Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Li algo parecido no site quanto a minha dúvida, mas não entendi, logo faço minha pergunta ainda. Tanto em «O homem comprou um carro e, dois dias depois, uma casa» e «O jovem estava doente e com vários
furúnculos», há duas orações em cada frase (uma delas elíptica) ou não? Quando posso afirmar que numa frase há duas orações, ou mais, e uma delas elíptica?

Obrigado.

Resposta:

Os casos que apresenta resultam de alguma ambiguidade que é inerente às estruturas de coordenação. No primeiro caso, a ocorrência de «dias depois» permite inferir duas acções de compra diferentes, separadas por um intervalo de tempo pelo que podemos considerar que há a elipse do verbo em «e, dias depois, uma casa», tornando esta sequência uma oração. Mas na frase seguinte, «O jovem estava doente e com vários furúnculos», a interpretação da estrutura de coordenação remete mais para a intensificação do mesmo estado de enfermidade de um mesmo sujeito; deste modo, considerar-se-á a existência de uma única oração. Isto não quer dizer que em estruturas de coordenação de predicativos do sujeito complexos não se possa sempre dizer que há uma oração elíptica: «o jovem estava doente e (estava) com vários furúnculos.»

Pergunta:

Como ensinar crianças do 1.º e 2.º CEB [ciclo do ensino básico, em Portugal] as normas de orientação para a conjugação do mais-que-perfeito (em qualquer modo e tempo) e do modo conjuntivo em qualquer tempo? É suposto relacionar com a expressão que os pode anteceder como: «se eu...» ou «que eu...»?

Resposta:

Embora o pretérito mais-que-perfeito do indicativo simples seja pouco usado, substituindo-se pelo pretérito mais-que-perfeito-composto, compreendemos que tenha de ser ensinado. Este tempo indica uma acção que ocorreu antes de outra já passada. Por se chamar pretérito, refere-se, naturalmente, ao passado.

A melhor forma de abordagem é:

1.º — Fazer ver aos meninos que, em qualquer língua, há só três referências, no que concerne à noção de tempo: passado, presente e futuro.

2.º — Referir que a palavra pretérito significa «passado».

3.º — Ajudar os meninos a reportar-se a alguns acontecimentos que já ocorreram.

4.º — Tentar sempre explicar as situações através de exemplos simples, em contextos que os meninos captem com facilidade.

Para este caso particular, por exemplo:

a) «Ontem, a professora explicou os tempos dos verbos durante muito tempo; o assunto tornara-se [pode substituir-se por «tinha-se tornado»] tão aborrecido, que alguns meninos adormeceram.»

— perguntar que acções se relatam neste exemplo e analisar que acção ocorreu primeiro e que acção ocorreu a seguir.

b) «No domingo passado, quando a minha avó chegou para me visitar, eu ainda não tinha acordado [a forma acordara raramente se usa em linguagem corrente].»

Referir que, na linguagem literária (histórias, contos, romances) é a forma simples deste tempo que se usa mais, para indicar um facto vagamente situado no passado («... a princesa fora abandonada e ficara caída no meio da floresta...»; no dia-a-dia, substituímos pelo pretérito imperfei...

Pergunta:

A minha dúvida é a seguinte: o índice superior de uma abreviatura só pode ser escrito no singular ou pode ser escrito no plural? Por exemplo, escreve-se 4.º e 5.º anos ou escreve-se 4.os e 5.os anos? (leia-se as letras "os" como índice superior).

Gostaria de frisar a utilidade do site Ciberdúvidas e de felicitar as pessoas que, competentemente, para ele trabalham.

Obrigada.

Resposta:

Pode ser escrito no plural... se houver meios para isso ou se for prático. Normalmente, se o ordinal é plural, a sua representação abreviada terá a seguinte forma:

4.os, 5.os

Contudo, a ausência do s em índice superior nos teclados de computador acarreta, por exemplo, num programa de processamento de texto, algumas operações que se revelarão pouco práticas para os menos pacientes.

Pergunta:

Qual a origem do apelido Botas?

Resposta:

Segundo José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa), o {#apelido|sobrenome} Botas tem origem no plural do substantivo comum bota e encontra-se atestado desde 1402. Esta é também a forma que ocorre como topónimo em várias regiões de Portugal (Alcobaça, Armamar, Elvas, Felgueiras, Gouveia, Lagoa, Vila Franca de Xira), mas Machado (idem) não tem certezas sobre a relação de todos estes casos com bota.

Cabe então observar: sem excluir a hipótese de Botas se ter tornado apelido a partir de uma alcunha, mas sabendo que muitos apelidos têm origem em nomes de lugar (Gouveia, Melo, Lemos), talvez a ligação do apelido Botas a bota não seja assim tão segura, porque primeiro temos de considerar a origem do topónimo Botas. Além disso, haverá alguma afinidade com Boticas (Trás-os-Montes, Portugal)?

Pergunta:

Qual a flexão de gênero da palavra periquito?

Resposta:

No português europeu, pode usar-se periquita, mas, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, esta forma feminina é palavra obscena designativa da vulva no Norte e no Nordeste do Brasil. Assim, havendo o perigo de ferir susceptibilidades, é aconselhável empregar os adjetivos macho e fêmeo (este, para observar a concordância com periquito, substantivo masculino) ou os substantivos macho e fêmea, precedidos de hífen: periquito macho e periquito fêmeo; periquito-macho e periquito-fêmea (cf. idem, artigos sobre macho e fêmea).