Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria que me esclarecessem duas dúvidas que me ocorrem na análise da parte "Horas Mortas", do poema O Sentimento dum Ocidental, de Cesário Verde, nomeadamente:

— o significado de «quimera azul» — na estrofe: «O tecto fundo de oxigénio, de ar,/Estende-se ao comprido, ao meio das trapeiras;/Vêm lágrimas de luz dos astros com olheiras,/Enleva-me a quimera azul de transmigrar»;

— e o significado de «fel», na estrofe: «E, enorme, nesta massa irregular/De prédios sepulcrais, com dimensões de montes,/A Dor humana busca os amplos horizontes,/E tem marés, de fel, como um sinistro mar!»

Obrigada.

Resposta:

A palavra quimera designa, na mitologia grega, um animal fantástico com cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de serpente, que deitava fogo pelas narinas. A palavra acabou por significar também o mesmo que sonho. Sendo assim, «quimera azul» ou «sonho azul» são expressões que, entre os românticos alemães, se referem a um ideal, a uma aspiração na arte e na vida.

Fel significa muito simplesmente «bílis», isto é, o líquido amargo que se encontra na vesícula biliar. Metaforicamente, reporta-se também à amargura e à tristeza.

Pergunta:

Tenho dúvidas quanto à obrigatoriedade da colocação do ponto de interrogação no final das frases que se seguem, concretamente, depois de «coisa» e depois de «então».

«Que fazer quando nos falhar isto? Ou pior: quando se nos faltar outra coisa.»

«Que fazer então? Quando se nos falhar isto, ou pior: quando se nos faltar outra coisa.»

Podemos ter esta alternativa abaixo?

«Que fazer então... quando se nos falhar isto, ou pior, quando se nos faltar aquilo.»

Obrigado e parabéns pelo vosso trabalho.

Resposta:

Observa F. V. Peixoto da Fonseca:

«Antes de mais nada, quando, nas frases apontadas, não pode ser seguido de se condicional: ou se põe uma conjunção temporal ou então o quando temporal. Agora, quanto ao ponto de interrogação, o seu uso ou não depende da intonação da frase: toda a sequência introduzida por Que fazer então tem de levar ponto de interrogação, pois trata-se de uma pergunta feita em discurso directo.»

Deste modo, construções correctas serão, por exemplo:

(i) «Que fazer quando nos falhar isto? Ou pior: quando nos faltar outra coisa?

(ii) «Que fazer então, quando nos falhar isto, ou pior, quando nos faltar aquilo?»

Pergunta:

Gostaria de saber o que significa papel temático (relacionado com a semântica) e quais os tipos de papéis temáticos que podemos encontrar nas frases.

Obrigada pela atenção dispensada.

Resposta:

Papel temático é um termo que designa o tipo de relação semântica que se encontra associada aos argumentos de um predicador, ou seja, ao sujeito e aos complementos de um verbo ou simplesmente aos complementos de um substantivo ou adjectivo.

Na Gramática da Língua Portuguesa (2003), de Maria Helena Mira Mateus et al., observa-se que há vários papéis temáticos e que a terminologia que os identifica pode variar; a que é proposta por estas linguistas é a seguinte: Agente, Fonte, Experienciador, Locativo, Alvo e Tema. Apresentamos agora as respectivas definições (págs. 187-190; o papel temático em foco está em itálico nos exemplos):

«Agente é o papel temático do argumento que designa a entidade controladora, tipicamente humana, de uma dada situação.»

(i) Ex.: A Joana cortou o bolo.

«Fonte é o papel temático que designa a entidade que está na origem de uma dada situação, embora sem a controlar. [...] um argumento fonte pode designar uma força da Natureza, um lugar ou um ser animado que constituam o ponto de partida de uma mudança de estado, de lugar ou de posse.»

(ii) Ex.: (a) A chuva inundou as ruas.
           (b) Fomos de avião de Lisboa para o Porto.

«Experienciador é o papel temático do argumento que designa a entidade que é a sede psicológica ou fisica de uma dada propriedade ou relação [...]»

(iii) Ex.: (a) A Joana gosta de bolos.
           (b) O Ricardo ouviu a canção.

...

Pergunta:

Em relação a estas palavras, qual é a grafia mais correcta e porquê?

"Creatinina-fosfocinase", "mineralocorticóide" e "carcino-embrionário": com ou sem hífen?

"Adrenocorticotrópico": sem hífen? "... trópico" ou "... trófico"?

Qual é a explicação para essa grafia, de modo a poder identificar palavras deste tipo e extrapolar a forma correcta de escrevê-las?

"α-fetoproteína" escreve-se com hífen (ou traço de união) ou sem? É igual se for na forma por extenso "alfa-fetoproteína", e palavras semelhantes, como "beta-lipoproteína"?

"Enolase específica de neurónio", ou "do neurónio", ou "enolase neuro-específica", ou ainda "neuro-enolase específica"? Prefiro a primeira forma, por se assemelhar mais à corrente «antigénio específico da próstata».

"Carboidrato" ou "hidrato de carbono"? Alguma destas é português europeu e a outra do Brasil?

Obrigada.

Resposta:

Com base no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa e nas recomendações do nosso consultor F. V. P. da Fonseca, seguem-se os comentários a cada palavra:

1. Creatinina-fosfocinase: «com hífen porque ambos os elementos têm vida independente» (F. V. P. da Fonseca).

2. Minelocorticóide: atestado no Dicionário Houaiss [no artigo referente ao elemento antepositivo min(e)-].

3. Carcino-embrionário: a justificação do hífen «é tratar-se de elementos de natureza adjectiva terminados em o morfologicamente individualizados, embora um deles se não apresente com forma plena» (F. V. P. da Fonseca).

4. "Adrenocorticotrópico": é preferível adrenocorticotrófico; existe corticotrópico como variante não preferível de corticotrófico, como observa o Dicionário Houaiss acerca da etimologia deste termo:

«[do] inglês corticotrop(h)ic (1934) 'id.', donde tb. corticotrópico; a supressão, em inglês, do h no dígrafo ph gera uma confusão nos elementos compositvos trof(o)- e trop(o)-, devendo-se ter em mente, por isso, que o constituinte é trof(o)-»

F. V. P. da Fonseca lembra, aliás, que «a terminação trópico só em termos geográficos é admissível.»

5. Alfa-fetoproteína: é preferível usar o hífen, sendo também possível α-fetoproteína e A-fetoproteína.

«É lógico que, sendo alfa-fetoproteína com hífe...

Pergunta:

Gostaria de uma definição para pergunta objetiva, e de saber se apenas as questões de múltipla escolha são consideradas objetivas.

Resposta:

Uma pergunta objectiva refere-se a uma questão que não é evasiva, que é directa, prática e positiva, que se submete a alguém de quem se espera que a resolva. Uma pergunta objectiva vai directamente ao ponto central da questão, seja ela de escolha múltipla ou não.

As perguntas de escolha múltipla nem sempre são objectivas. A objectividade de uma pergunta não depende, pois, do seu tipo, mas do modo como é formulada a questão.