Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Espero que vocês enviem suas considerações ou simplesmente uma aprovação quanto às minhas considerações sobre voz verbal. É breve.

1 – Há voz verbal em verbos intransitivos, transitivos diretos, transitivos indiretos e transitivos diretos e indiretos.

2 – Não há voz verbal se o verbo for de ligação, pois este indica estado, não ação; só há voz verbal, pois, se o verbo não indicar estado ou se não for impessoal.

3 – Quando os verbos forem intransitivos e transitivos indiretos (exceto, obedecer, desobedecer...), só haverá voz ativa, pois não há possibilidade de transposição para a voz passiva.

4 – Se os verbos forem depoentes, há voz verbal ativa e passiva.

Por favor, conto com sua ajuda. Abraço.

Resposta:

Segundo o Dicionário Prático para o Estudo do Português (Porto, Porto Editora, 2003), de Olívia Maria Figueiredo e Eunice Barbieri de Figueiredo, «só os verbos transitivos directos podem empregar-se na voz passiva». Isto parece implicar que todos os outros verbos só têm voz activa, incluindo os de ligação.

No entanto, é verdade que os verbos que ligam um sujeito a um predicativo não se reportam a acções mas, sim, a estados, pelo que parece uma falta de rigor atribuir-lhes a voz activa. Se assim é, então também não terá sentido falar em voz activa a propósito de um verbo intransitivo estativo como jazer ou de outro, também intransitivo, como desmaiar, que representa um evento não controlado por um agente (é estranho que se diga «X desmaiou deliberadamente»).

Pelo que posso concluir da consulta de várias gramáticas, as vozes activa e passiva são solidárias, como característica dos verbos transitivos. Dizem João Andrade Peres e Temo Móia, em Áreas Críticas da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 210):

«[...] a possibilidade de construção de pares de frases activa/passiva é limitada e depende crucialmente dos verbos, já que nem todos suportam a voz passiva. Foi esta dependência relativamente aos verbos que levou a tradição gramatical greco-latina a quase sempre explicar a oposição de que estamos a ocupar-nos em termos morfológicos — falando da voz activa e da voz passiva da conjugação verbal —, mais que em termos sintácticos, isto é, em termos de estrutura frásica. Aos verbos que admitem construção passiva chamou [a tradição gramatical greco-latina] verbos transitivos (porque, na perspectiva aí perfilhada, se entendia que eles podiam «transitar da voz activa para a voz passiva)».

Pergunta:

Em primeiro lugar, agradeço a preciosa ajuda deste sítio, ao qual recorro com frequência na minha profissão.

Tenho algumas dúvidas quanto aos plurais de algumas espécies de baleias. Por exemplo, temos as baleias-anãs e as baleias-piloto. Peço que me elucidem acerca da formação do plural destas palavras e também em relação ao uso do hífen. Por exemplo, quando são baleias-piloto de barbatana curta, devo usar o hífen na última parte da designação?

Muito agradecida pelo esclarecimento.

 

Resposta:

As formas dicionarizadas têm hífen: baleia-anã e baleia-piloto (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). Os respectivos plurais são baleias-anãs e baleias-pilotos ou baleias-piloto (idem). Em relação a «baleia-piloto de barbatana curta», não está esta designação dicionarizada, mas, se se trata de uma subespécie, podem usar-se tantos hífenes quantos os necessários, como acontece em baleia-de-bico-de-cuvier (idem). Sendo assim, é aceitável escrever baleia-piloto-de-barbatana-curta.

Pergunta:

Em resposta à questão do consulente Heitor Cominato sobre a designação do símbolo §, o consultor F. V. P. da Fonseca respondeu “sinal de parágrafo”. E o sinal , como se designa? Esse símbolo tem alguma aplicação particular em português?

Resposta:

Ao que sei, no mundo académico, entre filólogos, o sinal em questão costuma designar-se caldeirão. Este sinal era usado, por exemplo, nos documentos notariais, para marcar a mudança de assunto ou para diferenciar entre tópicos discursivos. Podia ser acompanhado da palavra latina item, que em tal contexto significava «também». Em inglês, o sinal é conhecido como pilcrow, e serve para marcar parágrafos.

Pergunta:

Qual a origem da expressão «passar as passinhas do Algarve»?

Resposta:

Não pude encontrar uma explicação histórica para a expressão, mas parece-me plausível que ela se tenha formado do seguinte modo:

a) o Algarve é uma região portuguesa conhecida pela qualidade dos seus frutos secos, pelo que passa por excelência é a do Algarve;

b) uma passa de uva foi exposta ao calor e à intempérie, pelo que se adequa a ser usada metaforicamente em lugar das palavras sofrimento ou vicissitude;

c) há, aparentemente, uma repetição sonora e até certa redundância em «passar as passas», o que se traduz no reforço ou na enfatização do verbo passar, como sinónimo de sofrer, aguentar, «atravessar com dificuldade» (daí passamento, no sentido de «morte»).

Deste modo, a expressão* sugere a ideia de uma enorme provação, da passagem de um mau momento, que é comparado ao próprio processo de produção de uma uva passa.

 

* Usada, mais habitualmente, sem o diminutivo::«Passar as passas do Algarrve»

Pergunta:

Se os nomes das moedas dos diversos países do mundo são nomes próprios, como cuido, então por que se escrevem com inicial minúscula? Não haveria aí uma impropriedade na ortografia nossa?

Muito obrigado.

Resposta:

As designações das moedas não são consideradas nomes próprios, pelo menos para efeitos da aplicação de maiúscula, quer no Formulário Ortográfico de 1943, em vigor no Brasil, quer no Acordo Ortográfico de 1945, ainda prevalecente em Portugal. No Acordo Ortográfico de 1990 (AO90), esses nomes continuarão a escrever-se com minúscula.

Quanto a saber se os nomes das moedas são ou não substantivos próprios, a pergunta relaciona-se com outras situações em que parece haver certa margem de ambiguidade, por exemplo, na classificação dos chamados cronónimos. Neste tipo de designações, há séries vocabulares cujos elementos são considerados substantivos comuns tanto em Portugal como no Brasil se atendermos ao facto de terem minúscula inicial: é o caso dos dias da semana. Já os nomes dos meses têm sido usados com minúscula inicial no Brasil, mas com com maiúscula inicial em Portugal, embora se preveja que a minúscula inicial se imponha devido à adoção do AO90.

Evanildo Bechara considera que os conónimos e outros substantivos são nomes comuns (Moderna Gramática Portuguesa, 2002, págs. 113/114):

«[Os nome lua, sol, fevereiro, segunda-feira, papa] [...] patenteiam que há substantivos comuns que são nomes individualizados, não como nomes próprios, mas pelo contexto extralinguístico e pelo nosso saber que nos diz que, no contexto "natural" nosso só uma lua, um sol, um mês fevereiro, e um só dia da semana segunda-feira,...