Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Com a chegada do mês de Setembro, é muito comum ler em jornais a expressão "reentré" ou "rentré", porém esta palavra aparece das duas formas, o que me suscita confusão e dúvidas. Qual é a forma correcta de escrever este estrangeirismo?

Obrigada.

Resposta:

Rentrée. Trata-se de um galicismo que é o feminino substantivado de rentré, particípio passado do verbo rentrer, «voltar, regressar (a casa)». Digamos que rentrée é, literal e etimologicamente, o mesmo que reentrada, mas em português corrente designa a noção de «regresso de férias».

Pergunta:

«Modéstia à parte...»

Está correcto? Se não, como deve ser?

Grato.

Resposta:

É mesmo assim como escreve, como se dissesse «pondo a modéstia de lado (= à parte)». À parte é uma locução ou expressão. Aparte é outra coisa: constitui uma só unidade lexical, isto é, uma só palavra, e significa «esclarecimento, comentário, confidência».

Pergunta:

Poderiam explicar-me que regra se aplica ao uso do determinante todo/toda antes e depois do nome? Quando se podem utilizar após o nome? Por exemplo, em «li todo o livro» ~ «li o livro todo», «conduzi toda a noite» ~ «conduzi a noite toda», há alguma estrutura que esteja mal? Há variação semântica? Há casos em que não se possa utilizar todo/toda após o nome?

Agradeço-vos, desde já, as vossas explicações.

Resposta:

A respeito do emprego deste quantificador (é melhor que chamá-lo determinante), não há diferença de sentido entre as duas possibilidades de colocação de todo, no sentido de «inteiro»: «todo o livro» = «o livro todo» = «o livro inteiro»; «toda a noite» = «a noite toda» = «a noite inteira». O mesmo acontece quando o quantificador significa «qualquer», «cada»: «li todos os livros que encontrei» = «li os livros todos que encontrei»; «todos os alunos responderam» = «os alunos todos responderam».1

Note-se que, quando faz parte de um constituinte com a função de sujeito, é também possível colocar todo fora da expressão a que se refere, depois do verbo: «o livro foi todo lido»; «os alunos responderam todos».

1 No Brasil, a distinção entre todo = inteiro e todo = cada é feita através da presença ou ausência do artigo definido numa expressão no singular: «todo o dia» = «o dia inteiro» ~ «todo dia» = «cada dia» (= «todos os dias»). Em todo o caso, trata-se de uma tendência que não é seguida cegamente (cf. Maria Helena de Moura Neves, Guia de Uso do Português, São Paulo, Editora Unesp, 2003, pág. 752).

Pergunta:

Fui confrontado, profissionalmente, com a necessidade de classificar os habitantes de uma aldeia na ilha da Madeira, de nome Gaula. Procurei esclarecer a sua designação, recorrendo a enciclopédias, dicionários e prontuários. Sem sucesso. Estive tentado a arriscar o nome "gaulanenses", "gauleanos" ou "gauleenses". Finalmente, encontrei várias referências escritas pelos próprios habitantes de Gaula, que se auto-intitulam "gauleses". Faz sentido esta designação?

Obrigado.

Resposta:

É conveniente ter em atenção a maneira como os habitantes de um lugar são chamados e se designam a si próprios. Por isso, contactámos o Município de Santa Cruz (Madeira), concelho a que pertence a freguesia de Gaula, e, assim, fomos gentilmente informados de que os naturais da freguesia de Gaula se chamam gauleses.

Pergunta:

A frase «O estilo de Vieira, esse, é o Barroco» poder-se-á considerar ainda uma estrutura SVO, apesar do fenómeno de topicalização (focalização?) que encerra?

Obrigada!

Resposta:

Sim, pode, mas note que o conceito de tópico releva do discurso, enquanto a de sujeito se prende com a sintaxe. Seja como for, tópico e sujeito coincidem em português, porque ambos surgem à cabeça da frase.

Em relação à frase em questão, embora seja uma frase identificacional e não tenha propriamente um objecto directo, podemos mesmo assim considerar que estamos perante uma estrutura VSO (sujeito, verbo, objecto). Note-se que o emprego de esse, entre vírgulas como um aposto, permite a paráfrase com uma estrutura de topicalização mais clara: «quanto ao estilo de Vieira, (ele) é o Barroco». De qualquer modo, o sujeito da frase identificacional é «o estilo de Vieira», que se encontra na posição canónica à cabeça da frase (graficamente à esquerda).