Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se o termo «direito autoral» encontra respaldo no vocabulário do português de Portugal.

Já li respostas conflituantes no vosso site onde se admite o uso do adjectivo autoral, até mesmo autorial. EM 10 de Janeiro do corrente ano, CM responde com citação do dicionário eletrónico Houaiss, resposta que não me convence por se tratar de dicionário brasileiro.

Particularmente utilizo «direitos autorais», como variante de «direitos de autor», mas encontro sempre objecções por bandas lusitanas. Gostaria de uma resposta convincente sobre a possibilidade do uso em Portugal para poder dissipar qualquer erro futuro na minha escrita.

Resposta:

O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa, publicado em Portugal em 2001, regista autoral, no sentido de «relativo a autor»; a palavra está ainda atestada no mesmo dicionário pela expressão «direitos autorais». Não sei qual é a argumentação de quem diz ao consulente que autoral é desaconselhável; eu não lhe vejo problema nenhum. Admito, porém, que autorial seja encarado com relutância, porque é o aportuguesamento do inglês auctorial (cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

Pergunta:

Dado que as regras de translineação do português e do inglês são diferentes (nesta última a base da translineação é a formação das palavras e não simplesmente silábica), fico por vezes em dúvida sobre que regra aplicar quando surgem termos ingleses num texto português. Por exemplo, será que, num texto em português, a palavra marketing deverá ser translineada assim: "mar-ke-ting", ou "mar-ket-ing" (de acordo com a formação da palavra em inglês)?

Agradeço qualquer ajuda que me possam dar.

Resposta:

A pergunta que faz é extremamente pertinente e não encontra resposta nos prontuários que consultei. Mas considero que é recomendável a translineação à portuguesa, uma vez que é possível separar a palavra em sílabas gráficas: "mar-ke-ting". No caso de grafemas geminados (bottle, hatter), poder-se-á seguir o mesmo critério que se aplica a <ss> e <rr>, ou seja, separá-los: "bot-tle".

Pergunta:

Agradeço que me informem, e porquê, sobre se o verbo constar tem sujeito, ou se é um verbo impessoal transitivo sem sujeito.

Resposta:

O verbo constar é normalmente um verbo intransitivo e rege a preposição de; outros gramáticos preferem classificá-lo como verbo transitivo indirecto, seleccionando um complemento preposicionado.

Considera-se este verbo um verbo unipessoal, visto que, pelo seu sentido, costuma admitir um sujeito da 3.ª pessoa do singular ou do plural.

Pode ter significados diferentes, conforme os contextos.

Por exemplo:

1 — «consistir em», «figurar em»:

a) — «a peça consta de três partes»; «a refeição consta de sopa, um prato de peixe e sobremesa» = «... consiste (em)...»

b) — «esses nomes não constam da lista de aposentados» = «... não  figuram (em)...»

2 — O verbo também pode ter o significado de: «dizer-se», «ser dado como certo», «chegar ao conhecimento de alguém sem ter sido comprovado». Neste caso, emprega-se com oração subordinada completiva com a função de sujeito e, opcionalmente, com um complemento indirecto.

Praticamente tem o significado de «diz-se».

Exemplos:

«Consta que vai haver remodelação na Administração»; «essa novidade constou ontem na empresa»; «não me consta que tenhamos de passar a picar o ponto».

Verbos impessoais são os que não têm sujeito. Por exemplo: o verbo haver na acepção de «existir» («houve momentos de grande emoção»); o verbo fazer quando indica tempo decorrido («faz hoje sete anos que ela partiu»); chover, anoitecer, etc.

Pergunta:

Querendo a Lusa passar a escrever sempre o nome da capital do Tibete pela forma recomendada em português, pedia ao Ciberdúvidas um esclarecimento, uma vez que nos despachos que recebemos das agências internacionais vem sempre "Lhasa".

Resposta:

A grafia portuguesa da capital do Tibete é Lassa.

É assim que o nome vem registado nas obras de referência da língua portuguesa, e há muito tempo. Casos do Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves (ainda hoje a nossa referência maior, e a despeito da sua nunca reedição/actualização, infelizmente) ou do Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado. Ou, igualmente, na Enciclopédia Luso-Brasileira e no Dicionário Enciclopédico Lello.

“Lhasa” é a grafia inglesa e francesa, indicando um som aspirado que não é possível transliterar em português, já que o dígrafo <lh> é sempre um som palatalizado. Os dois <ss> da grafia portuguesa permitem indicar que o som a eles associado (no caso da transliteração internacional, representado por <s>) é surdo (é o [s] de caça e massa).

Pergunta:

Na realidade, esta talvez não seja uma dúvida específica de língua portuguesa, pois pode apenas reflectir uma dúvida do castelhano na tradução do árabe. Refiro-me ao género do nome próprio Alhambra (o conjunto monumental em Granada, Espanha). Tenho visto escrito das duas formas e gostava de saber se alguma é mais correcta. Obrigado.

Resposta:

José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, regista a forma castelhana Alhambra, que é também corrente em enciclopédias e dicionários enciclopédicos portugueses (ver Grande Dicionário Enciclopédico Verbo), mas remete-a para Alambra, cuja grafia é preferível. Machado observa que «em Portugal emprega-se este vocábulo com certa frequência no género feminino, mas sem esquecer a do masculino».

No contexto do Acordo Ortográfico de 1945, Rebelo Gonçalves, no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), aceita apenas a forma Alambra e o seu uso no género feminino. Como a palavra árabe original é al-hamrâ, «a (cidade) vermelha», ao que parece no feminino (ver Machado), será este então o género mais adequado em português.