Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Embora em 24/01/2002 tenha sido respondido que o plural de sacristão é sacristães e isso surja em Lindley Cintra como exemplo dessa terminação (mas sem exlusão de outra, possivelmente por não haver necessidade de dar mais exemplos), há outros autores, como os do Grupo de Linguagem Natural do INESC (Diana Santos, Anabela Barreiro, Maria de Jesus Pereira), ou o Houaiss, que admitem o plural duplo sacristãos/sacristães. Além disso, sendo um composto de cristão, que tem o plural cristãos e o feminino cristã, julgo que tem todo o sentido ser sacristãos e sacristã, embora se admita sacristães por uma certa tradição popular. Lembro, também, que, em latim, seria sacristanum, o que leva à terminação do plural -ãos, de acordo com as regras de formação do mesmo.

Resposta:

O que diz está certo, e é verdade que a norma já acolheu formas que eram menos aceitáveis do ponto de vista etimológico. Por outras palavras, aceitam-se palavras terminadas em -ão que têm dois plurais, um etimológico, e outro que se impôs pela tradição, frequentemente por fenómenos de analogia ou convergência.

Pergunta:

Vi as vossas respostas relacionadas com a questão reserva o direito/reserva-se o direito, mas não estou satisfeito com elas.

Digam-me, por favor, como devo traduzir para português o seguinte início de frase em inglês: «XPTO reserves the right to change product features...»

Eu acredito que a seguinte forma é a correcta:

«A XPTO reserva o direito de alterar as características dos produtos...»

No entanto, as vossas respostas parecem indicar que o correcto seria dizer «A XPTO reserva-se o direito de alterar as características dos produtos...»

A XPTO não se está a reservar-se a si própria, nem pretende dizer explicitamente que está a reservar o direito para si própria (isso deve estar apenas implícito, dado que proporciona vários subterfúgios legais que as empresas consideram ser muito úteis). Quanto ao reservar o direito para si própria, também não vejo como a conjugação reflexa "reserva-se" (dado que o sujeito está imediatamente antes) poderia significar «reserva para si».

Sem sujeito/nome, não há dúvidas. A forma correcta é «Reserva-se o direito de admissão», por exemplo.

Obrigado.

Resposta:

No sentido de «atribuir», o verbo reservar é bitransitivo, isto é, selecciona um complemento directo e um complemento indirecto: «O Estado reserva aos pais o direito de intervirem nas escolas.» O verbo em apreço torna-se também reflexo quando a entidade que atribui (o sujeito) é também o beneficiário da atribuição (o complemento indirecto); daí «O Estado reserva-se o direito de intervir nas escolas» (atenção: não confundir esta construção com as construções de se apassivante ou impessoal). Há também a possibilidade de usar um complemento preposicional introduzido por para em lugar do complemento indirecto: «O Estado reserva para os pais o direito de intervirem nas escolas»; «O Estado reserva para si o direito de intervir nas escolas.»1

De qualquer modo, a expressão «reservar-se o direito» já ganhou foros de expressão fixa, como se pode verificar pelo seu registo no Novo Dicionário Lello Estrutural, Estilístico e Sintáctico da Língua Portuguesa e no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa.

1 Sobre para em constituintes sintácticos que exprimem o beneficiário ou destinatário, ler a resposta Ainda a análise sintáctica de «Portugal é um país acolhedor para Ucranianos».

Pergunta:

Me deparei com uma frase que emprega os dois-pontos, e o sentido ficou obscuro pra mim, a frase é um verso da bíblia na versão Almeida revista e corrigida de 94, e a frase em questão é a seguinte:

«Ou cuidais vós que em vão diz a Escritura: O Espírito que em nós habita tem ciúmes?»

Minha dúvida é se o ponto de interrogação no fim da frase se refere a toda ela ou apenas ao período que vem depois dos dois-pontos. Disso, creio, depende a interpretação correta do sentido do texto. Se válido para toda a frase, implica em que o Espiríto em questão tem ciúme, e se válida a interrogação apenas para o que vem após os dois-pontos, esse período seria uma pergunta retórica sem necessidade de resposta.

Qual seria a forma correta de se interpretar essa frase?

Resposta:

Trata-se de um caso em que não há uma solução satisfatória, porque, por um lado, há a necessidade de marcar a entoação da frase introdutória, que é interrogativa, e, por outro, a frase citada é de tipo declarativo. O que se faz é pôr o ponto de interrogação no final de toda a sequência, fazendo inserir aspas entre o princípio e o fim da citação. Deste modo, a frase deverá ter o seguinte aspecto:

Ou cuidais vós que em vão diz a Escritura: «O Espírito que em nós habita tem ciúmes»?

Note-se que o ponto de interrogação está fora das aspas e indica assim que abrange toda a sequência gráfica que corresponde à frase. Acresce que outras soluções serão possíveis, sobretudo em edições mais antigas do texto bíblico.

Pergunta:

Gostaria de saber se a palavra "substitutibilidade" existe em português, porque não a consegui encontrar em nenhum dos dicionários que consultei. No entanto, parece-me ser um termo correcto para caracterizar algo que pode ser substituído, por exemplo: «Não sendo produtos substitutos, o grau de substitutibilidade entre obrigações e depósitos a prazo é elevado.»

 

Resposta:

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (versão brasileira) regista o adjectivo substituível, «que pode ser substituído», e, na entrada do antepositivo substitui-, a forma adjectival substitutível, com o mesmo significado. Nada impede que destes adjectivos se formem substituibilidade e um substantivo que está incluído entre as palavras constituídas por substitui-, substitubilidade. Estes termos significam, pois, «possibilidade de ser substituído».

Pergunta:

"Ifigênia", ou "Efigênia"?

Muito obrigado.

Resposta:

O Dicionário Onomástico Etimológico, de José Pedro Machado, acolhe as formas Ifigénia e Efigénia. Sobre a segunda forma, diz que se trata de «grafia inexacta, mas corrente, de Ifigénia».

Trata-se de um nome de origem grega — Iphigéneia — que passou ao português por intermédio do latim Iphigēnia e que significa «nascida forte». É o nome de uma figura da mitologia grega, acerca da qual o Dicionário Grego-Português e Português-Grego (Porto, Livraria Apostolado da Imprensa), de Isidoro Pereira, explica o seguinte:

«[...] filha de Agamémnon e de Clitmnestra, foi sacrificada por seu pai a Diana para obter ventos favoráveis que conduzissem os gregos a Tróia. Substituída Ifigénia por uma cabra, Diana levou-a para Táuride onde a fez sua sacerdotisa.»