Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A melhor forma é "Hermenegildo", ou "Ermenegildo"?

Muitos agradecimentos.

Resposta:

A melhor forma é Hermenegildo.

José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa) atribui-lhe origem germânica (visigótica), a partir de Hermingilt e Hermengilt, de «composição controversa». Este nome foi alatinado como Hermenegildus e surge freq{#u|ü}entemente na documentação medieval por causa do culto ao santo do mesmo nome. Atestações entre os séculos IX e XIII revelam variantes com h etimológico e sem ele: Hermenegildus (911), Ermegildos (1258), Ermegildus (883) (ver idem).

Pergunta:

Preciso urgentemente de dois exemplos do verbo cansar como verbo intransitivo. Em «as suas exigências cansam-me» ou «tanto trabalho cansa», o verbo parece-me transitivo... Será?

Obrigada pela vossa ajuda preciosa.

Resposta:

O verbo cansar pode ser transitivo: «A professora é muito criativa, por isso não cansa os alunos.»

Pode ser reflexo: «Ela é frágil, cansa-se facilmente.»

Pode ser transitivo indireto, com o sentido de «estar cansado»; exs.: «Já cansei de lhe chamar a atenção.» «Com tanto sofrimento, cansei de viver.»

E pode ser classificado de intransitivo: «Já te repeti isso inúmeras vezes; não vou repetir mais. Cansei!» (no sentido de: «estou cansada»).

Outro exemplo: «Tentou ligar o aparelho, tentou, tentou, sem êxito; finalmente desistiu. Cansou.»

Em relação às frases em dúvida, na primeira, o verbo é transitivo (-me é o complemento directo), mas, na segunda, o verbo é realmente intransitivo, visto não ter complementos («tanto trabalho cansa»).

Pergunta:

A dinastia grega que reinou no Egito, depois da morte de Alexandre Magno, deve ser chamada, em português, de "Lágida(s)", ou "Lágide(s)"?

Desconfio que seja qual for a terminação correta, isto é, terminada em "e" ou "a", a forma plural deve ser para os reis e rainhas todos, exemplos: «os reis lágidas»; «os Lágidas do Egito»; porém: «a dinastia Lágida»; «a casa real Lágida». Neste último caso, portanto no singular.

Em os «os reis lágidas», o termo escreve-se mesmo com minúscula inicial, como fiz acima, pois seria apenas um adjetivo? E, nos demais casos, em maiúsculas, como nos exemplos supramencionados, porque seria um substantivo próprio?

Muito obrigado.

Resposta:

No Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, registam-se as formas lágida, que é adjectivo e substantivo dos dois géneros, e Lágidas, patronímico masculino plural. A palavra é adjectivo, varia em número, mas não em género, e escreve-se com minúscula em «os reis lágidas», «a dinastia lágida» e «a casa real lágida». É substantivo e escreve-se com maiúscula em «os Lágidas», expressão que designa a «última dinastia do Egipto, a 31.ª (305-30 a. C.), tb. conhecida por dinastia dos Ptolomeus, e que tira o nome do pai do 1.º rei, Ptolomeu I Soter, que se chamava Lagos, lugar-tenente de Alexandre» (Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Lisboa, Editorial Verbo).

Note que o sufixo -ida é, segundo o Dicionário Houaiss, «formação simétrica de -ido [...] na acepção geral de "filho de, oriundo de, provindo de, descendente de", da terminologia histórica (mítica, mitológica) e das fisiociências». Por sua vez, -ido é de origem grega, transmitido por intermédio do latim científico (idem): «[...] tem uma acp. genérica de "filho de, oriundo de, descendente de, provindo de", us. tanto em biologia (zoologia, botânica), como na terminologia de várias outras ciências (provém, na maioria dos casos, da singularização, no masc., de neutros plurais em -ida ou da marcação desinencial masc. típica em -o de subst. e adjetivos de 2g. em -ĭdahomínido, p. ex.»

Pergunta:

«O presidente acusa o recebimento da seguinte preposição, para a qual designou o relator citado entre parênteses: Projeto de Lei n.º 489 (Deputado Carlos Feitosa).»

Existe alguma incorreção do ponto de vista gramatical na frase acima?1

Obrigado.

1 O consulente enviou dias depois um esclarecimento:

«A propósito do comentário do Professor Carlos Rocha à minha consulta, cumpre-me esclarecer que o meu reparo é feito à regência de relator. Não seria «da qual designou o relator citado a seguir», em vez de «para a qual...»?

Quem relata, relata algo; é relator de algo.

Peço na oportunidade desculpas por não ter sido mais específico.

Obrigado.»

Resposta:

Na frase em referência — «O presidente acusa o recebimento da seguinte preposição, para a qual designou o relator citado entre parênteses: Projeto de Lei n.º 489 (Deputado Carlos Feitosa).» — é possível substituir «para a qual» por «da qual», mas não creio que tal se imponha, porque:

— não é obrigatório que o complemento de relator se realize, se este puder estar subentendido contextualmente;

— «para qual» forma uma estrutura relativa cujo antecedente é proposição ( e não "preposição") e que é complemento preposicional de designar.

Note que o referido verbo selecciona, além de um objecto directo, um complemento preposicional referente a cargo, posto, processo ou situação:

(1) O empresário contactou a empresa para a qual designou o novo gestor

(2) O gabinete adiou as provas para as quais designou novos examinadores.

Vemos, portanto, que designar e relator têm ambos complementos preposicionados, o que acarreta a opção pela realização completa da grelha argumental de apenas uma das palavras, já que a estrutura relativa não pode ser instanciada simultaneamente por complementos pertencentes a constituintes com funções sintácticas diferentes:

«O presidente acusa o recebimento da seguinte proposição, *para a qual da qual designou o relator citado entre parênteses: Projeto de Lei n.º 489 (Deputado Carlos Feitosa).»1

Mas a análise da frase justifica mais dois comentários.

1. Acusar recebimento

Pergunta:

Na leitura de textos jurídicos, deparo-me freqüentemente com o termo "consumerista", significando "de ou relativo ao consumidor", porém nunca encontrei essa palavra nos dicionários que consultei. É correta a sua utilização?

Resposta:

No Ciberdúvidas, já se abordou o termo "consumerismo". Em Portugal, Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos (Inovação Lexical em Português, Lisboa, Edições Colibri, 2005, pág. 55) propõem como mais correcta a forma consumidorismo. Nesta conformidade, a forma recomendável do adjectivo correspondente será consumidorista. Nos dicionários brasileiros consultados (Houaiss e UNESP), não constam os termos "consumerismo" e "consumerista".