Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A minha aldeia é Guisande, do concelho de Santa Maria da Feira.

Em Portugal, para além desta, existe ainda a freguesia de Guisande, no concelho de Braga.

Por aqui ainda existe alguma confusão e até alguma polémica, que por vezes geram discussões e que decorrem da grafia. Será "Guisande", com S, ou "Guizande", com Z? Recordo que de há trinta anos para trás era vulgar a grafia com o Z, inclusive era usada pelo velho pároco local.

Sei que a mudança para a grafia com o S ocorreu pela ideia incutida e ensinada por algumas professoras do ensino primário local.

Pessoalmente entendo que se devia manter a grafia com o Z. Penso que não há nenhum motivo para a prática do contrário. Ainda hoje há exemplos toponímicos onde se preserva a grafia com o Z. Atente-se nos exemplos: Carrazeda de Ansiães; Oliveira de Azeméis; Azeitão. Para além destes, e outros haverá, existem múltiplos exemplos, como Azevedo, Gazela, Azeite, Azo, Azimute, Azelha, Azar e por aí fora.

Ora se a ideia subjacente à mudança ensinada pelas professoras quanto à grafia do topónimo Guisande era de que o S entre vogais vale Z, então o porquê da existência de todos os exemplos que apontei?

Pergunto, pois, qual a norma e, no caso concreto, qual a grafia correcta para Guisande?

Grato pelos esclarecimentos.

Resposta:

É por razões históricas que se deve escrever Guisande com s. Em documentos medievais, este topónimo aparece grafado Guisandi, nos séculos XII e XII, e Guisande, a partir do século XV. Os topónimos com z referidos na pergunta têm essa letra por razões também etimológicas, uma vez que os grafemas s e z tinham, entre vogais, pronúncias diferentes. Foi depois do século XVII que os sons sibilantes associados a essas letras se confundiram, acarretando naturalmente muitas confusões na escrita. Com a reforma ortográfica do 1911, procurou-se, em grande parte, reconstituir a distribuição medieval dos grafemas das sibilantes nos topónimos portugueses. Daí muitos nomes com s, nos séculos XVIII e XIX, terem passado a escrever-se com z e vice-versa.

Guisande é nome que ocorre em Portugal (a sul e a norte do Douro), na Galiza e, sob a forma Guisando, na província castelhana de Ávila. Apesar de alguma controvérsia, Guisande deve estar relacionado com nome próprio Uisando, atestável desde meados do século X em Portugal.

Fonte: José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Confluência e Livros Horizonte, 2003.

Pergunta:

Gostaria de saber o que é correcto dizer: "auscultador", ou "auscultadores"?

Obrigada desde já.

Resposta:

Ambas as formas estão correctas, já que se trata de formas da mesma palavra: auscultador, no singular, e auscultadores, no plural. Mas se pretende saber se o singular tem uso, dir-lhe-ei simplesmente que o normal é que usemos dois auscultadores e não apenas um.

Pergunta:

Pergunto como se designa o executante da circuncisão.

Obrigada

Resposta:

O dicionário Aulete Digital regista duas formas com o significado em apreço: circuncidador e circuncisador.1 Outros dicionários consultados (Dicionário Houaiss, dicionário da Academia das Ciências) não registam este termo.

1 Agradecemos ao consulente André Pires Lavado (Samora Correia, Portugal) as indicações relativas estes dicionário.

Pergunta:

Em textos das ciências exatas e biológicas, é comum o uso do termo quali-quantitativa para definir, por exemplo, uma análise que seja qualitativa e quantitativa. Gostaria de saber se é correto o uso deste adjetivo composto: quali-quantitativa.

Obrigada!

Resposta:

Considero que "quali-" surge por truncação de qualitativo, e em "quali-quantitativo" parece comportar-se como um pseudoprefixo. Mas, mesmo que assim seja, não se justifica o uso do hífen, uma vez que não há  sequência de vogais, nem de h, nem de r ou s. Sendo assim, a grafia correcta deveria ser "qualiquantitativo".

Digo «deveria», porque a forma "qualiquantitativo" ainda não está dicionarizada, e é possível que muitos lexicógrafos ofereçam certa resistência na sua adopção. De qualquer modo, é certo que a palavra está a ser usada nos meios científicos, associada a substantivos como abordagem, análise ou avaliação.

Pergunta:

A forma "refractoviedade" é possível, no sentido de «refractária ao tratamento»?

Resposta:

A palavra é impossível. De refractário, no sentido de «que não se ressente de acções exteriores», «resistente», o mais que se pode derivar é refractariedade, que está atestado no Dicionário Houaiss, mais precisamente no artigo dedicado ao elemento de composição frang-.