Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Quais a origem e o significado da expressão «príncipe encantado», encontrada nos contos de fadas? Por que em algumas línguas, como o italiano, é chamado de «príncipe azul»? Já no inglês, é «prince charming» e, no francês, «prince charmant».

Obrigado.

Resposta:

Quer encantado quer o francês charmant ou a adaptação inglesa charming têm origem na raiz do verbo latino canĕre, que significava «cantar», mas ao qual também se associavam crenças no poder mágico da palavra de poetas e adivinhos (cf. Dicionário Houaiss). Encantado é um adjectivo participial, derivado do verbo cantar, que evoluiu de uma das formas da flexão do referido verbo latino. Charmant é uma forma do verbo francês charmer, formado a partir de charme, «encantament». Esta palavra francesa evoluiu do latim carmen, carmĭnis, «canto», cuja raiz é a mesma de canĕre: de *can-men, forma hipotética, chegou-se a carmen por dissimilação do n, que passou a r.

Porquê o canto como noção associada ao fantástico e à fantasia dos contos de fadas? Não consegui consultar uma fonte que me explicasse cabalmente a relação entre o ritmo enfeitiçante da música ou do canto e a génese do príncipe encantado. De qualquer modo, recordo que é bastante antiga a ideia de que a música e o canto se ligam às forças sobrenaturais. O canto das sereias na Odisseia é disso ilustração, enquanto exemplo de sedução fatal. Na tradição popular portuguesa, fala-se também de mouras encantadas ao pé de fontes e caminhos que atraem pastores e lavadeiras. No c...

Pergunta:

Gostaria de saber como se escreve a onomatopeia para soluço, correspondente ao hic inglês.

Obrigada.

Resposta:

Não encontrei uma forma fixa, dicionarizada. Hic, apesar de se confundir com a palavra latina hic (como em hic et nunc, «aqui e agora»), é ainda assim uma onomatopeia expressiva que me parece possível em português, desde que adaptada à nossa ortografia. Porque não escrever hique?

Pergunta:

Agradeço a vossa prontíssima resposta à minha dúvida sobre a palavra "Terrenista", que – como me esclareceram – não encontraram nas obras consultadas. Mas como acrescentavam que eu não vos tinha apresentado nenhum contexto da mesma, aproveito para dizer que a tenho ouvido repetidamente numa homília de um sacerdote, que a utiliza no sentido oposto ao de transcendência, referindo-se às pessoas que não orientam as suas vidas por valores espirituais, mormente os cristãos.

Feito este pequeno esclarecimento, aguardo algum outro da vossa parte.

Muito obrigada.

Resposta:

As palavras que os dicionários costumam registar são terreal e terrenal, no sentido de mundano e antónimo, por exemplo, de espiritual. Julgo que "terrenista" é um neologismo dispensável, possivelmente criado por analogia com materialista: material > materialista = terreno > "terrenista".

Pergunta:

Vejam-se as seguintes frases:

1 – «A que causa ele servia?»

2 – «Ao soldado não importava a que causa servia.»

3 – «Não se importava com a que causa servia.»

4 – «Não dava importância a (a que causa servia).»

Minha dúvida se refere à correção das frases 2 a 4.

Na frase 2, «a que causa servia» é uma oração subjetiva. Pode uma oração subjetiva iniciar-se com preposição? Nas demais, como fica o encontro das preposições regidas por verbos de orações diferentes? Está correto?

Obrigado.

Resposta:

As orações subjectivas mencionadas pelo consulente são, em princípio, interrogativas indirectas. Estas orações mostram ter grandes restrições quando encaixadas em estruturas que não sejam introduzidas pela conjunção se ou por um verbo de conhecimento (saber, desconhecer, ignorar). Depois de verbos com regência, torna-se mesmo agramatical a sua ocorrência, como parece intuir o consulente quando duvida da correcção das frases 2 a 4. Sendo assim, haverá que as reformular, transformando-as em sequências de expressão nominal seguida de oração relativa:

2´ «Ao soldado não importava a causa que servia.»

3´ «Não se importava com a causa que servia.»

4´ «Não dava importância à causa que servia.»

É também possível recorrer a orações relativas livres (sem antececente), que formalmente se confundem com orações interrogativas indire{#c|}tas:

(1) «Ao soldado não importava quem servia.»

(2) «Não se importava com quem servia» (= «a pessoa que ele servia»).

(3) «Não dava importância a quem servia» (= «a pessoa que ele servia»).

Pergunta:

Estou a fazer revisão de texto de um livro, e a autora usa este neologismo: "glamorização".

Nos dicionários encontrei glamouroso (vindo de "glamour").

Assim sendo, o neologismo/xenismo que ela emprega não deveria ser "glamourização", em vez de "glamorização"?

Muito obrigado.

Resposta:

Nada impede que as palavras derivadas de glamour possam manter a sequência <ou>. Contudo, o Dicionário Houaiss regista, a par do substantivo glamour, assinalado como estrangeirismo, as palavras glamoroso, glamorizar e glamorização. Parece-me que tanto as formas com <ou> como as que apresentam só um <o> são aceitáveis, porque não levantam problemas à fonética e à ortografia do português.