Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber a importância da gramática, pois meu filho tem que responder isso ao professor de português e não sabe qual a importância.

Grata.

Resposta:

Pensamos que o professor pretenda ver discutida a questão da gramática enquanto conjunto de normas  que regulam o uso de uma língua (gramática normativa). Note-se, contudo, que qualquer língua do Mundo é constituída por um reduzido número de sons e por um conjunto de regras de utilização desses sons isoladamente ou formando palavras e frases. Ao conhecimento dessas regras também se pode chamar gramática.

Crucial para a gramática normativa é a formação de um padrão linguístico ou de um modelo de linguagem aceite como correcto. Este modelo tem sido muitas vezes baseado em textos literários e nas formas de expressão da administração e das classes mais cultas e prestigiadas.

Além disso, desde a Antiguidade, a escrita tem permitido a diferentes povos dispor de  um conjunto de sinais gráficos que permitem a transmissão das palavras, por escrito, a grande distância. Mas para que a escrita seja mais eficaz, facilitando a comunicação, devemos conhecer bem o vocabulário e as regras de combinação dos sons, das letras e das palavras que são aceites pela nossa  comunidade linguística.

Por tudo isto, o conhecimento da gramática normativa é fundamental para se aceder às exigências das nossas sociedades. Quem tiver apenas um vocabulário reduzido e não conhecer todas as regras gramaticais está limitado a exercer apenas tarefas  básicas.

Pergunta:

Qual é o significado do nome Miriam?



Resposta:

O nome Miriam é uma variante de Maria. Ambas as formas provêm de um nome hebraico Miriam cuja origem é incerta. Leia-se o que diz Orlando Neves (Dicionário de Nomes Próprios, Lisboa, CÍrculo de Leitores, 2003) sobre o assunto:

«Nome muito difundido em todo o mundo, mesmo antes de Cristo, a sua origem é controversa. Talvez egípcia, de mry, «amar». Segundo as raízes semíticas poderia significar «a rebelde», «a forte» ou ainda a que se eleva» e mesmo «a vidente, a profetisa» ou «a Senhora», feminino de «o Senhor». Mas "miriam" poderia provir de mar yam, "gota do mar" que em latim, se tornou stilla maris e stella maris, estrela do mar.

Pergunta:

As estações do ano são substantivos concretos ou abstratos?

 

Resposta:

Não é claro o estatuto dos nomes enquanto substantivos concretos ou abstractos. Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, pág. 112/113) define um substantivo concreto como «o que designa ser de existência independente». Ora, as estações do ano (Primavera, Verão, Outono e Inverno) não são entidades autónomas, antes configuram períodos caracterizados por fenómenos físicos e biológicos, estes, sim, concretos. Por isso, colocaríamos os substantivos em apreço entre os abstractos, muito embora muitos possam falar da sua concretude, por se aplicarem a um conjunto de realidades concretas.

Pergunta:

Devemos usar "audioguia" ou "guia-áudio" (com ou sem hífen?), quando no referimos ao aparelho electrónico áudio que no faz uma visita guiada, por exemplo, numa exposição?
Obrigada.

Resposta:

As duas formas estão correctas:

audioguia

Assim como se escreve audiocasseteaudiofrequência (cf. a Mordebe), é possível formar audioguia, porque o elemento de origem latina audio se liga a um substantivo sem hífen.

 

guia áudio ou guia-áudio

A palavra áudio é, além de substantivo, um adjectivo. Por conseguinte, pode fazer parte de uma expressão nominal que não exige hífen, da mesma maneira que não apomos um hífen à expressão «mar azul». No entanto, se os falantes considerarem a expressão em causa como uma designação distinta de um «guia (que é) áudio», isto é, se acharem que se trata de um composto que funciona como uma unidade lexical, então, é aconselhável o hífen. Observe-se, porém, que os critérios da hifenização com composto de substantivo e adjectivo não são claros: por um lado, temos feijão-verde, com hífen; por outro, caixa negra (de um avião), sem ele.

Pergunta:

Qual é a função sintática da expressão «que o normal» no período «Este ano não teve mais desastres que o normal»?

Todo grau comparativo do adjetivo pode ser considerado, num período, uma oração subordinada adverbial comparativa?

Resposta:

A expressão «que o normal» (ou «do que o normal») é equivalente a «que é o normal» (ou «do que é normal»). É, portanto, uma oração subordinada adverbial comparativa cujo verbo foi omitido (elipse). Além disso, a oração está em correlação com o determinante indefinido (no Brasil, pronome adjectivo indefinido) mais, que se associa a «desastres» na oração subordinada (cf. E. Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, págs. 169 e 326/327). No período «Este ano não teve mais desastres que o normal», a oração desempenha a função sintáctica de adjunto adverbial.

De salientar que no caso do período em análise não temos a construção do grau de um adjectivo, em que mais é um advérbio que modifica um adjectivo, tal como poderíamos encontrar em «o número de desastres é mais elevado do que o normal». Mas tanto o mais indefinido como o mais advérbio acarretam um segundo termo que, a ser realizado, é sempre uma oração adverbial comparativa, mesmo que se omita o respectivo verbo:

a) «Neste ano, houve mais desastres do que (é) o normal.»

b) «O número de acidentes é mais elevado do que (é) o normal.»

Estas orações não têm geralmente muita mobilidade na frase:

c) «Neste ano, houve mais acidentes [que (é) o normal].»

d) *[Do que (é) o normal], este ano não teve mais acidentes.»

A oração comparativa subordinada adverbial exprime a noção de grau e é, portanto, considerada uma construção de graduação. Este tipo de oração é introduzido por uma conjunção subordinativa comparativa que inicia uma oração que encerra o segundo membro de uma comparação: que, do...