Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Na frase «... operações e serviços bancários às entidades e particulares...», deverá utilizar-se a expressão «abrangida», com referência às entidades, ou «abrangidos», com referência a particulares?

O meu obrigado.

Resposta:

Em primeiro lugar, observe-se que a expressão coordenada «às entidades e particulares», para estar correcta, deverá ser «às entidades e aos particulares».

Quanto à concordância na sequência em causa (não se trata de frase, por lhe faltar um predicado), a melhor opção é «abrangidos»:

«... operações e serviços bancários às entidades e aos particulares abrangidos...»

Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, pág. 275) propõem o seguinte critério para a concordância de adjectivos com substantivos coordenados:

«Se os substantivos são de géneros diferentes e do plural, o adjectivo vai:

a) para o plural e para o género do substantivo mais próximo (concordância mais comum):

Ela comprou saias e chapéus escuros.
Estudo os idiomas e as literaturas ibéricas.

b) para o masculino plural (concordância mais rara):

Ela comprou chapéus e saias escuros.
Estudos os idiomas e as literaturas ibéricos.»

Mesmo assim, é corrente considerar-se que, na concordância com substantivos coordenados de géneros diferentes, prevalece o género masculino, pelo que é preferível que o substantivo masculino seja sempre colocado de modo a encontrar-se mais próximo do adjectivo. Veja, por favor, a resposta anterior Os relatórios e as informações necessários.

Pergunta:

Gostaria que me esclaressecem sobre qual a tradução mais correcta para «Democratic Party».

Reparei que o jornal Público utiliza Partido Democrata (tal como a maioria dos meios de comunicação social portugueses, penso eu) e que a RTP utiliza Partido Democrático.

Obrigada desde já.

Resposta:

É preferível «Partido Democrático» a «Partido Democrata», porque, tradicionalmente, democrático é adjectivo, enquanto democrata é substantivo.

Sobre o uso de democrático e democrata, escreve Edite Estrela no vol. V de Dúvidas do Falar Português (Editorial Notícias, 1996, pág. 132):

«Basta consultar um dicionário geral para se saber que democrata é um substantivo e democrático um adjectivo.

Abro o "velho" Morais e encontro:

"Democrata, s. 2 gén. Pessoa pertencente à classe popular ou contrária à aristocracia. Pessoa artidária do governo democrático.

Democrático, adj. e s.m. Relativo ou pertencente à democracia."

Repare-se agora na expressão "governo democrático".

"Democrático" é o adjectivo que qualifica o substantivo "governo".»

No entanto, já Rebelo Gonçalves, no seu Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), registava democrata como adjectivo e substantivo uniforme, enquanto classificava democrático como adjectivo e substantivo masculino.1

Acresce que, em dicionários publicados no Brasil, como o Novo Aurélio XXI e o Dicionário Houaiss, se  consigna democrata não só como substantivo mas também como adjectivo, sendo, neste último caso, sinónimo de democrático.

1 Quando substantivo, é «a designação de partido político: Democráticos,...

Pergunta:

A melhor forma é "Hermenegildo", ou "Ermenegildo"?

Muitos agradecimentos.

Resposta:

A melhor forma é Hermenegildo.

José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa) atribui-lhe origem germânica (visigótica), a partir de Hermingilt e Hermengilt, de «composição controversa». Este nome foi alatinado como Hermenegildus e surge freq{#u|ü}entemente na documentação medieval por causa do culto ao santo do mesmo nome. Atestações entre os séculos IX e XIII revelam variantes com h etimológico e sem ele: Hermenegildus (911), Ermegildos (1258), Ermegildus (883) (ver idem).

Pergunta:

Preciso urgentemente de dois exemplos do verbo cansar como verbo intransitivo. Em «as suas exigências cansam-me» ou «tanto trabalho cansa», o verbo parece-me transitivo... Será?

Obrigada pela vossa ajuda preciosa.

Resposta:

O verbo cansar pode ser transitivo: «A professora é muito criativa, por isso não cansa os alunos.»

Pode ser reflexo: «Ela é frágil, cansa-se facilmente.»

Pode ser transitivo indireto, com o sentido de «estar cansado»; exs.: «Já cansei de lhe chamar a atenção.» «Com tanto sofrimento, cansei de viver.»

E pode ser classificado de intransitivo: «Já te repeti isso inúmeras vezes; não vou repetir mais. Cansei!» (no sentido de: «estou cansada»).

Outro exemplo: «Tentou ligar o aparelho, tentou, tentou, sem êxito; finalmente desistiu. Cansou.»

Em relação às frases em dúvida, na primeira, o verbo é transitivo (-me é o complemento directo), mas, na segunda, o verbo é realmente intransitivo, visto não ter complementos («tanto trabalho cansa»).

Pergunta:

A dinastia grega que reinou no Egito, depois da morte de Alexandre Magno, deve ser chamada, em português, de "Lágida(s)", ou "Lágide(s)"?

Desconfio que seja qual for a terminação correta, isto é, terminada em "e" ou "a", a forma plural deve ser para os reis e rainhas todos, exemplos: «os reis lágidas»; «os Lágidas do Egito»; porém: «a dinastia Lágida»; «a casa real Lágida». Neste último caso, portanto no singular.

Em os «os reis lágidas», o termo escreve-se mesmo com minúscula inicial, como fiz acima, pois seria apenas um adjetivo? E, nos demais casos, em maiúsculas, como nos exemplos supramencionados, porque seria um substantivo próprio?

Muito obrigado.

Resposta:

No Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, registam-se as formas lágida, que é adjectivo e substantivo dos dois géneros, e Lágidas, patronímico masculino plural. A palavra é adjectivo, varia em número, mas não em género, e escreve-se com minúscula em «os reis lágidas», «a dinastia lágida» e «a casa real lágida». É substantivo e escreve-se com maiúscula em «os Lágidas», expressão que designa a «última dinastia do Egipto, a 31.ª (305-30 a. C.), tb. conhecida por dinastia dos Ptolomeus, e que tira o nome do pai do 1.º rei, Ptolomeu I Soter, que se chamava Lagos, lugar-tenente de Alexandre» (Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Lisboa, Editorial Verbo).

Note que o sufixo -ida é, segundo o Dicionário Houaiss, «formação simétrica de -ido [...] na acepção geral de "filho de, oriundo de, provindo de, descendente de", da terminologia histórica (mítica, mitológica) e das fisiociências». Por sua vez, -ido é de origem grega, transmitido por intermédio do latim científico (idem): «[...] tem uma acp. genérica de "filho de, oriundo de, descendente de, provindo de", us. tanto em biologia (zoologia, botânica), como na terminologia de várias outras ciências (provém, na maioria dos casos, da singularização, no masc., de neutros plurais em -ida ou da marcação desinencial masc. típica em -o de subst. e adjetivos de 2g. em -ĭdahomínido, p. ex.»