Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual a pronúncia correta da palavra Praxedes?
Seria "prakcedes", ou "prachedes"?

 

Resposta:

Praxedes é o nome de uma santa que talvez tenha vivido no século II d. C. O Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, indica a pronúncia da letra x, quando esta tem valor diferente do que se ouve em baixo. Deste modo, o que vemos é que na referida obra apenas se menciona que o nome Praxedes se pronuncia com é fechado. Por conseguinte, depreende-se que o <x> não vale nem [ks], nem [s], nem [z] e que Praxedes soa "prachedes", como sugere o consulente.

Pergunta:

A palavra "aclonar" aparece em orientações sobre lavagem de embalagem de agrotóxico. O que ela significa?

Resposta:

No sítio do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (Brasil) ocorre a forma "aclonar" no seguinte contexto:

«Lavagem Pressão

1. Após o esvaziamento, encaixar a embalagem no local apropriado do funil instalado no pulverizador;

2. Aclonar o mecanismo para liberar o jato de água limpa;[...]»

Parece um verbo, que não se encontra registado em nenhum dicionário e que ocorre muito poucas vezes na Internet. Mas são exactamente essas poucas ocorrências a chave para compreender essa forma desconhecida; com efeito, quem consulte um outro documento em linha verá que "aclonar" é afinal acionar:

«Ligar a bomba e ajustar o fluxo, abrindo a válvula de ajuste grosso e, em seguida, ajustar a vazão com a válvula de ajuste fino para uma amostragem isocinética e simultaneamente acionar o cronômetro.»

O que se passa é que a pesquisa Google inclui este contexto na pesquisa de "aclonar", porque, por falta de nitidez do documento, o i se confunde com o l. Ou seja, o "aclonar" do primeiro contexto é uma gralha que está por accionar.

Pergunta:

Gostaria de saber as diferenças entre os fenômenos da deixis, da anáfora, e da catáfora, pois sei que são distintos mas muito mesclam a deixis com os outros dois.

Resposta:

A anáfora é o «processo pelo qual um termo gramatical (um pronome ou um advérbio de lugar, p. ex.) retoma a referência de um sintagma anteriormente us. na mesma frase (p. ex.: Comeram, beberam, conversaram, e a noite ficou nisso) ou no mesmo discurso (p. ex.: Fui ao Museu de Artes Modernas. Lá, encontrei vários de meus amigos)» (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

A catáfora é definida pelo Dicionário de Termos Linguísticos do seguinte modo: «Relação de dependência entre A e B em que B precede A numa relação paralela à da anáfora. Exemplo: "desde que a Maria o deixou, o João nunca mais foi o mesmo", o significado do pronome complemento (o) da primeira oração é determinado pelo SN (o João) da segunda oração.»

A anáfora e a catáfora correspondem ao uso de palavras (operadores) que apontam para o próprio texto. Por conseguinte, são parte dos fenómenos que constituem a chamada deixis textual, mas que não se confundem com a deixis propriamente dita, que aponta para o contexto situacional.

Pergunta:

Gostaria de saber detalhes sobre a palavra "estereo", se pode ser considerada prefixo ou radical, origem e outros conhecimentos que possam me auxiliar.

Obrigada.

Resposta:

Existe o elemento de composição estereo-, do grego stereós,á,ón, «sólido», ou seja, «tridimensional», em compostos da terminologia técnica e científica a partir do século XIX (p. ex., estereofónico, estereótipo). Trata-se de um radical grego que entra na construção de muitos termos especializados.

Com a forma estéreo, o Dicionário Houaiss regista quatro vocábulos diferentes, todos resultado da evolução do referido étimo grego:

estéreo 1
«medida de volume para madeiras, correspondente a 1 metro cúbico; estere»;

estéreo 2

«redução de estereofónico»;

estéreo 3

«aparelho de som que utiliza a técnica da estereofonia»;

estéreo 4

o mesmo que estereótipo («chapa ou clichê»).

Pergunta:

Deparei-me por diversas vezes com a palavra "retrónimo", ora com esta grafia, ora com a grafia brasileira "retrônimo", querendo significar um termo ou expressão atribuído a conceitos já existentes mas cujo sentido foi sendo modificado pela evolução, quase sempre tecnológica. O exemplo que me interessa aplica-se à «web 1.0», que é um retrónimo de "web", mas podia ser utilizado na «rádio analógica» ou «guitarra clássica», por exemplo, como retrónimos de rádio e de guitarra.

O termo parece não estar dicionarizado em português, mas alguns dicionários ingleses e franceses já o registam (retronym e retronyms, em inglês; rétronyme, em francês).

A construção do termo parece-me escorreita ("retro" + "ónyma" ou "retro" + "nomen"), mas não sei se a posso utilizar com segurança no contexto académico. 

Resposta:

A palavra retrónimo é de facto um neologismo, mas não se encontra dicionarizada nem parece estar em uso entre académicos. Trata-se de um termo criado para designar um modelo mais antigo de um objecto, um instrumento ou uma dada realidade: por exemplo, hoje fala-se em «telefone fixo», porque o telefone móvel ou telemóvel é cada vez mais o modelo do que actualmente se entende por telefone. Por outras palavras, o que hoje se designa por telefone fixo já foi o protótipo de algo que chamava telefone, mas o progresso tecnológico levou este termo a ser aplicado a um aparelho de características diferentes. É assim que, na Internet, o termo anda definido. A construção deste termo é híbrida, uma vez que resulta da associação de retro-, de origem latina, ao elemento -onímia, de origem grega. Deste modo, penso que o termo pode ser empregado no meio académico, mas devidamente contextualizado, explicado e fundamentado.