Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual o significado, e origem, de «falar à mão»? É hoje usado no sentido de perturbar o adversário durante um jogo, falando quando ele se concentra ou tenta jogar. Mas há uns versos erótico-satíricos do séc. XVII onde o significado parece diferente. Podem ajudar?

Resposta:

No Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, de Guilherme Augusto Simões, a locução «falar à mão» significa «dirigir a palavra a um indivíduo que vai iniciar qualquer trabalho difícil e carecido de concentração» e «interromper alguém». Não foi possível encontrar qualquer informação sobre o aparecimento desta expressão nem sobre a sua ocorrência em poemas erótico-satíricos do século XVII.

Pergunta:

No português de Macau é utilizado o adjectivo misco para apelidar alguém de avarento, forreta. No entanto, não encontro esta palavra dicionarizada em nenhuma obra de referência.

Num sítio acerca da entrada pirangueiro, é mencionada a palavra misco como sendo sua sinónima.

Poder-me-ão esclarecer, então, sobre as origens da palavra misco, do seu uso, e porque não se encontra dicionarizada actualmente? É correcto utilizá-la?

Obrigado.

Resposta:

Também não conseguimos encontrar registo da palavra nos dicionários consultados. O Dicionário de Expressões Populares Portuguesas, de Guilherme Augusto Simões, inclui as formas misca, «minhoca», míscaro, «cogumelo», e miscar, «fugir», mas não possuímos indicação de relação etimológica entre eles e misco. Não podemos, portanto, acrescentar nada ao que o consulente já sabe. Contudo, pelo que diz, parece tratar-se de um termo típico do português de Macau, em princípio, adequado aos registos mais informais ou familiares.

Cf. Qual a língua mais falada em Macau?

Pergunta:

Gostaria que me explicassem o que são verbos prototípicos e como proceder para os identificar numa frase.

Será sempre parco todo e qualquer agradecimento pelo vosso fantástico trabalho, por isso, aqui deixo um humilde «Muito obrigada a todos!».

Resposta:

À noção de categoria pode-se aplicar o princípio cognitivo da prototipicidade, desenvolvido por Rosch (1973 apud Hopper & Thompson, 1984). Segundo esse princípio, uma vez que a categorização humana não é arbitrária, mas faz-se de exemplares mais centrais para exemplares mais periféricos, são prototípicos os exemplares mais centrais de determinada categoria.

Sobre verbos prototípicos, traduza-se o que escreve John R. Taylor (Linguistic Categorization. Prototypes in Linguistic Theory, Oxford, Clarendon Press, 1995, pág. 193):

«Uma abordagem às classes de palavras baseada em protótipos foi (implicitamente) adoptada por Givón1 (1979). Este defende que a diferença essencial entre nomes e verbos reside na "estabilidade temporal" dos seus referentes. A estabilidade temporal constitui um continuum. Num pólo, estão as entidades com a maior estabilidade temporal, isto é, entidades que não mudam de identidade no tempo. Estas são (tipicamente) referidas como nomes. Por outro lado, os verbos prototípicos referem-se a entidades destituídas de estabilidade temporal, isto é, acontecimentos e rápidas mudanças de estado (1979:14). Outro corolário é os referentes dos nomes serem caracterizados em termos da sua existência no espaço; o típico referente nominal é uma coisa identificável e duradoura. Os referentes verbais, por outro lado, têm tipicamente existência apenas num certo ponto no tempo; o típico referente verbal é assim um acontecimento identificável (1979: 320 ss.).»2

Tendo em conta esta definição, verbos que representem acontecimentos (ex., cair, espirrar) e mudanças de estado (ex., nascer, morrer

Pergunta:

Nossa língua portuguesa é agraciada com vasta quantidade de sinônimos, o que é excelente quando existe dúvida quanto à gramática correta de um termo; porém, nos casos de cócegas e moreno, eu me vejo perguntando: há sinônimos?

O termo cócegas carrega uma conotação informal, quase infantil, parecendo-me inapropriada para algumas situações literárias... Vocês conhecem algum sinônimo, ou forma simples de se referir ao «efeito cócegas» de forma mais formal?

O termo moreno, ao menos no Brasil, carrega dois distintos significados: aquele de cor de pele entre branca e negra; ou aquele cujos cabelos são escuros — nem loiro, nem ruivo, nem grisalho. Quando se escreve, porém, uma metonímia para uma personagem que possua cabelos negros usando-se do termo moreno (ex.: «o moreno se viu aprisionado pela própria ignomínia») —, a conotação do brasileiro é associar moreno à cor da pele! Em outras línguas sei que há a raiz "bruno", tanto nas latinas quanto nas saxônicas, mas em português temos o termo "bruno", ou "bruneto" ou algum sinônimo para moreno que diga apenas respeito à cor escura dos cabelos?

Obrigado.

Resposta:

O Dicionário Houaiss regista o sinónimo coscas, que também não evita a conotação infantil, talvez porque a própria noção de cócegas é infantil.

Em relação à cor de cabelo, não encontro outro termo que não seja moreno para cabelos negros ou castanho-escuros, por oposição a louro (ou loiro), para os cabelos claros. Para tom de pele, existe o sinónimo trigueiro. No entanto, é certo que, por exemplo, em Portugal, dizer que uma pessoa é morena significa que, além dos cabelos escuros, a pele é bronzeada ou trigueira.

Pergunta:

Antes de mais, muito obrigada pelo vosso trabalho, que tanto me ajuda a fazer o meu!

A minha questão prende-se com a necessidade de utilização de aspas ou itálico com estrangeirismos, quando estes são nomes próprios. Aqui ficam alguns exemplos que me causam dúvida:

— A Grand-Place de Bruxelas, ou A "Grand-Place" de Bruxelas?

— O Schloss Hohenschwangau, ou O "Schloss Hohenschwangau"?

— De Stonehenge a Tower Bridge, ou De "Stonehenge" a "Tower Bridge"?

Já li vossa resposta à questão "Como grafar estrangeirismos?", mas não fiquei totalmente esclarecida.

Muito obrigada pela vossa atenção.

Resposta:

Com nomes próprios estrangeiros, o critério é (relativamente) simples: se não há expressão portuguesa consagrada, usa-se o nome estrangeiro sem aspas nem itálico. Nos casos apresentados, escreve-se (o negrito apenas se usa aqui para destaque; noutras circunstâncias não se emprega):

1. Grand-Place de Bruxelas, porque não se usa "Praça Grande de Bruxelas".

2. Palácio de Hohenschangau, porque Schloss significa «castelo» em alemão; não vale a pena traduzir o topónimo Hohenschawangau, embora este seja decomponível em elementos e traduzível: grande (= hoen) condado (= gau) do cisne (= schwan).

3. Escreve-se Stonehenge, uma vez que não há adaptação portuguesa, e Tower Bridge, porque "Ponte da Torre" não está consagrado; contudo, diz-se e escreve-se Torre de Londres, e não "Tower of London".