Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Querendo a Lusa passar a escrever sempre o nome da capital do Tibete pela forma recomendada em português, pedia ao Ciberdúvidas um esclarecimento, uma vez que nos despachos que recebemos das agências internacionais vem sempre "Lhasa".

Resposta:

A grafia portuguesa da capital do Tibete é Lassa.

É assim que o nome vem registado nas obras de referência da língua portuguesa, e há muito tempo. Casos do Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves (ainda hoje a nossa referência maior, e a despeito da sua nunca reedição/actualização, infelizmente) ou do Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado. Ou, igualmente, na Enciclopédia Luso-Brasileira e no Dicionário Enciclopédico Lello.

“Lhasa” é a grafia inglesa e francesa, indicando um som aspirado que não é possível transliterar em português, já que o dígrafo <lh> é sempre um som palatalizado. Os dois <ss> da grafia portuguesa permitem indicar que o som a eles associado (no caso da transliteração internacional, representado por <s>) é surdo (é o [s] de caça e massa).

Pergunta:

Na realidade, esta talvez não seja uma dúvida específica de língua portuguesa, pois pode apenas reflectir uma dúvida do castelhano na tradução do árabe. Refiro-me ao género do nome próprio Alhambra (o conjunto monumental em Granada, Espanha). Tenho visto escrito das duas formas e gostava de saber se alguma é mais correcta. Obrigado.

Resposta:

José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, regista a forma castelhana Alhambra, que é também corrente em enciclopédias e dicionários enciclopédicos portugueses (ver Grande Dicionário Enciclopédico Verbo), mas remete-a para Alambra, cuja grafia é preferível. Machado observa que «em Portugal emprega-se este vocábulo com certa frequência no género feminino, mas sem esquecer a do masculino».

No contexto do Acordo Ortográfico de 1945, Rebelo Gonçalves, no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), aceita apenas a forma Alambra e o seu uso no género feminino. Como a palavra árabe original é al-hamrâ, «a (cidade) vermelha», ao que parece no feminino (ver Machado), será este então o género mais adequado em português.

Pergunta:

Gostaria de saber a origem do apelido Bordalo.

Resposta:

José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, regista Bordalo como apelido derivado de uma antiga alcunha criada a partir do substantivo masculino bordalo, «peixe de água doce». Os topónimos portugueses Bordalo (Coimbra, Gavião) e Bordalos (Avis e Estremoz) terão origem no apelido em apreço.

Pergunta:

Gostaria de saber a origem do meu apelido, Matreno.

Resposta:

José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, aventa a hipótese de o apelido Matreno ter sido uma antiga alcunha, aplicada a alguém oriundo de Matrena. Este substantivo próprio designa um lugar na zona de Tomar (Portugal).

Pergunta:

Espero que vocês enviem suas considerações ou simplesmente uma aprovação quanto às minhas considerações sobre voz verbal. É breve.

1 – Há voz verbal em verbos intransitivos, transitivos diretos, transitivos indiretos e transitivos diretos e indiretos.

2 – Não há voz verbal se o verbo for de ligação, pois este indica estado, não ação; só há voz verbal, pois, se o verbo não indicar estado ou se não for impessoal.

3 – Quando os verbos forem intransitivos e transitivos indiretos (exceto, obedecer, desobedecer...), só haverá voz ativa, pois não há possibilidade de transposição para a voz passiva.

4 – Se os verbos forem depoentes, há voz verbal ativa e passiva.

Por favor, conto com sua ajuda. Abraço.

Resposta:

Segundo o Dicionário Prático para o Estudo do Português (Porto, Porto Editora, 2003), de Olívia Maria Figueiredo e Eunice Barbieri de Figueiredo, «só os verbos transitivos directos podem empregar-se na voz passiva». Isto parece implicar que todos os outros verbos só têm voz activa, incluindo os de ligação.

No entanto, é verdade que os verbos que ligam um sujeito a um predicativo não se reportam a acções mas, sim, a estados, pelo que parece uma falta de rigor atribuir-lhes a voz activa. Se assim é, então também não terá sentido falar em voz activa a propósito de um verbo intransitivo estativo como jazer ou de outro, também intransitivo, como desmaiar, que representa um evento não controlado por um agente (é estranho que se diga «X desmaiou deliberadamente»).

Pelo que posso concluir da consulta de várias gramáticas, as vozes activa e passiva são solidárias, como característica dos verbos transitivos. Dizem João Andrade Peres e Temo Móia, em Áreas Críticas da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 210):

«[...] a possibilidade de construção de pares de frases activa/passiva é limitada e depende crucialmente dos verbos, já que nem todos suportam a voz passiva. Foi esta dependência relativamente aos verbos que levou a tradição gramatical greco-latina a quase sempre explicar a oposição de que estamos a ocupar-nos em termos morfológicos — falando da voz activa e da voz passiva da conjugação verbal —, mais que em termos sintácticos, isto é, em termos de estrutura frásica. Aos verbos que admitem construção passiva chamou [a tradição gramatical greco-latina] verbos transitivos (porque, na perspectiva aí perfilhada, se entendia que eles podiam «transitar da voz activa para a voz passiva)».