Pergunta:
Criou-se há pouco tempo o vocábulo "cadeirante" aqui no Brasil para substituir, creio, o circunlóquio "usuário de cadeira de rodas" ou talvez seja mais um eufemismo. Aliás, há uma prodigalidade de inventar expressões amaneiradas ou adocicadas neste país: os aleijados foram suplantados pelos "deficientes físicos", os cegos chamam-se "deficientes visuais", os surdos são agora "deficientes auditivos", os doidos foram substituídos pelos "deficientes mentais", os leprosos são "hansenianos", os mongolóides passaram a denominar-se "portadores da síndrome de Down", as crianças retardadas ou atrasadas são "excepcionais ou especiais" (como se as demais crianças não fossem especiais!), os velhos passaram a chamar-se "os da terceira idade ou melhor idade". (Gostaria de entender por que há tanta preocupação com eufemismos. Não é melhor dizer a verdade? Ocorre, porém, que a verdade muitas vezes dói...)
Tudo isso são caricaturas lingüísticas de mau gosto. Não me deixo levar por tais leviandades de expressão. Daqui a uns dias os inventores de bizantinices eufemísticas talvez queiram corrigir a Bíblia: cegos, coxos, paralíticos, leprosos, velhos, surdos, lunáticos, doidos, mudos etc. Está errada a Bíblia? Pois bem, no Brasil existe esta mania de quererem mascarar a realidade (não sei se a mesma coisa se dá em Portugal).
Quero voltar ao vocábulo "cadeirante". Ora, de amar temos amante, de secar temos secante etc. Existe todavia o verbo "cadeirar" para que se abone o "cadeirante"? Parece-vos bem formado o neologismo "cadeirante", ou não passa de mais um abuso? Desejo conhecer-vos a opinião.
Muito grato.
Resposta:
Muitos nomes e adjectivos terminados em -nte têm origem numa forma verbal latina, o particípio presente. Tal significa que tais nomes e adjectivos pressupõem um verbo, como bem observa o consulente. Por outras palavras, se existe andar e ouvir, podemos formar andante e ouvinte; mas dado que não existe *"cadeirar", à forma "cadeirante" parece faltar respaldo histórico-morfológico. No entanto, o Dicionário Houaiss já considera o elemento -nte um sufixo como outros e não como marca da antiga flexão latina: «a extensão da ocorrência e freqüência do suf. permite seu uso como se de f. verb.: baritonante < *baritonar». É deste modo que a forma cadeirante encontra alguma legitimidade, embora possa não ser do agrado dos mais puristas.
N.E. (18/07/2022) — O adjetivo e, também, substantivo cadeirante («aquele ou qem se desloca numa cadeira de rodas») já se encontra dicionarizado. Por exemplo, na Priberam, no Dicionário Online de Português, no Meu Dicionário.Org., ou no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras. E, ainda, aqui, aqui e