mesão ao latim mansione, e Frio, não ao latim frigidu-, mas ao germânico frithu, «paz», argumentando que não «faria sentido que um estabelecimento de protecção e de bom acolher do viajante fosse, de princípio, "casa fria"».

A. de Almeida Fernandes (Toponímia Portuguesa, Associação para a Defesa da Cultura Arouquense, 1999, págs. 422/423) refuta esta hipótese:

«[...] o que o topónimo significa era albergue rudimentar sem lar aceso, "frio": o viandante é que teria de prover contra isso no abrigo. Além disso, não consta que o vocábulo germânico tivesse sido usado entre nós fora da antroponímia: isto é, foi-o nesta somente, como elemento de composição. [...] O próprio carácter rudimentar do "mesão" no caso se atesta no sentido que assumiu "meijão" (outra forma do top., Meijão Frio bem provado), como arribana em pastagens na serra de Arga, etc. E, de resto, casa de paz é que uma albergaria não poderia, em geral, ser, acolhendo gente de toda a casta, boa e má. Até por aqui cinca a ideia do autor [Machado], de "casa de paz" em vez de "casa fria". Isto não quer dizer que um "mesão frio" não evoluísse a albergaria notável: assim Albergaria-a-Velha tem essa origem [...]. Compreende-se.»