Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a flexão de gênero da palavra periquito?

Resposta:

No português europeu, pode usar-se periquita, mas, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, esta forma feminina é palavra obscena designativa da vulva no Norte e no Nordeste do Brasil. Assim, havendo o perigo de ferir susceptibilidades, é aconselhável empregar os adjetivos macho e fêmeo (este, para observar a concordância com periquito, substantivo masculino) ou os substantivos macho e fêmea, precedidos de hífen: periquito macho e periquito fêmeo; periquito-macho e periquito-fêmea (cf. idem, artigos sobre macho e fêmea).

Pergunta:

Qual a origem do nome desta vila do distrito de Vila Real?

Resposta:

José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa) faz remontar Mesão ao latim mansione, e Frio, não ao latim frigidu-, mas ao germânico frithu, «paz», argumentando que não «faria sentido que um estabelecimento de protecção e de bom acolher do viajante fosse, de princípio, "casa fria"».

A. de Almeida Fernandes (Toponímia Portuguesa, Associação para a Defesa da Cultura Arouquense, 1999, págs. 422/423) refuta esta hipótese:

«[...] o que o topónimo significa era albergue rudimentar sem lar aceso, "frio": o viandante é que teria de prover contra isso no abrigo. Além disso, não consta que o vocábulo germânico tivesse sido usado entre nós fora da antroponímia: isto é, foi-o nesta somente, como elemento de composição. [...] O próprio carácter rudimentar do "mesão" no caso se atesta no sentido que assumiu "meijão" (outra forma do top., Meijão Frio bem provado), como arribana em pastagens na serra de Arga, etc. E, de resto, casa de paz é que uma albergaria não poderia, em geral, ser, acolhendo gente de toda a casta, boa e má. Até por aqui cinca a ideia do autor [Machado], de "casa de paz" em vez de "casa fria". Isto não quer dizer que um "mesão frio" não evoluísse a albergaria notável: assim Albergaria-a-Velha tem essa origem [...]. Compreende-se.»

Pergunta:

Afirmou-se no Ciberdúvidas que «posto que» também pode significar «já que», «porque», do que não tenho dúvidas, principalmente se se toma a linguagem falada como testemunha disso. Poder-se-ia pensar que esse significado mais novo de «posto que» (que a mim particularmente não agrada, mas esse é outro assunto) se poderia confundir com «posto isso» equivalente a «embora», eu acredito que não. Vê-se que «posto que» = «porque» rege verbo no indicativo e «posto isso» = «embora» rege verbo no subjuntivo.

Só quis compartilhar com os amigos do Ciberdúvidas esta observação. Obrigado pelo espaço.

Resposta:

Recorremos a F. V. P. da Fonseca, que lembra que também «em Portugal, «posto que» tem sido descrito como locução subordinativa causativa com verbo no indicativo.» Contudo, corpora textuais permitem verificar que «posto que» causativo é posterior a «posto que» concessivo. O Corpus do Português de Mark Davies e Michael J. Ferreira faculta ocorrências de «posto que» com verbo no indicativo, pelo menos, a partir do século XVIII, mas os contextos de «posto que» concessivo são mais antigos, com atestações desde o século XIV.

Pergunta:

Acompanhei a resposta de Carlos Rocha, em 29/02/2008, sobre a indagação de Mário Pena da Silva, referente à pronúncia do verbo adequar no presente do indicativo.

Para explicar a pronúncia, Carlos Rocha conjugou o verbo no referido modo, sendo este o ponto a que me refiro, trazendo uma nova referência para o devido confronto e enriquecimento da discussão.

Segundo Maria Aparecida Ryan, em Conjugação dos Verbos em Português, Editora Ática, São Paulo, Brasil, 1988, pág. 120, o verbo defectivo adequar, no presente do indicativo, só é conjugado nas primeira e terceira pessoas do plural, ou seja: adequamos e adequais.

Resposta:

É verdade que muitos gramáticos consideram que adequar é um verbo defectivo, que se conjuga apenas nas formas arrizotónicas, isto é, nas formas cujo acento tónico recai depois do radical, como são as de 1.ª e 2.ª pessoas do plural:

presente do indicativo: adequamos, adequais

presente do conjuntivo: adequemos, adequeis

imperativo: adequai

O verbo conjuga-se em todos os outros tempos e modos (ver Vasco Botelho do Amaral, Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português, 1952).

Outros gramáticos (por exemplo, Rodrigo Sá Nogueira) eram ou são de opinião de que toda a flexão deste e doutros verbos semelhantes pode e deve ser empregada.

Decidir quem tem razão parece-me um tanto arriscado e até estéril, porque a discussão tem por base aspectos de harmonia sonora (eufonia), de limitada objectividade. Moderado é o parecer da investigadora brasileira Maria Helena de Moura Neves (Guia de Uso do Português, pág. 42); sem negar a importância da descrição tradicional, observa:

«[...] em linguagem informal e em alguns órgãos da imprensa usam-se formas rizotônicas [= acentuadas no radical], especialmente adequa. Com o cursor, você pode escolher o ícone que se adequa ao programa.»

Pergunta:

Li, no Ciberdúvidas, a seguinte mensagem:

«Em virtude do período de Páscoa, Ciberdúvidas só terá nova actualização no dia 9 de Abril. Até lá, pedimos a todos os consulentes que não nos enviem perguntas, até porque precisamos de uma pausa para tratar o grande volume de questões que nos têm chegado.»

Estranho o «que nos têm chegado» final.

Quem chegou: o «grande volume» ou «as questões»? Qual a pessoa correta: tem ou têm?

Penso na dualidade de frases análogas como:

A1: «A maioria das pessoas pensa assim.»

B1: «A maioria das pessoas pensam assim.»

A2: «Metade dos brasileiros gosta de cerveja.»

B2. «Metade dos brasileiros gostam de cerveja.»

A3: «Um grande volume de questões tem chegado a Ciberdúvidas.»

B3: «Um grande volume de questões têm chegado a Ciberdúvidas.»

No meu português, é sempre a alternativa A que está correta. Apreciaria seu parecer.

Obrigado.

Resposta:

A observação que faz tem resposta semelhante à que demos a propósito do uso de número em «número de pessoas». A referência de que é ambígua, dada a possibilidade de tanto «volume» como «questões» constituírem o antecedente desse pronome relativo. Por outras palavras, «que tem chegado» e «que têm chegado» são sequências correctas.

Outra coisa é o uso de volume numa frase simples, isto é, numa frase sem orações subordinadas. Neste caso, o verbo concorda com o núcleo da expressão «volume de questões», ou seja, com volume (o asterisco indica que a frase não é aceitável):

(1)
(a) «O número de questões foi incalculável.»
(b) *«O número de questões foram incalculáveis.»

(2)
(a) «O volume de questões foi incalculável.»
(b) *«O volume de questões foram incalculáveis.»

Como se vê em (1) e (2), o verbo deve concordar sempre com os núcleos das expressões antecedentes, o mesmo é dizer os substantivos número e volume.

Assinale-se, porém, que com expressões cujo núcleo é preenchido por substantivos de valor fraccionário, como metade, não se verifica o mesmo comportamento, porque muitos gramáticos aceitam a concordância com o complemento determinante desses termos:

(3) «Metade dos brasileiros gosta/gostam de cerveja.»

Também no caso de maioria, muitos gramáticos defendem a possibilidade de o predicado concordar com o determinante:

(4) «A maioria das pessoas pensa/pensam assim.»