Pergunta:
À pergunta de um consulente sobre uso do verbo ter em vez de haver (no sentido de «existir») respondeu-se que aquele «não é usado em Portugal com esse sentido». Apenas gostaria de referir que essa atribuição do sentido «existir» ao verbo ter verifica-se no falar da Madeira e o seu uso não é infrequente. Devo referir ainda que há vários fenómenos linguísticos tidos por muitos estudiosos (nacionais e internacionais) como típicos do português do Brasil, mas que existem nos falares da Madeira e dos Açores.
Poder-se-ão levantar aqui três questões: 1.ª Tratar-se-á de fenómenos tipicamente brasileiros assimilados posteriormente pelas nossas regiões autónomas (seria provável)? 2.ª Foram fenómenos levados por emigrantes madeirenses e, sobretudo, açorianos, pois sabemos que se fixaram em determinadas zonas do Brasil? 3.ª Virão todos de uma mesma forma portuguesa/continental disseminada simultaneamente por essas zonas durante a sua colonização? Em relação a este último ponto, lembro-me da típica simplificação dos pronomes átonos da terceira pessoa do complemento directo (substituição de -o, -a por ele, ela) que, independentemente de ser correcta ou não, é tida como típica do português do Brasil, podendo, no entanto, ser encontrada no português das nossas ilhas atlânticas e, curiosamente, em documentos portugueses de chancelaria régia medieval, onde já encontrei estruturas do tipo «mandei lavrar ele», referindo-se a um determinado documento.
É uma pena não haver um profundo estudo dos falares da Madeira e dos Açores, visto que nos poderíamos surpreender ou mesmo encontrar algumas janelas para formas pretéritas da nossa língua. Infelizmente, com a globalização do português a nível nacional...
Resposta:
Agradecemos a sua achega à discussão da história e da geografia da variação linguística do português. As questões que formula, deixo-as em aberto porque não conheço estudos nem tenho investigação feita que me permitam identificar os factores preponderantes na génese dos actuais falares da Madeira, dos Açores e do Brasil.
Não havendo, que eu saiba, um estudo exaustivo sobre os dialectos das ilhas, deve-se, mesmo assim, realçar alguns trabalhos. Refiram-se, por exemplo, os de João Saramago, investigador do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. Acrescente-se também a descrição que, com base nesses estudos, se faz na Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003). Destaco, por último, um documento sobre a variação do português europeu, disponível no Instituto Camões.