Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

É vulgar lermos na imprensa e ouvir nos meios de comunicação, por exemplo, «foi aplicada uma penalização a» ou «teve uma penalização de». Devemos usar penalização, ou penalidade?

Resposta:

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa regista as duas palavras:

I. Penalização

«sobrecarga penosa. Ex.: "a dupla jornada de trabalho impõe uma dura p. às donas de casa"»

II. Penalidade 

«1 sistema de penas ditadas pela lei; 2 caráter da pena; Ex.: "a p. para esse tipo de delito é pecuniária"; 3 pena, castigo correspondente a um delito ou crime; Ex.: "o estudo abrangia vários aspectos da fraude, inclusive as p. previstas"»

Acresce que penalização é um substantivo deverbal, isto é, deriva de um verbo, que no caso é penalizar, mediante a junção do sufixo -ção, que em geral significa «acção ou resultado dela». Tendo em conta que a palavra penalização é não só a acção de penalizar mas também o resultado dessa acção, poder-se-ia considerá-la um sinónimo perfeito de penalidade. Não é bem assim, porque o uso destes vocábulos parece depender também do contexto situacional: no português europeu, aplica-se uma penalidade quando nos referimos aos domínios jurídico e futebolístico; mas num concurso de televisão, fala-se numa «penalização de cinco pontos», podendo esta expressão ser interpretada quer como o acto de descontar pontuação ou esse mesmo desconto. Em suma, eu diria que penalidade é a situação penal, isto é, a pena aplicada a quem infringe leis ou normas, podendo estas reportar-se ao foro criminal. Já penalização é o «acto de penalizar» e, ao mesmo tempo, a pena correspondente a um valor (pecuniário ou não) que é retirado a alguém devido a falta ou incum...

Pergunta:

Gostaria de saber como se classificam as seguintes palavras quanto ao processo de formação:

montanha — derivada por sufixação?

final — derivada por sufixação?

qualquer — ?

dezoito — composta por justaposição ou aglutinação?

passatempo — ?

florbela — ?

pontapé — ?

Resposta:

Vejamos o processo de formação envolvido nas palavras que indica:

montanha — a palavra não é formada por nenhum processo morfológico produtivo no português contemporâneo; segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, deriva do latim tardio montanĕa, substantivo feminino de montanĕus, em lugar do latim clássico montānus, que indica o que é «relativo a monte, montanha». O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea indica ainda que montanha deriva do latim *montanea, de mons, montis «monte»;

final — a palavra não é formada por nenhum processo morfológico produtivo no português contemporâneo; deriva do latim tardio finālis, e refere-se ao que é «relativo aos limites, que limita, que circunscreve, final»;

qualquer — formada por composição, de qual + quer (3.ª pessoa do singular do presente do indicativo do verbo querer);

dezoito —  o Dicionário Houaiss indica que dezoito é uma palavra formada por composição, de dez- + conjunção e + oito. O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, indica que esta palavra deriva do latim decem ac octo, «dez e oito»;

passatempo — formada por composição de passa (3.ª pessoa do verbo passar) e pelo substantivo tempo;

Florbela — formada por composição de

Pergunta:

Em que subclasse dos nomes eu devo incluir os nomes frio e música? Por que razão?

Obrigada.

Resposta:

Os substantivos podem designar a totalidade dos seres de uma espécie (designação genérica) ou de um indivíduo de uma determinada espécie (designação específica). Quando se aplica a todos os seres de uma espécie ou quando designa uma abstracção, o substantivo é comum. Os nomes comuns empregam-se para nomear todos os seres e todas as coisas das respectivas classes.

Assim, o nome música pode ser considerado um substantivo comum e concreto, se designar qualquer composição musical. No entanto, enquanto actividade artística, é abstracto. 

O nome frio é comum. Como indica um estado, é um substantivo abstracto. Os substantivos abstractos designam também noções, acções e qualidades.

Pergunta:

É correcto dizer-se «O evento realiza-se no auditório principal, onde haverá lugar à Lição de Sapiência...». A expressão «haver lugar à...» é gramatical?

Resposta:

A expressão que indica é gramatical e pode significar «ocorrer, permitir, dar oportunidade ou ocasião, ter lugar, acontecer, dar-se, verificar-se» (cf. Énio Ramalho, Dicionário Estrutural Estilístico e Sintáctico da Língua Portuguesa, Porto, Livararia Chardron e Lello e Irmão Editores); p. ex.:

«Posteriormente, haverá lugar à aprendizagem da forma como se divide uma palavra quando ela não cabe na linha na totalidade.»

Pergunta:

Gostaria de saber se a expressão «atentado à bomba» está correcta e porquê ou se se devia utilizar «atentado com bomba».

A primeira expressão é utilizada universalmente nos media, mas uma leitura literal induz no sentido de se tratar de um atentado a uma bomba.

 

Resposta:

«Atentado à bomba» é uma expressão correcta, para designar um atentado em que se utiliza ou se pretende utilizar uma bomba. A leitura desta expressão é ambígua, porque também se pode perceber (absurdamente) que o atentado foi dirigido a uma bomba. Porém, esta possibilidade não é critério suficiente para a rejeitar do uso gramatical: recorde-se que muitos complementos circunstanciais como este (instrumentais), introduzidos pela preposição a, ocorrem em expressões como «matar à facada/à paulada/a tiro» ou «escrever/escrita à máquina».