Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Dever-se-á dizer «Enfrentou inúmeros problemas, grande parte deles incompreensíveis à partida», ou «Enfrentou inúmeros problemas, grande parte deles incompreensível à partida»?

Resposta:

As duas frases estão correctas, mas há algumas considerações a fazer sobre a sua estrutura e aceitabilidade.

Primeiro, deve-se ter em mente que, relativamente a grupos nominais constituídos por expressões partitivas (p. ex., «parte de», «o resto de», «metade de») seguidas de substantivo ou pronome no plural, a concordância verbal faz-se ou com a expressão partitiva ou com as palavras que a completam (ver Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, pág. 496).1 Mas, no caso da frase apresentada, a concordância não é verbal, é adje{#c|}tival. Aplica-se a mesma regra?

Aplica-se, até porque a sequência «grande parte deles incompreensíveis/incompreensível à partida» é um aposto que encerra uma predicação («existe algo que é incompreensível»), podendo todo o constituinte com essa função sintáctica ser parafraseado por uma oração relativa apositiva com o verbo numa forma finita ou no gerúndio: «grande parte dos quais eram incompreensíveis/era incompreensível à partida»; «sendo grande parte deles incompreensíveis/incompreensível à partida».

Em segundo lugar, parece-me que, num aposto como o descrito, se apresenta uma situação semelhante à da concordância com particípios verbais e adjectivos predicativos. Nestes casos, João Andrade Peres e Telmo Móia falam de uma preferência dos falantes pela concordância com o nome mais encaixado, isto é, o substantivo que complementa a expressão partitiva (Áreas Críticas da Língua Portuguesa, 2.ª edição, 2003, pág. 480). Isto significa que, comparando as frases a seguir, (2) seja considerada melhor que (1) (exemplos de Peres e Móia, op. cit.):

(1) «Um terço dos professores foi convocado para vigiar a prova.»

Pergunta:

Preciso conhecer o significado do nome "Anfilófio" ou "Amphilófio".

Resposta:

O nome Anfilófio foi ou é mais usado no Brasil. Encontramos dicionarizado Anfilóquio, mas não Anfilófio. No entanto, a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira regist{#|r}a como substantivo comum a forma anfilófio, «género (Amphilophium) da família das bignoniáceas, estabelecido por Kunt (= Amphilobium)», que «compreende cinco espécies das Honduras e do México» e que «são plantas trepadeiras». A palavra deriva de termos gregos: amphi, «em redor, de ambos os lados», e lophus, «crista, pincel».

Pergunta:

Gostaria de saber a origem do provérbio «antes quebrar que torcer». Tenho a indicação de que será de um poema do séc. XVII... Não sei se está correcta...

Resposta:

A expressão aparece numa das cartas de Sá de Miranda (1481-1558), mas não é certo que seja este poeta o seu autor (Carta I, XXIV):

«Homem de um só parecer
Dum só rosto, uma só fé,
De antes quebrar que torcer,
Ele tudo pode ser,
Mas de corte, homem não é.»

Note que a maior parte da vida de Sá Miranda decorreu no século XVI.

Pergunta:

Como se pronuncia o e de pregador?

Resposta:

Pregador pode ser a grafia de duas palavras com pronúncias ligeiramente diferentes:

«aquele que prega, que faz pregação»: pr[ɛ]gador (é aberto na primeira sílaba, como o de ), derivado do verbo pregar (também com é aberto).

«adorno que se põe ao peito, pregado na roupa»: pr[ɨ]gador (com é mudo, como na preposição de), derivado de pregar, «fixar com prego» (também com é mudo).

Como têm a mesma grafia mas pronúncias diferentes, diz-se que as duas palavras são homógrafas.

Pergunta:

Na frase «Macário e Luísa passearam pelas ruas apinhadas», o elemento «pelas ruas» é um agente da passiva, ou é um complemento circunstancial de lugar por onde?

Resposta:

A expressão «pelas ruas apinhadas» só pode ser um complemento circunstancial de lugar por onde, porque o verbo passear é intransitivo, logo não tem voz passiva e, consequentemente, não tem agente da passiva.

Mesmo que tivesse sido utilizado um verbo transitivo na frase, é improvável que «pelas ruas apinhadas» pudesse ser agente da passiva, uma vez que o substantivo rua não costuma ser usado como agente de uma acção. Por exemplo:

(1) «A Rita foi arrastada pelo namorado pelas ruas apinhadas.»

(2) «A Rita foi arrastada pelas ruas apinhadas.»

Em (1), o agente da passiva é «pelo namorado» (é o agente da acção) e, em (2), não ocorre. A interpretação de «pelas ruas apinhadas» é, pois, a de complemento circunstancial em ambas as frases.