Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria que me fosse tirada a dúvida sobre o seguinte: como se diz «vencedora feminina»? Embora saiba que se chama campeã, já escutei e li "campeona".

Onde está o erro?

Gostaríamos da vossa informação.

Obrigada.

Resposta:

O substantivo campeão tem origem na palavra germânica *kampjo, derivado de «campo de batalha», sendo esta por sua vez uma adaptação do latim campus,i, «planície, terreno plano; terreno extenso fora do povoado» (ver Dicionário Houaiss).

Campeão significa «vencedor de lutas a cavalo em campo fechado».

Só modernamente se organizaram competições desportivas reservadas às atletas femininas.

O sufixo aumentativo -oa surge em palavras de origem popular cono viloa.

O sufixo aumentativo -ona tem o inconveniente de ser frequentemente pejorativo ou referir-se ao tamanho. Exemplos: aldrabona, matulona, grandona etc.

Como as atletas são normalmente levezinhas, vide Rosa Mota, Aurora Cunha, Vanessa Fernandes, melhor será usarmos a forma campeãs.

Pergunta:

Qual a pronúncia correta da palavra Praxedes?
Seria "prakcedes", ou "prachedes"?

 

Resposta:

Praxedes é o nome de uma santa que talvez tenha vivido no século II d. C. O Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, indica a pronúncia da letra x, quando esta tem valor diferente do que se ouve em baixo. Deste modo, o que vemos é que na referida obra apenas se menciona que o nome Praxedes se pronuncia com é fechado. Por conseguinte, depreende-se que o <x> não vale nem [ks], nem [s], nem [z] e que Praxedes soa "prachedes", como sugere o consulente.

Pergunta:

A palavra "aclonar" aparece em orientações sobre lavagem de embalagem de agrotóxico. O que ela significa?

Resposta:

No sítio do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (Brasil) ocorre a forma "aclonar" no seguinte contexto:

«Lavagem Pressão

1. Após o esvaziamento, encaixar a embalagem no local apropriado do funil instalado no pulverizador;

2. Aclonar o mecanismo para liberar o jato de água limpa;[...]»

Parece um verbo, que não se encontra registado em nenhum dicionário e que ocorre muito poucas vezes na Internet. Mas são exactamente essas poucas ocorrências a chave para compreender essa forma desconhecida; com efeito, quem consulte um outro documento em linha verá que "aclonar" é afinal acionar:

«Ligar a bomba e ajustar o fluxo, abrindo a válvula de ajuste grosso e, em seguida, ajustar a vazão com a válvula de ajuste fino para uma amostragem isocinética e simultaneamente acionar o cronômetro.»

O que se passa é que a pesquisa Google inclui este contexto na pesquisa de "aclonar", porque, por falta de nitidez do documento, o i se confunde com o l. Ou seja, o "aclonar" do primeiro contexto é uma gralha que está por accionar.

Pergunta:

Gostaria de saber as diferenças entre os fenômenos da deixis, da anáfora, e da catáfora, pois sei que são distintos mas muito mesclam a deixis com os outros dois.

Resposta:

A anáfora é o «processo pelo qual um termo gramatical (um pronome ou um advérbio de lugar, p. ex.) retoma a referência de um sintagma anteriormente us. na mesma frase (p. ex.: Comeram, beberam, conversaram, e a noite ficou nisso) ou no mesmo discurso (p. ex.: Fui ao Museu de Artes Modernas. Lá, encontrei vários de meus amigos)» (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).

A catáfora é definida pelo Dicionário de Termos Linguísticos do seguinte modo: «Relação de dependência entre A e B em que B precede A numa relação paralela à da anáfora. Exemplo: "desde que a Maria o deixou, o João nunca mais foi o mesmo", o significado do pronome complemento (o) da primeira oração é determinado pelo SN (o João) da segunda oração.»

A anáfora e a catáfora correspondem ao uso de palavras (operadores) que apontam para o próprio texto. Por conseguinte, são parte dos fenómenos que constituem a chamada deixis textual, mas que não se confundem com a deixis propriamente dita, que aponta para o contexto situacional.

Pergunta:

Gostaria de saber detalhes sobre a palavra "estereo", se pode ser considerada prefixo ou radical, origem e outros conhecimentos que possam me auxiliar.

Obrigada.

Resposta:

Existe o elemento de composição estereo-, do grego stereós,á,ón, «sólido», ou seja, «tridimensional», em compostos da terminologia técnica e científica a partir do século XIX (p. ex., estereofónico, estereótipo). Trata-se de um radical grego que entra na construção de muitos termos especializados.

Com a forma estéreo, o Dicionário Houaiss regista quatro vocábulos diferentes, todos resultado da evolução do referido étimo grego:

estéreo 1
«medida de volume para madeiras, correspondente a 1 metro cúbico; estere»;

estéreo 2

«redução de estereofónico»;

estéreo 3

«aparelho de som que utiliza a técnica da estereofonia»;

estéreo 4

o mesmo que estereótipo («chapa ou clichê»).