Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria que me definissem e me dessem exemplos das várias competências da linguagem: competência comunicativa, competência linguística, competência metalinguística e competência textual.

Era urgente. Obrigada.

Resposta:

O Dicionário Prático para o Estudo do Português, de Olívia Maria Figueiredo e Maria Eunice Barbieri de Figueiredo (Porto, Edições Asa, 2003), define assim os tipos de competência em questão:

Competência comunicativa: «é a capacidade do falante nativo em produzir e compreender frases adequadas ao contexto e aí comunicar eficazmente, de acordo com as várias situações culturais e sociais [...].»

Competência linguística: «[...] [É o] conhecimento interiorizado que o falante possui da sua língua. É este conhecimento, formado por uma gramática e um léxico, que permite ao falante actualizar, por meio da compreensão e da construção, um número indefinido de frases gramaticais jamais produzidas ou ouvidas.»

Competência metalinguística: «[...] é a capacidade de o locutor, por meio da língua, reflectir sobre a própria língua, consciencializando-se para os seus valores e funções.»

Competência textual-discursiva: «[...] é a capacidade do locutor nativo em construir textos/discursos bem formados em termos tipológicos, com coerência e coesão, de forma a que o ouvinte/leitor capte a intencionalidade comunicativa e a força ilocutória que estiveram na sua base de produção [...].»

Pergunta:

Acompanho com muito interesse este sítio, o qual me tem esclarecido sobre muitas dúvidas da nossa língua. Por ser rica, por vezes nos confunde, ou nos confundimos com ela. Agora, agradecendo a vossa colaboração, tentem elucidar-me sobre a diferença entre locução e expressão corrente, popular ou frase feita, ou se as três têm o mesmo significado, o que, provavelmente, não será, embora estejam quase no seu limiar.

Aproveito, também, para pedir o significado das expressôes «beber a água dos ribeiros» e «comer pedras», do nosso Miguel Torga, ínsitas num seu conhecido conto de Natal.

Parabéns pela vossa existência, pelos esclarecimentos importantes, que a dúvida nos assalta dia a dia, e que continuem a ter paciência para nos aturar.

Resposta:

Os termos em questão nem sempre se distinguem claramente, podendo muitas vezes substituir-se mutuamente. Tentarei aqui contrastá-los como termos da descrição lexical, ciente de que os conceitos a eles associados se sobrepõem e confundem.

1. Expressão vs. locução

No dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, expressão tem, entre outros significados, o de «palavra ou grupo de palavras», sendo sinónimo dos termos locução, termo, vocábulo. Como locução refere sempre grupos de palavras, e termo e vocábulo costumam ser aplicados a palavras isoladas (simples ou compostas), dir-se-á antes que expressão é termo genérico que os abarca aos três; é, portanto, o seu hiperónimo.

Locução, como se vê, é usado como hipónimo de expressão; tem, portanto, um sentido mais  específico: «grupo de palavras que funcionam, semântica e sintacticamente[,] como um todo, qu equivalem a um só vocábulo» (idem).

Note-se, contudo que locução corrente e locução popular ocorrem muitas vezes como o mesmo que expressão corrente e expressão popular, respectivamente. Estas locuções ou expressões são também equivalentes às expressões idiomáticas.

2. Locução corrente vs. locução popular

A diferença entre locução corrente e locução popular está no contraste entre registos linguísticos. Uma expressão corrente é usada num registo neutro, sem grandes desvios em relação à norma-padrão; p. ex.:

Pergunta:

Gostaria de saber, por razões profissionais, como se chama uma pessoa que nasceu em Ranholas. Tentei descobrir através de uma pesquisa na Internet, mas não consegui. Será que me podiam ajudar? Não é uma brincadeira, é mesmo a sério.

Muito obrigado.

Resposta:

Contactámos a Junta de Freguesia de S. Pedro de Penaferrim (Sintra, Portugal), que abrange a localidade de Ranholas, mas aí disseram-nos não conhecerem nome especial, apesar de o topónimo lhes sugerir o obviamente jocoso e insultuoso "ranhosos".

Contudo, topónimos como Ranholas, com aparência de plural, podem formar o gentílico com -ense; por exemplo: Caldas > caldense; Cascais > cascalense (ver Dicionário de Gentílicos e Topónimos do Portal da Língua Portuguesa). É, portanto, legítimo formar o gentílico ranholense. Em alternativa, usem-se expressões analíticas alternativas: «os de Ranholas», «os naturais/habitantes/moradores de Ranholas».

Acrescente-se que o topónimo Ranholas nada tem que ver com as palavras ranho ou ranhoso1, ao contrário do que podem supor muitas pessoas da região de Sintra. José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa) sugere que se trate de um diminutivo de Ranha, topónimo frequente em Portugal e na Galiza que talvez signifique «declive no leito de um rio», uma vez que «o nome parece aplicar-se a elevações».

1 Machado (

Pergunta:

Gostaria de saber a data da última edição do Grande Dicionário, de Morais Silva.

Agradeço-vos desde já.

Resposta:

Poderá dizer-se que é a 10.ª edição, em 12 volumes e publicada entre 1949 e 1959. No entanto, trata-se na realidade de uma versão muito modificada do Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de António de Morais Silva, na qual intervieram os lexicógrafos Augusto Moreno (1870-1955), José Francisco Cardoso Júnior (1884-1969) e José Pedro Machado (1914-2005). Recomendo a leitura do artigo Dicionários Portugueses, Breve História, de Telmo Verdelho.

Existe uma versão compacta desta 10.ª edição, despojada de abonações: o Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Confluência), publicado em 1961 e reeditado em 1980 e 1987.

Pergunta:

Podem-me dizer, por favor, se a seguinte frase está correcta?

«Ele persegue antes as suas próprias fraquezas do que as dos outros.»

A minha dúvida prende-se com a associação entre o «antes» e o «do que».

Obrigada!

Resposta:

A frase está correcta. «Antes... que» ou «antes... do que» é uma locução descontínua que significa «de preferência a» (ver Dicionário Houaiss e dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).